As ruas impuseram uma pauta a políticos de diferentes partidos. Eies serão capazes de dialogar?

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, filiado ao PSDB. abriu sua participação em um seminário sobre Mobilidade urbana com a citação de um adversário político: “O prefeito Fernando Haddad diz que na região administrativa da Se, no Centro da cidade, estão 17% dos empregos e apenas 3% dos moradores da capital. Ele tem razão”. No dia anterior. no mesmo evento, o prefeito petista dera início às a mabilidades: “Concordo com o governador quando diz que a solução dos problemas das regiões metropolitanas não pode partir de uma visão exclusivamente ‘transportcira'”.
Coincidem Alckmin e Haddad na tese de que a muito necessária melhora dos meios de transporte nas grandes capitais deve ser acompanhada de providências destinadas a levar os trabalhadores para mais perto de seu emprego, não apenas num ônibus ou metrô, mas, sim. de instalar a própria casa do trabalhador nas regiões em que os empregos estão. E concluem: é mais saudável, democrático e barato.
No mesmo seminário, urbanistas e arquitetos ofereceram sugestões de como fazer: propostas viáveis, a custo baixo, na direção do adensamento populacional dos bairros centrais, onde a infra-estrutura existe e de onde os pobres e a classe média foram expulsos em mais de meio século de crescimento desordenado. Um processo que culminou naquilo classificado por Haddad como “privatização do solo urbano”.
O interesse coletivo sucumbiu diante do transporte individual que congestionou as ruas e a especulação imobiliária criou condomínios fechados de onde só se sai de automóvel e o engarrafamento começa na garagem do prédio. De 2001 a 2012, o número de veículos no Brasil cresceu 104,6%, para 50.2 milhões de unidades, ritmo superior ao crescimento da população, de 5,7% na década. As 15 principais regiões metropolitanas receberam a média de 1 milhão de carros por a no. Técnicos de Alckmin e Haddad têm os mesmos diagnósticos e divergem pouco nas soluções. E também concordam: é preciso agir. E rápido.
Quando adversários políticos concordam, é bom sinal e pode-se até esperar que 2013 seja o a no da i n flexão, do começo da caminhada rumo a soluções, com passo certo. As manifestações de junho foram o alerta e, por extinto de preservação. os políticos são sensíveis a essas mensagens. Os protestos, é de se destacar, começaram pela ruidos a exigência de transporte público de melhor qualidade e menor Tarifa. Se a partir dai houve distorções que descambaram para a violência e a destruição, saliente-se igualmente que só o Movimento Passe Livre, organizador da primeira passeata, sabia exata mente o que queria. Os demais grupos eram rebeldes sem causa explicita e objetivos até conflitantes; unifica-os hoje a indigência dos gritos de guerra “Fora Cabral!”, “Fora Alckmin!”, “Pau na policia!”, ou “Marreta nos caixas automáticos!” Foram vistos, em junho, os que pediam a volta da dita dura. mas recolheram seus poucos cartazes e parece que delegaram a descabelada intenção a “autonomistas” e black blockes.
Continua, porém, a pressão por transporte público mais amigável, e o Passe Livre espraia-se pelas periferias.
Com o slogan “Por uma vida sem catracas”, uma carta de princípios que entende o transporte público como direito universal, “de verdade acessível a todas e a todos”, e a reivindicação da Tarifa zero. o Movimento Passe Livre não é novo.
Sem presidente, secretário-geral ou porta-voz oficial, o movimento adotou o nome em Porto Alegre, durante o V Fórum Social Mundial de 2005. e suas primeiras manifestações foram em Florianópolis, seis anos antes, quando estudantes pararam acidade para exigir transporte na ida e na volta da escola. Agora, as moças e rapazes querem a Gratuidade para todos.
Também não são novas as soluções para o problema da Mobilidade urbana. Elas existem há tanto tempo e cm tal número que algumas redigidas em máquina de escrever e cópias em carbono empoeiram e abarrotam os arquivos de ministérios a câmaras de vereadores. Quando uma dessas soluções emergia do papel para as avenidas, caso de Curitiba em 1974, por meio da ousadia de criar o primeiro BRT do mundo, não era replicada em outras cidades. Faltava dinheiro, “tínhamos de pedir autorização ao FMI”, segundo Dilma Kousseff, e as prioridades sempre eram outras. Assim, o metrô, a melhor de todas as soluções, avançava na mesma velocidade do trânsito nas ruas e parecia obedecer ao calendário político, inaugurava-se uma estação a cada eleição.
