Com a adoção da tecnologia, a emissão de poluentes no ar pode reduzir em até 90%, mas a crise no setor de transporte público e a falta de incentivo por parte do governo afeta os investimentos na modernização dos veículos
De acordo com o relatório de “Qualidade do Ar no Estado de São Paulo Sob a Visão da Saúde” de 2015, elaborado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, estima-se que em 2015 a poluição do ar por material particulado tenha provocado 11.200 mortes precoces no Estado de São Paulo, que correspondem a 31 vidas perdidas ao dia. Isso significa quase uma vez e meia o número de pessoas que morrem por acidentes de trânsito (7.867), cerca de três vezes mais em relação ao câncer de mama (3.620) e quase quatro vezes mais que por AIDS (2.922) — um grave problema de saúde pública.
Ilustração/UNIBUS RN |
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, no mesmo período, cerca de 8 milhões de pessoas morreram no mundo devido à poluição do ar, tornando a principal causa de morte por complicações cardiorrespiratórias relacionadas ao meio ambiente. Diante das complicações que a poluição causa à saúde e à contribuição para a deterioração da qualidade ambiental, as taxas de redução e controle da contaminação atmosférica tornam-se necessárias em todo o mundo.
No Brasil, as normas são reguladas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) com o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que limita a emissão dos gases poluentes por automóveis, caminhões, ônibus e máquinas rodoviárias e agrícolas. Desde 2012, está vigente o padrão P7, correspondente à norma europeia Euro 5 para ônibus e caminhões no Brasil, que reduz 60% de óxido de nitrogênio e 80% das emissões de material particulado em relação ao Euro 3, ambos prejudiciais à saúde.
No final de novembro de 2018, o Conama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, aprovou a nova fase do Proconve, o P8 ou Euro 6, que estabelece novos limites máximos de emissão de gases para atender às necessidades de controle de poluição do ar, que pode ser reduzida em até 90%. As datas para adoção desta etapa começam em 2022 para novos modelos de ônibus e caminhões e em 2023 para os demais veículos.
Segundo a nova norma, o fabricante deverá comprovar o atendimento aos limites máximos de emissão de poluentes pelos intervalos de rodagem e de tempo estabelecidos na resolução. Foram definidos limites de emissão de ruído de passagem a serem atendidos pelos veículos pesados, que começam a vigorar por etapas definidas a partir do início da primeira etapa do Proconve 8.
As montadoras também terão que apresentar ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), um plano para a realização do Ciclo de Comprovação das Emissões Durante a Vida Útil do Veículo (In-Service Conformity – ISC) com a emissão de poluentes de pelo menos um modelo de ônibus urbano. Os fabricantes de veículos e motores deverão ainda fornecer a tabela de código de falhas do sistema OBD (On-board Diagnostics), que são dispositivos ou sistemas instalados a bordo para controle das principais funcionalidades dos veículos, relacionadas à emissão de poluentes.
Euro 5 X Euro 6 (Proconve 7 X Proconve 8)
A diferença entre as tecnologias Euro 5 e Euro 6 baseia-se na redução significativa das emissões de gases poluentes. O Óxido de Nitrogênio tem uma redução significativa de 80% em comparação ao Euro 5. Segundo o diretor técnico da NTU, André Dantas, no caso da emissão de Hidrocarbonetos, o sistema P8 estabelece um limite de 0,09 gramas para cada cavalo de potência do motor por hora de funcionamento. “Isso representa 26% do limite da norma anterior, que permite a liberação de até 0,34 gramas, além da redução significativa de Material Particulado”, explica.
A adoção do Proconve 7 exigiu inovação das fábricas, assim como o Proconve 8 exige adequação tecnológica de motores veiculares. Duas tecnologias empregadas ao Proconve 7 também serão utilizadas na nova fase. Trata-se da Redução Catalítica Seletiva (SCR) e da Recirculação de Gases de Exaustão (EGR).
A diferença é que a nova regulamentação exige o uso das duas tecnologias ao mesmo tempo: o sistema SCR converte os gases poluentes que sairiam pelo escapamento em nitrogênio e vapor de água, que são inofensivos ao meio ambiente. Para que isso ocorra, é necessário o uso do aditivo ARLA 32 — um reagente líquido, à base de ureia que é injetado no escapamento por um sistema de dosagem, necessário nos veículos com a tecnologia SCR.
Já o sistema EGR recircula os gases do escapamento para a admissão, resultando em uma menor temperatura interna do motor e diminuindo a formação de gases poluentes. Adicionalmente, é necessário um sistema de turboalimentação mais complexo e filtro de partículas no sistema de escape. Quanto ao material particulado, esse poluente é reduzido no próprio motor, durante a combustão.
