‘Quando falam em Jacob, infelizmente muitos pensam que sou o dono. Pensam que sou o majoritário. Jacob, Jacob é o bicho-papão”. Assim, com essa analogia, Jacob Barata, hoje com 81 anos, descrevia a imagem de sua atuação no sistema, em entrevista inédita, feita em 2008. Entraria para um projeto de acervo histórico que foi iniciado, mas não concluído, pela Fetranspor, e revela detalhes do jeito de pensar do empresário, apontado como o mais poderoso do setor de transportes no Rio. Ele conta a sua versão para o início de tudo: é a história do menino que comprava e vendia galinha no Pará, e que aos 14 anos chegou ao Rio; estudava no colégio Piedade de dia, e à noite “puxava o queixo de um burro”.
Jacob, que agora se recupera de uma cirurgia cardíaca feita há quatro meses, depois do casamento de sua neta Beatriz Barata, relata que passou a ajudar um conhecido que vendia à prestação panelas de alumínio, nas ruas do Rio dos anos 1940. Três vezes por semana, batia à porta dos devedores. “Eu era o cobrador. Me achavam muito bom”, orgulhava-se. Arranjou emprego como escriturário em um banco. Com o dinheiro que juntou, começou a vender joia. Oferecia nas empresas do Centro, de manhã, antes de ir para o banco, na esquina da Avenida Rio Branco com Avenida Central. “Eu criei uma espécie de núcleo, com um chefezinho, eu dizia ‘tu vende a joia pra mim e te dou 10%'”.
Largou o banco e, com o dinheiro das joias e a economia do salário, entrou para o negócio que lhe deu, mais do que cifras milionárias, poder. “Todo mundo que me encontrava dirigindo o lotaçãozinha (eu fazia Madureira-Irajá), dizia: ‘Jacob, você deixou de ser bancário para dirigir essa lotação’. Eu dizia: ‘Vocês estão confundindo: bancário é uma coisa, banqueiro é outra'”. Lembra da ajuda essencial para enfrentar uma espécie de bullying que sofria por causa do deplorável estado de seus pneus. “Um camarada, o Bóris, da Benfica Pneus, me disse: ‘Ô judeuzinho, por que o pessoal faz hora com você?’ Expliquei que não tinha dinheiro para trocar os pneus. Aí ele me ofereceu a chance de comprar quatro e pagar um por mês. Foi um dia feliz na minha vida. É o que digo: felicidade completa na vida ninguém tem. Todos nós na vida temos momentos felizes. No dia seguinte, todo mundo passava e eu fazia: ó pra vocês (sinal com o dedo). Aí não enguicei mais. Fui tocando e estou aqui”, contou o empresário, que em 2008, declarou ter 96 sócios. A entrevista, concedida no prédio da Fetranspor (mesmo endereço onde Jacob Barata Filho deu a entrevista ao “Globo a Mais”, há duas semanas), levou o empresário a um desabafo: “Eu vim muitas vezes aqui com Seu Waldemar (o antigo dono do prédio). Ele dizia para mim, no quinto anadar: ‘Rapaz, você já está devendo muito’. E eu dizia: ‘Eu pago o senhor direitinho’. Deus é muito bom, Quando que na vida eu pensei que ia ser dono dessa p.?”
O homem mais poderoso do transporte no Rio se define como “apolítico”, mas declara sua simpatia pelo ex-presidente Lula. “Eu nunca fui Lula, mas hoje sou Lula. Porque acho que o povo passa “menas’ fome. Hoje ganho muito menos do que ganhava, mas estou satisfeito, porque acho que equilibrou muito. Mas tenho muitos parentes que discordam disso”, diz ele.
O empresário, que chega a comparar as Vans (cuja desregulamentação atingia o auge no começo da década passada) com o lotação, critica políticos e diz que, quando começou, “havia um certo limite, um critério”. “Em certos lugares, há necessidade da van, mas um certo número. Não a baderna que foi feita, Não vou dizer o nome da autoridade. O camarada pega um carro qualquer, sem documentação e bota para rodar”.
Ao falar sobre gestão pública, o empresário usa uma leve ironia, e cita “um amigo senador”. “Os próprios ônibus dos governos são administrados por outras pessoas. É o tal negócio, nego velho. No governo tem gente muito capaz, essa é a realidade. Tão capazes quanto os particulares. Agora, começam os afilhados. Tem um amigo meu foi senador aí. No gabinete dele, cinquenta e poucas pessoas. Eu disse: “Rapá (sic), se entrarem todos, não dá na sala”. Em pé não dá aqui dentro (da sala). Não há condição, né?”
Adepto do baralho – jogava truco, buraco e sueca com amigos e sócios -, Jacob diz que perdeu o hábito do carteado com a morte de um de seus melhores amigos, dono da viação Nossa Senhora de Lourdes (de quem era sócio também em uma empresa em Portugal).
O que era administrar para a primeira geração do transporte no Rio? “É delegar poderes e cobrar. Não é fazer, não. Eu só dirigi um ano. Depois coloquei motorista”, conta Jacob. Com jeito um tanto rústico de expressar sua filosofia de trabalho, ele resume assim os tipos profissionais que o cercavam: “Existem três tipos de gente: aquele que pode querer fazer, mas é sempre aquele pau mandado. Existe a pessoa que nasceu para dirigir, mas dando uma diretriz a ela. É bom para dirigir, mas sempre com uma diretriz. Não larga senão, desembesta. É seu diretor, mas sempre você orientando ele. E aquele que é nato. Pode deixar que é dele. Ele nasceu para dirigir”. Hoje, Jacob Barata ainda tem o cargo de diretor do grupo, mas vem saindo aos poucos do comando das empresas.
A segunda geração da família, para o empresário, “melhorou muito, veio com outra mentalidade, melhoraram as carrocerias e as indústrias”. A escolha por uma estratégia de investimentos pulverizados talvez tenha raíz na máxima declarada por Jacob Barata na entrevista, feita há cinco anos: “Sempre tive ônibus, revendedora de carros, nunca gostei de ter os ovos na mesma cesta. Senão quando cai, quebra tudo de uma vez só”.
Como controlar um negócio tão fragmentado? “O controle que eu tenho é: todos os meus sócios que dirigem as empresas. Não sou caixa nem tesoureiro de nenhuma delas. A única coisa que quero é todo dia o caixa na minha mesa. Saber o tostão que entra e o tostão que paga. Não admito fazer um tostão de vale na empresa. Admito qualquer erro, menos financeiro. Se precisar, é só me pedir. Quem erra por R$ 1 erra por um milhão”.
Fonte e foto: Jornal O Globo (RJ)