Depois de 17 anos nas catacumbas do Congresso, a Política Nacional de Mobilidade urbana foi finalmente aprovada e sancionada pela presidenta em janeiro de 2012, com diretrizes para a implantação de meios de transporte que melhorem a convivência dos cidadãos com suas cidades. Recursos federais do PAC. do BNDES c da Caixa foram destinados às prefeituras e estados com projetos para imediata execução. Mas só em 2013, véspera da Copa do Mundo e a três anos dos Jogos Olímpicos, com o impulso adicional do grito das multidões, o País e os políticos passaram a admitir como prioridade a questão do transporte e seus correlatos. Depois de facilitar o acesso da população pobre ao ensino superior, Dilma Rousseff percebeu que nas universidades se reclamam mais trens e ônibus do que vagas no estacionamento dos campi. Por isso. a máquina federal está empenhada em apressar as soluções e a esse esforço se somam os políticos a executá-las nos estados e nas grandes cidades, pois o colapso das vias públicas fere a imagem de todos.
Por obra e graça, talvez, de energias negativas finalmente afastadas em cerimônias de candomblé, até o metrô de Salvador. quase pronto, mas paralisado há 13 anos, poderá ser inaugurado em 2014.0 governo federal desembolsou 1,3 bilhão de reais para participar de uma Parceria público-Privada (PPP), a responsabilidade de tocar as obras passou da prefeitura para o estado e o mais irrequieto parlamentar de oposição, hoje prefeito. António Carlos Magalhães Neto, do DEM, afirmou, solene, que com esse apoio Dilma “faz história, é uma pessoa de palavra”. A presidenta anunciou ainda mais dinheiro federal para financiar totalmente um sistema de veículos leves sobre trilhos e parece ter conquistado cm ACM Neto mais um devoto.
Beneficiado com apoio federal e estadual ao metrô de Porto Alegre (4,3 bilhões de reais), o prefeito José Fortunati, do PDT. que derrotou o candidato do PT na última eleição, afirmou: “Nunca os prefeitos de todos os partidos tiveram trata mento tão igualitário quanto agora”.
Dias depois, Dilma Rousseff anunciou 5,4 bilhões de reais para o governador Alckmin expandiras linhas de metrô e trens em São Paulo, inclusive a ligação por trilhos até o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. A cerimônia no Palácio dos Bandeirantes tornou-se uma reunião ecumênica de prefeitos da região metropolitana, vereadores, deputados estaduais e federais, entre eles Paulo Maluf, do PP Nos últimos cinco a nos. o metrô paulistano, administrado pelos tucanos, levantou empréstimos de 6,272 bilhões de reais do BNDES petista. Ao receber aval. recursos a fundo perdido e financiamento a juros subsidiados para o metrô de Curitiba (investimento de 4,6 bilhões), o governador tucano Beto Richa não trocou palavras com sua concorrente na próxima eleição, a ministra da Casa Civil. Gleise Hoffmann, senta da a seu lado. mas voltou-se para Dilma: “Momento de confronto é no período eleitoral. O momento hoje é de trabalhar para honrar a confiança de todos”.
O governador do Paraná está certo. O momento é de aproximação dos contrários, antes que a corrida eleitoral se radicalize ainda mais e as soluções voltem à poeira dos arquivos. Há dinheiro federal. E otimismo. Na cidade onde o caos urbano é o mais agudo e 7.4 milhões de carros tentam movimentar-se em suas 17 mil maltratadas ruas. o prefeito Haddad ampliou.como medida emergencial, de 122 para 346 quilômetros as faixas e corredores exclusivos para ônibus. elevou a velocidade média dos veículos de 12 para 25 quilômetros por hora, abreviou o tempo de duração das viagens e recebeu surpreendente aprovação da maioria dos paulistanos motorizados, segundo o Datafolha.
E se espera para breve o plano para criar moradias mais perto dos empregos, ou para levar, via incentivos, as fábricas aos bairros proletários. As condições para investir, da prefeitura de São Paulo e de todas as outras, foram efetivamente facilitadas depois de o Congresso aprovar juros mais baixos para o pagamento das dívidas municipais com a União.

Alckmin, o governador do estado com mais recursos próprios e ainda necessitando de socorro da União, passou a pedir pressa às quatro novas linhas de metrô em construção, o que dotará São Paulo de 200 quilômetros nesse modal, além da modernização da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, com 256 quilômetros para atender quase toda a região metropolitana. Metrô e CPTM transportam, hoje, 7,3 milhões de passageiros. Com apoio federal, está nos planos a conclusão do Rodoanel Mário Covas, que circunda a capital e tirará do Centro da cidade os caminhões com outros destinos. No embalo, ainda nesta década pode sair do papel o Ferroanel, megainvestimento que permitirá aos trens de carga para o Porto de Santos não usarem a mesma via permanente que serve com precariedade aos passageiros da CPTM.

Metrô tem custo alto e causa transtornos à população durante as obras. Seus resultados, porém, são mais eficazes do que os de outras opções: com velocidade maior e baixa emissão de poluentes, transporta até 80 mil passageiros por hora, mas, se for totalmente subterrâneo, o investimento para a construção pode chegar a 700 milhões de reais por quilômetro. O monotrilho. silencioso e não poluente, transporta de 10 mil a 30 mil passageiros por hora. mas sua construção a 10 metros do solo pode custar 300 milhões. O VLT atende de 5 mil a 12 mil passageiros por hora. mas sua implantação chega a 350 milhões, e ainda é alto o custo de operação. O sistema de ônibus rápido, o BRT, tem capacidade para até 45 mil passageiros por hora. investimento inferior a 30 milhões, com barulho e Poluição superiores aos dos demais, mas que podem ser amenizados se a fonte de energia for a eletricidade.