O Euro 6 já é realidade nos grandes mercados automotivos, como Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão. A China pretende se adequar aos padrões em 2020, e algumas cidades da América Latina, incluindo Santiago e Bogotá, já se comprometeram com ônibus urbanos Euro 6. O sistema de transporte chileno também já está compondo a frota com os ônibus modernos. A inclusão do Euro 6 no Brasil ajudará a diminuir a diferença tecnológica em relação a esses países, criando novas oportunidades de exportação.
A Associação Paulista de Medicina (APM) lançou o Manifesto Público da classe médica do Estado de São Paulo “Um Minuto de Ar Limpo” defendendo a adoção de uma série de medidas para a melhoria da qualidade do ar nas cidades brasileiras e o aperfeiçoamento da legislação vigente, entre as medidas, a antecipação do Proconve 8 para 2020. O documento contempla estudos que mostram a morte de mais de 10 mil pessoas no país com a adoção do P8 para os demais veículos só a partir de 2023.
É indiscutível os inúmeros benefícios que o novo Proconve traz ao meio ambiente e à saúde da população; porém, a modernização dos veículos demanda mais que boa vontade do setor de transporte, sendo necessário diversas ações para a implantação do sistema.
Desafios para a adoção do Euro 6
A necessidade de investimentos tecnológicos para atender as exigências de controle da poluição exige mudanças estruturais e eleva os custos dos veículos de 10% a 15% para o setor, que enfrenta crise financeira e perda de passageiros. Segundo o relatório da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), a complexidade do programa exige tempo para desenvolvimento dos produtos e preparação da cadeia produtiva.
O uso do Euro 6 requer estudo detalhado para avaliar a viabilidade no Brasil. Entre os impactos no mercado, podemos citar: o aumento do valor dos veículos, a elevação do custo operacional total devido à sofisticação do sistema, e a necessidade de melhoria significativa da infraestrutura brasileira para garantir a disponibilidade em todos os postos que comercializam óleo diesel do tipo S10 e ARLA32, entre outros. A utilização do combustível adequado é fundamental para garantir o melhor desempenho do veículo, como destaca o diretor de Assuntos Institucionais do Grupo Volvo América Latina, Alexandre Parker. “A tecnologia para atendimento do P8 (equivalente à Euro 6) é bastante sensível à qualidade do diesel. Será ainda mais importante o correto abastecimento do veículo com o diesel adequado: S10 (máximo de 10ppm de Enxofre)”.
Há ainda a discussão se há possibilidade de os motores novos utilizarem o diesel comercial B10 ou com teores superiores a 10% de biodiesel, mistura que será obrigatória a partir de 2019 no país, segundo resolução do Ministério de Minas e Energia (MME). Estudos mostram que o Euro 6 não contempla a adição de biodiesel no diesel acima de 7% nos novos motores, o que pode dificultar a atuação das montadoras, como explica Parker. “Outro desafio é o percentual crescente de biodiesel no diesel brasileiro — hoje em 10% e com previsão legal de crescimento até 15% — único no mundo. Na Europa, os veículos Euro 6 utilizam diesel com apenas 7% de biodiesel”. Mesmo assim, ele garante o uso da tecnologia Euro 6 pela Volvo dentro do prazo estabelecido pelo Conama.
Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus), Dimas Barreira, o setor enfrenta a crise mais aguda e generalizada de sua história, o que tem comprometido significativamente a capacidade de investimento. “A cada nova versão do Proconve os veículos ficam mais caros, assim como o combustível que precisa atender especificações mais exigentes, e isso agrava o quadro”. Ainda segundo ele, o incentivo com políticas públicas se faz necessário para a modernização dos veículos. “Se para avançar mais for necessário encarecer o custo dos veículos, atrasando ainda mais a renovação de frota, o efeito pode ser contrário ao esperado. A primeira etapa deve ser a negociação tributária para anular esse impacto”.
Por meio de nota, o Conama reitera que o investimento deve partir dos fabricantes e importadores de veículos pesados novos para atender as novas normas, sem qualquer tipo de financiamento público. O Conselho ainda diz que “as atualizações do Proconve, em vigor há mais de 30 anos, são um instrumento importante do Programa Nacional de Qualidade do Ar, que é parte da Política Nacional de Meio Ambiente e que asseguram a redução de emissões de poluentes, contribuindo para a diminuição dos impactos negativos na qualidade do ar”.
Revista NTUrbano Ed. 36, NOV. DEZ./2018.