Simulações para operação urbana com o gás natural

Da Revista AutoBus
Fotos: Scania e COMPAGAS

Apesar de novidade no Brasil, é uma aplicação bastante difundida em outros países como Espanha, Suécia, amplamente utilizada nos EUA e, recentemente, adotada pela na Colômbia em importantes sistemas de transporte

Objetivando conhecer alguns aspectos relacionados ao uso do gás natural em frotas de ônibus urbanos, a COMPAGAS (Companhia Paranaense de Gás) realizou recentemente algumas simulações para que esse combustível possa estar na frota curitibana.

Segundo informações, os vários testes realizados pela Scania com o seu modelo de ônibus equipado com motorização a gás natural foram referência para se alcançar dados nessa simulação feita pela companhia. A revista AutoBus conversou com Rafael Lamastra Jr., diretor-presidente da COMPAGAS e presidente do Conselho de Administração da Abegás, a respeito da ação que visa fomentar o maior uso do gás natural na mobilidade urbana brasileira. Acompanhe a seguir a entrevista.

Revista AutoBus – Qual foi o objetivo dessa avaliação do ônibus a gás natural em Curitiba?

Rafael Lamastra – O mercado de combustíveis passa por uma transição e há uma necessidade de diversificação da matriz energética no setor de transportes. Neste contexto, o gás natural entra como o protagonista da mudança, responsável pelo abastecimento de veículos pesados, como caminhões e frotas de transporte coletivo. Esse caminho traria ganhos ambientais, visto que o energético é uma alternativa de baixíssimo impacto ambiental – mesmo sendo de origem fóssil, suas emissões são extremamente baixas o que favorece também as políticas de mudanças climáticas.

Na COMPAGAS, acompanhamos as tendências tecnológicas e as novas aplicações do gás natural, inclusive no transporte público e de cargas. Apesar de novidade no Brasil, é uma aplicação bastante difundida em outros países como Espanha, Suécia, amplamente utilizada nos EUA e, recentemente, adotada pela nossa vizinha Colômbia.

Um estudo do Departamento de Energia Americano publicou que o setor de transporte é responsável por quase 60% do consumo total de combustíveis líquidos e a tendência é que aumente o uso de combustíveis alternativos. Neste cenário, o gás natural e a energia elétrica são as formas que mais devem crescer – podendo quadruplicar o consumo até 2050.

Neste contexto, passamos a pesquisar como o gás natural poderia contribuir para o segmento de transporte público, considerando principalmente o impacto sobre a ótica do gestor público. Sabemos que este segmento passa por grandes desafios relacionados a atratividade de novos passageiros pagantes e sofre pressões para reduzir as emissões do seu sistema. Ofertar uma tecnologia de menor emissão com custo operacional competitivo é essencial para a mobilidade das nossas cidades e acreditamos que o gás natural pode contribuir e ser um energético de transição para as energias do futuro.

AutoBus – Quais os resultados quanto a consumo, custo operacional e valor do combustível alcançados pela simulação?

Lamastra – O grande desafio do projeto de transporte público com gás natural é ficar próximo ao custo total do diesel e ainda reforçar a vocação deste energético de baixas emissões e com o menor custo entre os combustíveis alternativos. E os resultados superaram nossas expectativas.

No caso do veículo Padron, o custo do Gás Natural é 6,42% acima do Diesel (de R$ 10,203/km no diesel para R$ 10,858/km no GN) e em comparação ao Híbrido, o Gás Natural é -10,55% mais baixo (de R$ 12,134/km no Híbrido para R$ 10,858/km no GN).

A comparação dos custos do Gás Natural se deu na tecnologia Euro VI, dados de referência de 2020, e com os dados de diesel e híbrido de 2019, sem considerar a inflação que sofreram nos últimos meses.

AutoBus – Qual a perspectiva da Compagas com essa avaliação visando o futuro do transporte coletivo curitibano?

Lamastra – Curitiba já possui um destaque positivo em relação à eficiência de seu sistema de transporte público e estamos otimistas com o papel que o Gás Natural, que pode contribuir para transição energética da cidade e, também, da Região Metropolitana.

A COMPAGAS possui uma rede de distribuição de gás natural instalada capaz de atender estrategicamente mais de 80% das empresas que operam o transporte público na capital paranaense e na região metropolitana, o que coloca a cidade em um conceito alinhado às principais metrópoles do mundo, como Nova York que, desde 2010, possui mais de 500 veículos em sua frota deste tipo.

As cidades precisam de combustíveis mais limpos, com baixa emissão de gases causadores de efeito estufa, ao mesmo tempo em que garantam viabilidade econômica e continuidade no fornecimento e que possam ser adotados em grande escala. Enxergo aqui uma imensa oportunidade para incentivar o consumo do gás natural no transporte público na capital paranaense.

AutoBus – O histórico do gás natural no Brasil em sistemas de ônibus urbanos não é positivo. Porém, esse cenário vem mudando ao longo dos anos, sendo que as montadoras podem disponibilizar veículos de última geração. Como a Compagas vê esse aspecto? É possível ser otimista quanto a mudança de conceitos?