Implantado em Curitiba e conhecido simplesmente como “os ônibus do Jaime Lerner”. o sistema adquiriu o nome de Bus Rapid transit depois de ser copiado em diversas capitais do mundo e ficar famoso em Bogotá. Agora dá si nais de esgotamento e é por isso que o governador Richa e o prefeito Gustavo Fruet, do PDT, saudaram a próxima chegada do metrô. Esses são os modais realmente estruturantes. Sem eles serão bem-intencionadas, porém cosméticas e até elitistas, as iniciativas de simplesmente pintar no asfalto as faixas exclusivas para ciclistas.
Com trens, metrôs e ônibus à saciedade, autoridades do trânsito poderão voltar-se a outra prioridade: as motos, u ma “calamidade pública” segundo o secretário estadual de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Jurandir Fernandes. A frota de motos na Grande São Paulo era de 2,5 milhões há dez anos, hoje é de 12,4 milhões, crescimento médio de 13% ao ano. Fernandes destaca o que já se sabe: “Cada dia morrem duas pessoas na capital, no asfalto ou no hospital”. E dados nacionais indicam mais de 12 mil motociclistas mortos por ano.
Pressionado pelos Jogos Olímpicos e espicaçado pela pressa exigida nas ruas, o Rio de Janeiro preferiu o BRT e o VLT. Num total de 252 quilômetros de malha segregada, está cm operação o BRT TransOeste, da Barra da Tijuca, zona sul. aos distantes bairros de Santa Cruz e Campo Grande, no extremo oeste, e para 2014 está prevista a entrega do Transcarioca, que cor ta a cidade de ponta a ponta, da Barra, sede do Parque Olímpico, ao aeroporto Tom Jobim, na Ilha do Governador.
O VLT, tocado pela Odebrecht TransPort, com 28 quilômetros em construção, ligará o Centro da cidade aos trens da antiga Central do Brasil, ao metrô, às barcas para Niterói e ao “Porto Maravilha”, revitalização da deteriorada área portuária, berço do Rio e do samba. Com 649 mil passageiros por dia e 44 quilômetros em apenas duas linhas, o metrô do Rio. operado pela Invepar, avança agora de Ipanema para a Barra da Tijuca. onde pretende chegar antes da abertura da Copa. E a concessionária tem planos de instalar seu primeiro monotrilho em território fluminense, entre São Gonçalo, na Baixada Fluminense, e Niterói.
Para financiar nos próximos quatro anos a revolução urbana nas grandes e médias cidades, o governo federal anunciou 50 bilhões de reais adiciona is à ajuda que já tem prestado. Governadores e prefeitos acorreram de imediato a Brasília com uma lista de pedidos que atingiu mais de 80 bilhões. Na pressa, muitos não colocaram na bagagem os exigidos projetos de engenharia e estudos de viabilidade. Algumas das prefeituras nem teriam condições de realizar simultaneamente todas as obras pleiteadas. Mas o dinheiro existe, disse a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que, da lista. selecionou inicialmente 23 empreendimentos num total de 13,4 bilhões.
Essa quantia basta? Para resolver os atuais e os futuros problemas talvez 50 bilhões de reais não cheguem, “e nem 500 bilhões”. Essa é a opinião do arquiteto Jaime Lerner. Segundo o ex-prefeito de Curitiba, hoje consultor de urbanismo aos 76 anos, tudo depende do modal escolhido e da seriedade com que o dinheiro for empregado.
Lerner, é claro, prefere o BRT. Selecionou 70 cidades entre 200 mil e 500 mil habitantes, outras 17 entre 500 mil e 1 milhão, 11 entrei milhão e 5 milhões, e duas de mais de 5 milhões. Nas 70 primeiras seriam necessários 21,5 bilhões para construir 50 quilômetros em cada uma. com o custo médio individual de 6 milhões por quilômetros. Os 1,7 mil quilômetros 000 em cada) das 17 cidades entre 500 mil e 1 milhão de habitantes custariam 10,2 bilhões.
No grupo seguinte. 11 cidades de 1 milhão a 5 milhões de habitantes, com total de 2,2 mil quilômetros (200 em cada uma), o custo seria de 13,3 bilhões. Rio e São Paulo precisariam de 400 quilômetros cada uma, com valor mais alto por quilômetro (10 milhões), e investimento de 8 bilhões. Total geral de dispêndio para a solução final dos problemas de mobilidade nas cem maiores cidades brasileiras, segundo Lemen 52,9 bilhões de reais. São estimativas, necessitadas de revisão caso a caso. mas muito próximas das anunciadas por Brasília, também carentes de precisão.
Fonte: Carta Capital

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