Depois de mais de um ano de negociações, o governo concluiu o texto do novo marco do setor de gás natural e trabalha para aprovar as mudanças no Congresso até o fim do ano. O resultado, porém, desagradou parte das empresas do setor, que ameaçam ir à Justiça.
A possibilidade de conflito é admitida pela própria ANP (agência regulatória do setor). Em entrevista após sua posse nesta quinta (19), o diretor da agência Cesário Cecchi, especialista no setor, disse ver “potencial de judicialização um pouco elevado”.
As críticas são mais fortes entre as distribuidoras estaduais de gás canalizado, uma vez que o texto transfere para a ANP a atribuição de regular o mercado livre de gás natural, hoje nas mãos dos Estados. O segmento tem o poder de mobilizar bancadas contra a proposta.
A revisão do marco regulatório é parte de uma série de mudanças legislativas propostas pelo Ministério de Minas e Energia desde o início do governo Temer e tem como objetivo adequar as regras à redução da presença da Petrobras no setor.
O novo marco vai substituir a Lei do Gás, aprovada em 2009. O ministério defende que as mudanças vão garantir a atração de investidores privados para o setor e prevê investimentos de R$ 50 bilhões até 2030.
O texto, ao qual a Folha teve acesso, foi apresentado ao setor na segunda (16). O relator do projeto de lei será o deputado Marcus Vicente (PP-ES), que estipulou o dia 25 de outubro como prazo final para contribuições do mercado.
O projeto altera o modelo de contratos de compra e venda de gás natural no país, para permitir que uma empresa retire o combustível em qualquer ponto do país, independente do ponto de entrada. Dessa forma, produtores de gás no Rio, por exemplo, podem vender o produto no Sul ou no Nordeste.
É um modelo semelhante ao do setor elétrico, no qual a diversidade de vendedores e compradores é maior. No gás, até agora, a Petrobras é a única vendedora.
O governo desistiu de criar um operador nacional do mercado de gás, nos moldes do setor elétrico, optando pela implantação de gestores regionais dos gasodutos.
A avaliação é que, durante um período de transição, os três grandes operadores de gasodutos do país terão condições de cumprir o papel.
O projeto de lei define ainda a atividade de estocagem de gás em reservatórios de petróleo abandonados, que funcionariam como os lagos das hidrelétricas, para regular o mercado em tempos de maior consumo para suprir eventuais problemas na produção ou importação.
Para as distribuidoras de gás canalizado, porém, o projeto é inconstitucional. “Em todos os mercados que foram abertos no mundo, os governos estipularam um período de transição”, argumenta Augusto Salomon, presidente da Abegás, associação que reúne as empresas do setor.
As empresas alegam ainda que o texto pode aumentar os preços do gás, ao permitir que grandes clientes paguem tarifas menores pelo uso de dutos dedicados, ao invés de compartilhar os custos da rede com outros consumidores.
Produtores de gás, incluindo a Petrobras, e empresas interessadas em chegar ao mercado brasileiro, porém, estão de acordo com a proposta.
“Tem alguns pontos para serem ajustados, mas, no geral, é o consenso do mercado”, afirmou Emmanuel Delfosse, diretor de gás da francesa Engie, apontada como interessada em ativos de transporte e distribuição de gás no país.