O surgimento de aplicativos de mobilidade urbana provocou uma mudança na atividade antes feita somente por taxistas. O Uber é a empresa mais conhecida da área e está na Grande Natal há dois anos e meio. O número estimado de motoristas cadastrados é de 11 mil. Nesse período, o serviço de taxi foi afetado, perdeu 60% da demanda e atualmente tem um número 10 vezes menor de taxistas nas ruas (3 mil). As informações são das respectivas cooperativas dos profissionais, a Cooperativa de Motoristas de Aplicativo de Mobilidade Urbana (Compar/RN) e a Cooperativa dos Proprietários de Táxis de Natal (Cooptax).
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Foto: Adriano Abreu/Tribuna do Norte |
Dos 11 mil motoristas de Uber, 6 mil trabalham diariamente no aplicativo. Cada um faz de 10 a 20 viagens por dia, dando uma média de 80 mil viagens diárias. A quantidade mostra a dimensão da popularização do serviço de transporte particular na cidade: no “auge” dos taxis, antes dos aplicativos, os motoristas faziam cerca de 10 mil viagens por dia (10 por motorista, em média). Hoje, fazem de 3 a 4. “Se tornou mais barato e mais fácil, isso aumenta o número de clientes”, afirma Wendell Xavier, motorista de Uber e presidente da Compar.
O estudante Júlio Cassol, 20 anos, costuma utilizar o serviço dos aplicativos todos os dias para ir à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde trabalha e estuda. Ele diz que usa o serviço pela comodidade, já que não tem carro. “Entre o ônibus e pagar um serviço desses, eu prefiro pagar porque é mais comodo, não demora, tem mais conforto, me pega em casa”, disse.
Morador do bairro do Tirol, paga um preço médio de R$ 11 a cada viagem. Já está acostumado com a despesa, o que acaba não afetando tanto o dia a dia. “Todo mês eu sei quanto eu tenho que reservar para o Uber, então não sou afetado tanto assim”, relata. Antes da chegada dos aplicativos, geralmente ele pegava carona com os pais, que acabavam tendo uma despesa com gasolina a mais. “Ficou mais cômodo para os meus pais e acaba não afetando muitos gastos porque antes eles gastavam com gasolina”.
Segundo conta, Júlio utilizou ônibus durante a adolescência, mas abandonou assim que surgiram os aplicativos. Desde então, viu uma mudança no atendimento dos motoristas aos clientes (“antes tentavam fazer um atendimento melhor ao cliente”), mas nada que tenha afetado o serviço ou feito pensar em mudar de rotina.
Do lado dos motoristas, existe o medo dos assaltos, praticamente diários hoje em dia, segundo Wendell. Alguns casos chegam a resultar em assassinato. Em um ano, Wendell contabilizou 19 casos de motoristas mortos em decorrência de assaltos. “Nós saímos de casa com esse sentimento de medo, com a esperança de que não seja o nosso dia de ser assaltado”, conta. Para tentar diminuir esse problema, a Compar buscou se reunir com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesed). “Nos reunimos para buscar uma parceria, desenvolvendo um botão do pânico ou algum tipo de monitoramento, mas ainda está na fase da conversa”.
Alguns clientes, especialmente as mulheres, têm receio de utilizar a plataforma principalmente pelos assédios. Desde o ano passado que são desenvolvidos aplicativos voltados para o gênero para tentar diminuir os casos e gerar mais segurança, mas nenhum chegou a Natal ainda. Um exemplo é o Woman’s Driver, desenvolvido em Joinville (SC). A desenvolvedora do aplicativo, Rose Cuareli, declarou em entrevista ao portal Terra que a criação se deu quando ela percebeu que “muitas colegas que hoje rodam no nosso aplicativo, quando viam que era um passageiro homem, cancelavam a corrida e o que queríamos era gerar segurança para nós motoristas e para elas como clientes”.
É justamente nesse ponto que Genário Torres, presidente da Cooptax há mais de 20 anos, considera que os táxis ainda possuem mais vantagens. Ele conta que atualmente os taxis são utilizados por pessoas mais “conservadoras”, que têm um motorista de confiança. “Tem clientes que têm confiança para colocar uma filha menor para ir para a escola, acha mais seguro porque o táxi é totalmente identificado, tem um motorista de confiança que já faz viagens há muito tempo”, relata. “Hoje a maioria das viagens que nós pegamos são para esses casos”.
