Da ANTP
Por Wesley Ferro Nogueira*
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)
Há um certo consenso de que o ano de 2023 será de grandes dificuldades dentro da economia do país. As expectativas captadas junto ao mercado, por exemplo, e que o Banco Central consolida em um relatório técnico denominado Focus, regularmente divulgado às segundas-feiras, apresenta alguns dos indicadores que espelham um quadro de preocupações em relação ao próximo ano.
Segundo o Boletim Focus divulgado esta semana (dia 18), para 2023 há uma projeção de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a mensuração da inflação, estaria em ascendência e em um patamar acima das projeções que foram feitas há 4 semanas. O IPCA é calculado a partir do levantamento de informações de 9 grupos de despesas, sendo que alimentação e bebidas e transportes têm juntos um peso de quase metade na composição final do índice.
Se por um lado as mudanças climáticas têm produzido ameaças à produção de alimentos, o que pode desencadear uma espiral inflacionária e uma crise ainda mais aguda da que estamos vivendo, por outro, a indefinição quanto ao financiamento dos sistemas de transporte público, a dependência dos combustíveis fósseis e a insistência na política de preços da Petrobras alinhada às cotações do mercado internacional também podem contribuir para turbinar o processo de aumento do nosso custo de vida, impactando ainda mais, principalmente, as camadas com menor nível de renda e que se encontram mais vulneráveis.
Outros dois itens apresentados no Boletim Focus e que reforçam um cenário preocupante para o próximo ano são os que tratam da projeção de variação do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2023 e 2022, com previsão de crescimento pífio de 0,5% em relação a este ano, e o da estimativa da vinculação da Dívida Líquida do Setor Público ao PIB, que saltaria dos atuais previstos 59,23% para representar 63,50% no próximo ano.
Considerando ainda o recente pacote de medidas aprovadas pelo Congresso, balizadas por um objetivo claramente eleitoral pelo atual mandatário, e que representarão um custo total superior a R$ 40 bilhões ao erário, avalia-se que os recursos orçamentários da União para investimento nas políticas públicas no próximo ano serão extremamente limitados e as expectativas quanto à efetiva participação do Governo Federal, por exemplo, no financiamento dos sistemas de transporte público do país provavelmente não serão atendidas.
Presume-se que, a partir do próximo ano, a ação da União deverá se concentrar na reestruturação do Estado para o resgate de todas as políticas públicas que foram irresponsavelmente abandonadas nos últimos três anos e meio e esse processo de reconstrução obviamente será o foco da gestão. Diante de um quadro adverso, acredita-se que os nossos esforços deveriam estar voltados para a proposição de uma agenda mínima possível de execução para a área de mobilidade urbana em 2023 e que poderia ser o pontapé necessário para garantir posteriormente a consolidação desta política dentro dos eixos prioritários de atuação do Governo Federal, até mesmo, quem sabe, apontando com a perspectiva real da construção de um Sistema Único de Mobilidade Urbana (o SUM).
Nesse sentido, um dos primeiros itens dessa agenda deveria ser a defesa da proposta de recriação de um ministério voltado especificamente para tratar dos temas urbanos, que poderia mesmo até ser o Mcidades, com a garantia da existência de uma Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana dentro de sua estrutura organizacional e que pudesse contribuir para qualificar e avançar a política nacional.
Para que isso possa ser efetivado e como forma de encaminhamento complementar, torna-se fundamental a garantia imediata no início da próxima gestão, com a devida anuência da área econômica e da Casa Civil, da realização de um concurso público nesse ministério para a reestruturação do órgão e a potencialização da sua capacidade de reassumir o seu papel de apoio, articulação, suporte e qualificação dos outros entes federados, seja na formulação de projetos, na elaboração dos planos de mobilidade, na estruturação dos municípios, em processos de capacitação de gestores, na garantia da produção de instrumentos normativos e no acompanhamento da execução da política de mobilidade urbana.
Outra ação extremamente importante e que deve estar na agenda é a que trata da reinserção efetiva do controle social dentro da política de mobilidade urbana, com a reativação do Conselho das Cidades (ConCidades) ou algo similar, garantindo o exercício do seu papel de órgão colegiado com caráter consultivo e deliberativo, tendo a representação de segmentos da sociedade e do governo e com câmaras temáticas das respectivas áreas de interesse da política urbana para o aprofundamento dos debates e a produção de conteúdo técnico-político normativo para o avanço na execução das políticas.
Acredita-se que também seja possível, em 2023, garantir a realização de uma Conferência Nacional de Mobilidade Urbana, após um amplo processo de mobilização dentro da sociedade e dos governos, que assumiria a responsabilidade por promover uma avaliação e estabelecer as diretrizes gerais para a execução da política, como, por exemplo, definindo eixos orientadores para a criação de conselhos locais e fundos de mobilidade urbana nas cidades com população acima de 20 mil habitantes, bem como apontando espaços institucionais para a participação e pactuação entre os gestores e a proposição para a fixação de percentuais mínimos nos orçamentos dos entes para o custeio e o financiamento da mobilidade, mas que obviamente necessitariam de posterior regulamentação normativa.
No campo do financiamento da política de mobilidade urbana, uma ação que poderia ser factível no próximo ano é o estabelecimento de uma ampla articulação institucional capitaneada pelo novo ministério, e com apoio irrestrito dos outros entes federados e de entidades da sociedade civil, para que a área econômica do governo viesse autorizar a abertura e/ou turbinar as linhas de financiamento junto aos bancos e instituições públicas de crédito para o aporte de recursos em projetos de mobilidade urbana.
Enfim, não se pode criar grandes expectativas para o próximo ano em função do cenário que se desenha, mas é possível estabelecer ações que sejam passíveis de serem enquadradas dentro dessas limitações e, quem sabe, até mesmo fixando os fundamentos para a futura viabilização do Sistema Único de Mobilidade Urbana (o SUM).
* Wesley Ferro Nogueira é economista. Atualmente é Secretário Executivo do Instituto MDT, colabora no Projeto “Pensar o transporte público na cidade planejada para o automóvel”, integra a Rede Urbanidade e é membro suplente do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF.
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