Lamastra – No Brasil, há projetos de 30 anos e isso foi até uma novidade quando começamos a conhecer este segmento – são projetos mais antigos que a própria criação da COMPAGAS. Mas o mercado era diferente em todos os aspectos: tecnologia, infraestrutura, oferta do gás natural e sistema de abastecimento.

Hoje, nossa visão está focada na grande oferta interna de gás canalizado, nas reduções de emissões, principalmente na redução da poluição local que impacta na saúde pública, e na conexão que iremos criar com o mercado promissor de biometano, que é um gás natural renovável.

Quando falamos da capacidade e da oferta interna do gás natural canalizado – só para se ter uma ideia, apenas 10% do volume que é reinjetado no Brasil, diariamente, seria suficiente para abastecer 100% da frota de ônibus, equivalente a 12 vezes o tamanho do transporte público da Região Metropolitana de Curitiba. E há de se considerar que a produção de gás natural no País deve dobrar nos próximos 10 anos, conforme estudo divulgado pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE). Ou seja, teremos muito mais oferta!

Também precisamos enxergar o gás natural como um combustível de transição. Devido às preocupações com as mudanças climáticas, o gás natural se destaca por emitir menos gases causadores de efeito estufa que outros combustíveis fósseis, como óleo diesel, ao mesmo tempo que satisfaz as necessidades energéticas da população, devido à facilidade do acesso e consumo. O menor preço frente às energias mais modernas e consideradas mais limpas, como a eólica e a solar, e até mesmo à elétrica, também colocam o gás natural em posição competitiva.

Sou otimista com relação a esses conceitos e precisamos difundi-los. Acredito no uso do gás natural e no seu potencial indutor de desenvolvimento para os diversos segmentos de consumo.

AutoBus – Na opinião da empresa, o que falta no Brasil para que o gás natural tenha maior presença na matriz energética do transporte?

Lamastra – A cultura do uso do diesel é predominante no País e é preciso investir na difusão das contribuições do uso do gás natural para o transporte público e, também, de cargas.

Recentemente, com a decisão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do Ministério de Minas e Energia (MME) de reduzir, de forma extraordinária e temporária, o percentual de mistura obrigatória do biodiesel ao óleo diesel devido a riscos de desabastecimento nacional – veio à tona, novamente, a discussão sobre a importância de diversificar as matrizes energéticas para atender a demanda de veículos pesados, caminhões e frota de transporte público. O diesel, a cada ano, se torna mais oneroso para a balança comercial brasileira. E como já dito anteriormente, com a produção cada vez maior de gás natural no Brasil, a expectativa é de redução dos custos do energético no país. Uma via que caminha para um equilíbrio de competição econômica e, acima de tudo, de cunho ambiental. Com o uso de gás natural canalizado nos centros urbanos, é possível reduzir em mais de 90% a emissão de materiais particulados e de óxido de nitrogênio (NOX), caminhando para o uso do biometano, em que a emissão do gás carbônico poderá chegar a zero.

Cabe destacar ainda que, atualmente, há um marketing muito incisivo sobre a eletromobilidade e sabemos que os benefícios são excelentes, no entanto, os custos ainda são altos para o momento econômico atual. Em paralelo, podemos considerar que neste contexto do setor elétrico, a nossa matriz não é mais 100% renovável e, certamente, o Gás Natural contribui muito para a geração de energia nacional, por meio das termelétricas instaladas pelo país.

AutoBus – A lei do gás, recentemente aprovada, traz uma expectativa positiva para isso?

Lamastra – O Projeto de Lei para instituir o novo marco legal do gás natural no País foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora passa pelo Senado Federal. É muito importante reforçar que é preciso evoluir no texto para que o projeto cumpra os objetivos que se espera: o desenvolvimento para o setor.

Para o desenvolvimento é necessário investimento em infraestrutura para levar o gás natural canalizado a mais regiões, em especial, ao interior do País, visto que a maior parte da malha de distribuição está nas faixas próximas ao litoral. Entretanto, projetos de novos gasodutos dificilmente serão viabilizados se não houver uma sinalização mais clara no novo marco legal que estimule os investimentos.

Com mais investimentos e ampliação das malhas, o segmento automotivo pode ser um dos grandes beneficiados. Será possível ampliar as rotas para uso do gás natural em veículos – leves, pesados, frotas públicas – e a maior oferta propiciará ganho ambiental e social.

AutoBus – O gás natural é um produto fóssil e seu primo biogás tem origem da transformação de dejetos. A empresa crê nessa união de combustíveis para o transporte alcançar altos níveis de redução das emissões de poluentes?

Lamastra – O biometano (quando submetido a um processo de purificação, o biogás dá origem ao biometano e este é comparável ao gás natural) é um dos vetores para a transformação da matriz de transportes. O Paraná, por exemplo, é um estado com um potencial extraordinário na área agrícola, tendo 35% do seu PIB relacionado ao agronegócio e este é um mercado que precisa estar associado ao gás para garantir a expansão e consolidação da indústria de transformação. Novas redes pelo interior possibilitam também, no futuro, a ligação com as unidades de produção de biometano que existirão ao longo do tempo, já que o potencial para o biogás no interior é imenso, em função da agroindústria. Essa união dos combustíveis, permitirá, conforme já citado, evoluir na matriz energética e ter ganhos econômicos e ambientais, chegando a zerar a emissão de gás carbônico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo