Uma neblina tóxica cobre Nova Déli, na Índia. Crianças caminham para a escola com máscaras de plástico em seus rostos. Eventos esportivos são cancelados. Os olhos ardem. As gargantas coçam. Os peitos arfam.
Rebecca Conway/The New York Times |
É a temida estação da poluição na Índia, quando a quantidade de emissão dos veículos, poeira e fumaça das queimadas agrícolas cresce a níveis tão elevados que os especialistas dizem que as crianças que respiram esse ar podem sofrer danos cerebrais permanentes.
Agra. Lucknow. Varanasi. Nova Déli. As cidades mais famosas da Índia agora estão entre as mais poluídas do mundo. Segundo alguns rankings recentes, a Índia ocupa nove das 10 primeiras posições. Em um sinal do quanto muitas pessoas (especialmente a elite) estão perturbadas com isso, as lojas em Déli agora vendem protetores solares e xampus para proteção contra poluição.
O ar tóxico se transformou em uma ameaça global que mata 7 milhões de pessoas por ano, como disse o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em um relatório sombrio divulgado na semana passada. Grande parte dessas mortes ocorre na região Ásia-Pacífico, ele disse.
Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde realizou o que chamou de primeira conferência global sobre poluição do ar e saúde em sua sede em Genebra.
A poluição do ar se transformou no “novo tabaco”, escreveu seu diretor-geral, o médico Tedros Adhanom Ghebreyesus, em um artigo de opinião na semana passada. “O mundo conseguiu melhorar na questão do tabaco”, ele disse. “Agora ele precisa fazer o mesmo em relação ao ‘novo tabaco’: o ar tóxico que bilhões respiram.”
Em seu novo relatório, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente oferece 25 medidas que poderiam facilmente reduzir a poluição do ar (que também contribui para a mudança climática). Uma tática: parar de queimar resíduos agrícolas, como está ocorrendo por todo o norte da Índia no momento.
Apesar de dados por toda a Índia mostrarem que a poluição perigosa do ar continua aumentando, progressos estão ocorrendo. Pela primeira vez, o governo central está gastando mais de US$ 150 milhões para dissuadir os produtores rurais de realizarem queimadas em seus campos.
Veja o vilarejo de Bishanpur Channa, no Estado do Punjab, no norte da Índia. Em todo mês de novembro, desde que qualquer um consiga se lembrar, os produtores rurais de Bishanpur Channa queimam talos de arroz para limpar a terra para o cultivo de trigo da estação seguinte.
O céu fica tão cheio de fumaça que as tardes parecem noites. A fumaça percorre quase 320 km na direção sudeste, cobrindo Nova Déli. Dalbir Singh Kaleka, um produtor rural com barba branca, disse que ele e seus vizinhos suportam o desconforto porque a queimada é barata e fácil.
“Todos fazíamos isso”, ele disse.
Mas neste mês de novembro pode ser diferente. Kaleka e os outros produtores rurais foram cobertos de mensagens de serviço público, incluindo uma nova canção de sucesso, “Não Faça Queimada, Irmão, Não Faça”.
Porém mais persuasivos são os US$ 156 milhões que o governo indiano destinou para subsidiar alternativas às queimadas, como o aluguel de maquinário agrícola que limpa o solo e transforma os talos de arroz em fertilizante natural.
Neste ano, Singh disse que ele e muitos de seus vizinhos estão tentando queimar o mínimo possível. “Veja, não quero poluir”, ele disse. “Meu filho me diz: ‘Mesmo se você perder dinheiro, devemos salvar a imagem da Índia’.”
Claramente, as agências do governo indiano são capazes de adotar medidas ousadas. Além dos subsídios no Punjab, neste mês as autoridades fecharam a última usina a carvão próxima de Nova Déli, assim como desviaram o tráfego e proibiram algumas fontes de combustível mais sujas.
Mas os ambientalistas indianos dizem que o governo está perdido. Ao mesmo tempo que aprova algumas medidas para redução da poluição, ele aprova outras que escancaram as portas para o ar sujo.
Neste ano, o governo central propôs a remoção das licenças ambientais para construção de projetos de até 50 mil metros quadrados, mais que o dobro do limite anterior. A poeira desses projetos é uma grande poluidora. As novas políticas certamente produzirão mais.
Assim como muitos países em desenvolvimento, a Índia está caminhando por uma linha precária, tentando aumentar a infraestrutura, indústria e crescimento econômico, coisas que têm um custo para o meio ambiente. Diferentemente da China, onde o governo comunista respondeu ao seu próprio ar tóxico impondo processos criminais aos poluidores, o sistema político da Índia é muito mais livre e complicado, uma vasta democracia que frequentemente não gosta de usar o porrete.
Na semana retrasada, quando um grupo de servidores públicos e ambientalistas visitou o oeste de Déli, eles encontraram canteiros de obras administrados por agências do governo entre os poluidores mais flagrantes. Em uma nova estação do metrô, os supervisores nem mesmo montaram as barreiras apropriadas ou borrifaram água para conter a poeira.
“Eles estão tirando proveito indevido de serem organizações do governo”, disse V. Selvarajan, secretário do Green Circle, um grupo que trabalha em questões ambientais.
O metrô foi multado em 500 mil rupias, ou cerca de R$ 25 mil.
Nas próximas semanas, a poluição do ar aqui deverá atingir um pico sufocante. O inverno reduzirá os ventos, o que significa que o ar parado e as temperaturas mais frias prenderão a fuligem e fumaça emitidas pelas cidades incrivelmente lotadas e em crescimento da Índia.
O ar em Mumbai, a capital comercial à beira-mar da Índia, com cerca de 20 milhões de habitantes, também está piorando. Com dois meses de neblina de poluição pela frente, as concentrações médias anuais de PM 2,5 (sigla em inglês para material particulado de 2,5 micrometros) subiram quase 50% nos últimos três anos.
Os especialistas culpam uma série de fatores, incluindo o trânsito sobrecarregado de Mumbai, os gases nocivos das queimadas em aterros sanitários, poeira de construção e emissões das usinas a carvão nos subúrbios. Alguns poucos grupos locais estão tentando pressionar o governo a agir de modo sério, mas dizem que as autoridades não têm nenhuma noção.
“Elas constroem mais estradas, aumentam o trânsito de carros e dão menos ênfase ao transporte público”, disse Ashok Datar, presidente da Rede Social Ambiental de Mumbai. “É como se estivessem investindo em emissão.”
A Suprema Corte da Índia rotineiramente intervém, como a ordem recente restringindo a queima de fogos de artifício durante o feriado de Diwali. Suas ordens não são ignoradas, mas também não costumam ser rigidamente fiscalizadas.
No Punjab, lar de vários milhões de produtores rurais, milhares de quilos de dióxido de carbono costumam ser liberados no ar em toda estação de queimadas.
Mas neste ano, há motivo para esperança, disse S.S. Matharu, o engenheiro do governo que está trabalhando para o Conselho de Controle da Poluição do Punjab. Em apenas dois anos, disse Matharu, o número de focos de fogo caiu quase 70% após multas pesadas, avanços da tecnologia agrícola e esforço de contato com os vilarejos por meio das redes sociais, incluindo a nova canção de sucesso.
“A terra tem os pássaros e outras criaturas vivas para alimentar”, diz a canção, “então não queime os talos de arroz para sufocá-los até a morte”.
Rebecca Conway/The New York Times
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