Números
UBER
11 mil pessoas é a quantidade estimada de motoristas de Uber na Grande Natal
6 mil costumam fazer Uber diariamente
10 a 20 viagens é a média diária feita por cada motorista
80 mil viagens é a média diária total
Fonte: Compor/RN
Táxi
3 mil motoristas é a quantidade estimada de táxis na Grande Natal
4 viagens é a média diária feita por cada motorista hoje
4 mil viagens é a quantidade diária total
Fonte: Cooptax
Plataformas funcionam como rede de caronas
O surgimento de aplicativos também alterou a forma como as caronas são organizadas. Existem plataformas hoje para funcionar como uma rede de caronas que facilita principalmente as viagens para outras cidades e estados. No caso da Europa, viagens até para outros países. O preço é negociável, quase sempre mais barato que os ônibus convencionais, alternativos e mais cômodos que os ‘loteiros’, funcionando semelhante à Uber ou 99pop. Em contrapartida, também tem seus problemas.
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Foto: Adriano Abreu/Tribuna do Norte |
A estudante de design Beatriz Freire, 20 anos, começou a utilizar caronas para viajar para outros estados a partir da chegada do “BlaBlaCar”, uma plataforma de carona criada em 2006 na França e em funcionamento no Brasildesde 2015. Ela opta pelo serviço por considerar mais rápido, barato e confortável do que os ônibus. “Não sei quantas viagens eu já fiz, mas perto de 20”, conta. “Sai bem mais em conta do que ônibus”.
Antes de utilizar a plataforma para encontrar caronas, Beatriz participava de um grupo no Facebook com o mesmo objetivo. A plataforma facilitou as viagens, mas tem problemas semelhantes ao que ela encontrava no grupo: os “intermediários”, pessoas que se cadastram e anunciam a carona, mas não são os verdadeiros motoristas. “Tem gente oferecendo carona, mas na hora é um ‘amigo’ ou um ‘familiar’. Isso é ruim porque eu posso confiar em quem eu combino e converso, mas com um intermediário não”, relata.
Algumas dicas para evitar essa situação são os números de viagens feitas pelos motoristas, que consta no aplicativo, e a avaliação feita por quem viajou anteriormente. O aplicativo exige o registro da carteira de motorista e faz um perfil de quem deseja se cadastrar, semelhante aos outros de abrangência metropolitana, com o número de contato.
Ainda não tão conhecida no Brasil e mais utilizada por jovens, o Blablacar é comum em países europeus. A estudante de engenharia florestal Carolina Rovira, 22 anos, conta que utilizou o aplicativo pela primeira vez na França em 2016. “Me recomendaram por ser uma forma de se locomover entre cidades que existem poucas alternativas de ônibus, além de ser uma forma mais rápida e um tipo de carona confiável”, relata.
Uma vantagem proporcionada é a possibilidade de conhecer novas pessoas. “Eu amei o serviço, conheci nativos e fui de forma muito prática para lugares poucos habitados. Eu devo ter feito umas cinco viagens por lá dessa forma”, continua Carolina.
Moradora de Recife (Pernambuco), Carolina viaja frequentemente para Natal, onde cresceu e tem familiares. Já fez de 20 a 25 viagens no aplicativo. Assim como Beatriz, considera mais barato e com maior flexibilidade nas paradas de saída e chegada, mas teve mais problemas. “Já houve cancelamento de última hora e quase acidente na estrada”.
Quando estava indo a Natal, o motorista saiu da pista e quase colidiu com um caminhão. Carolina estava no banco de trás do carro e não sabe dizer o que aconteceu, mas outra passageira, que estava no banco da frente, contou para ela que ele cochilou. Até hoje, ela não sabe dizer se foi um cochilo ou distração.
Ela soube que o serviço havia chegado no nordeste depois da experiência que teve na Europa, e logo começou a utilizar. Em dois anos, ela vê mudança no perfil dos motoristas. “No começo ainda tinham muitas pessoas realmente indo para o lugar e oferecendo um lugar no carro, era mais agradável, o carro nem sempre ia cheio. E o preço variava bastante também, ia de 35 a 50 reais”, diz. Mais recentemente, ela percebe que os motoristas começaram a utilizar as caronas cada vez mais como profissão, saindo com os carros sempre cheios, viagens mais caras e mais paradas no caminho, por optarem pelo gás como combustível.
“Eu tenho usado cada vez menos por conta dessas coisas”, ela conta, considerando o aumento dos preços e os riscos de acidente. Segundo vê, essas novas características das caronas brasileiras são as principais diferenças com a realidade europeia. “[Na Europa] as pessoas estão realmente oferecendo caronas, não é uma forma de trabalho”. “Lá muitas viagens são feitas para cidades pequenas, aqui acontece mais entre as capitais”.
Tribuna do Norte