Do Portal Climatempo
Foto: Divulgação (Scania)
Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos diariamente na saúde da população e em eventos climáticos extremos. A tomada de ações para mitigar esses efeitos é urgente e atual, não para daqui alguns anos. A eletrificação dos transportes públicos é uma das medidas inadiáveis, seguindo o que já é uma realidade nos Estados Unidos, na China, Chile, Colômbia e em países da Europa. Agora é a hora do Brasil mudar sua estrutura de mobilidade urbana e escolher transportes limpos.
Os ônibus elétricos se conectam com o clima e com a construção de uma sociedade socialmente justa, que considere a qualidade de vida da população. Mas como essa transição pode acontecer na prática? Esse foi o tema do painel “Mobilidade Elétrica, Clima, Energia e Economia: oportunidades para o Brasil e como aproveitá-las” que ocorreu na última sexta-feira, dia 24 de junho, no evento “Eletrificação do transporte público no Brasil”, no Memorial da América Latina, em São Paulo.
O tema foi escolhido porque o clima hoje se encontra no centro do debate sobre a urgência de reduzirmos as emissões dos gases de efeito estufa (GEE). Isso ficou claro no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que demonstrou que a janela dos próximos 10 anos é muito importante para agirmos no sentido de reduzir os GEE. No caso do Brasil, quando se fala em cuidar melhor do planeta, a tendência é pensar unicamente na manutenção da floresta em pé, mas quando observado o aumento das emissões causadas pelo setor de transportes nos últimos anos, é possível compreender a necessidade de acrescentarmos mais esse setor na tomada de decisões. Para isso, existem múltiplas oportunidades.
Para que haja uma transição energética, ou seja, que passemos de veículos movidos a combustíveis fósseis para elétricos, é preciso mobilizar e engajar a população na agenda de clima. Segundo Camila Gramkow, Oficial de Assuntos Econômicos na CEPAL Brasil, uma entidade ligada às Nações Unidas, o modelo atual de desenvolvimento que vivemos é insustentável.
“Ele parte de uma matriz que é pouco dinâmica economicamente. Mesmo antes da pandemia, o desemprego já estava alto, a pobreza já estava novamente em crescimento, bem como a desigualdade. Sem falar na questão ambiental com a crescente perda da riqueza natural com o desmatamento e no crescente uso de combustíveis fósseis, especialmente no setor de transportes”, explica.
Antes da pandemia, o Brasil já estava com poucas perspectivas de desenvolvimento socioeconômico e hoje esse cenário está agravado, com o setor econômico tentando se recuperar. As pessoas sentem essa insuficiência em seu dia a dia, e isso é revelado pelos altos índices de desemprego e aumento do número de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza. Há uma necessidade urgente de mobilizar um enorme volume de investimentos para as diversas áreas.
Não se transforma um modelo de desenvolvimento, de transporte e energético sem investimentos. Para viabilizar uma economia de baixo carbono, sustentável e inclusiva, a eletromobilidade é uma peça chave.
O investimento em um setores da economia verde traz outros benefícios. Segundo o estudo “Oferta de ônibus elétrico no Brasil em um cenário de recuperação econômica de baixo carbono”, publicado pela CEPAL em abril de 2022, para cada emprego gerado diretamente no setor de ônibus elétricos, seriam gerados 21 empregos na economia. Esse é o poder multiplicador desses investimentos transformadores e sustentáveis.
Para Walter de Simone, diretor do Instituto Talanoa, é preciso que seja falado mais sobre clima no contexto social para, assim, aproximar o tema do maior número de pessoas possível.
“Tem três coisas que importam para a gente olhando para o futuro: transporte urbano, saneamento básico e geração de emprego. A gente tem que começar a falar sobre o problema que as pessoas têm nesses contextos e identificar quais são as preocupações que as pessoas têm. Nós, que sabemos do fator clima, precisamos fazer a conexão com o que essa pessoa vive”, defendeu Walter.
Camila Gramkow aponta também que existiu uma falha na narrativa de economistas para construção de uma solução climática. Existe uma necessidade de corrigir as metodologias de quantificação do custo para mitigação das mudanças climáticas, pois relatórios anteriores de ação climática apresentavam custo líquido para a economia, o que levava tomadores de decisão a não escolherem arcar com esses custos. Enfrentar a catástrofe global do clima que já está se impondo não deve ser olhado como um custo líquido, já que a opção pelo não enfrentamento é muito pior. O caminho para alterar essa narrativa é corrigir essas metodologias de quantificação do custo e entender que proteger o meio ambiente é sinônimo de desenvolvimento socioeconômico”, afirmou.
O Brasil, no entanto, não vai chegar aonde quer chegar na eletrificação do transporte se não tiver políticas públicas. Uma política de estado estruturante, seja de indústria, de comércio ou regional, tem que considerar a eletrificação como um eixo, uma pré-condição para próximas decisões. É necessário reorganizar as grandes políticas estruturantes que o país já tem, mas que hoje não dialogam com as metas climáticas.
Os benefícios socioeconômicos que o transporte público elétrico pode trazer só vão se concretizar se houver capacidade produtiva, tecnológica e inovadoras no país, multiplicando renda e emprego. E o Brasil tem capacidade para isso.