Transporte Público no cenário COVID: como seguir em frente?

Artigo – Eleonora Pazos – Diretora da União Internacional de Transporte Público (UITP) América Latina.
Foto: Edvan Júnior/Ilustração

A grande maioria das cidades na América Latina está emergindo de vários meses de lockdown e reiniciando lentamente a economia. Nos centros das cidades que estão assustadoramente desertos estão começando a aparecer sinais de vida, mas mesmo com a reabertura de escritórios, restaurantes e lojas, é óbvio que está longe de estar “de volta ao normal”.

Quanto tempo levará a recuperação, qual será a aparência do novo normal, e o que isso significa para nossos sistemas de mobilidade ainda não está claro. No entanto, governos, autoridades de transporte e operadores de mobilidade ainda precisam se preparar agora para este futuro incerto. Com isso em mente, a UITP – União Internacional de Transporte Público – conduziu um estudo envolvendo mais de 70 executivos de 30 organizações (organizações públicas, privadas, operadores e indústria) em todo o mundo, incluindo a América Latina, para entender melhor como a mobilidade poderia evoluir no mundo pós-covid e, em particular, para identificar novas oportunidades que estão surgindo da turbulência causada pela crise, apesar de seu terrível impacto.

Não há dúvida que os principais desafios para retomada do setor de transporte público tocam as questões financeiras e de investimento. Mas estas questões estavam presentes no passado – no caso da América Latina em uma linha tênue que era compensada por demandas expressivas, apesar das perdas de passageiros nas últimas décadas. A crise simplesmente acelerou o que já existia, tornando emergencial algumas ações. O tema financeiro certamente deve ser abordado com o cenário individual de cada uma das cidades. Algumas poucas estão atuando no tema, sendo um dos casos de sucesso a operação do sistema de Montevidéu, no Uruguai, o qual seria tema para um artigo inteiro.

Entretanto, há desafios que podem e devem ser abordados por todos, sendo de caráter abrangente com ações um pouco mais rápidas. Em especial a melhoria de eficiência dos sistemas. Como os operadores podem adaptar as ofertas comerciais para atender às necessidades do mundo covid e pós-covid?

Como mencionamos, os operadores de transporte público foram atingidos pelo colapso da demanda e receitas, enquanto as obrigações de provimento de serviço público exigiam que os serviços fossem mantidos. Ao mesmo tempo, os operadores de transporte tiveram um aumento nos custos operacionais devido às novas medidas de higiene e restrições de ocupações, exigidas por alguns países como Argentina, Colômbia e outros.

Olhando para o futuro, a lucratividade continuará a ser desafiada por demandas reduzidas, afetando todas as receitas – tanto as receitas tarifárias como as extratarifárias.

Para seguir em frente, além de buscar reduções nos custos essenciais de curto prazo e melhorias na produtividade da equipe e dos ativos, os operadores agora precisam considerar mais pontos essenciais e adaptações fundamentais que podem ser feitas em suas ofertas e modelos de operações. Não se trata apenas de se alinhar com as necessidades e comportamentos após a crise atual, mas também melhorar a flexibilidade e resiliência a médio e longo prazo para resistir a crises futuras.

A adaptação de ofertas comerciais durante e no rescaldo da crise é, em geral, impulsionada por dois objetivos:

• Melhorar a experiência geral do cliente para oferecer apoio, reconquistar a confiança e impulsionar a fidelidade e a preferência do cliente.
• Melhorar a resiliência da oferta no contexto de possíveis flutuações rápidas na demanda e em caso de crise futura.

Paradoxalmente, em função da queda da demanda, as condições de viagem em termos de espaço e conforto irão melhorar em curto prazo. No futuro, no entanto, todos os operadores em nosso estudo estão continuando a fazer investimentos na melhoria da oferta comercial (capacidade e nível de serviços) como uma alavanca chave para acelerar a recuperação. Essas melhorias se estendem por um número de ações:

• Planejamento e programação dos sistemas: revisão dos horários para garantir que correspondam à oferta do cliente e maior flexibilidade no planejamento para permitir uma adaptação mais rápida da oferta à demanda.
• Soluções de mobilidade e serviços: a substituição da operação tradicional por soluções on-demand está sendo acelerada, principalmente nas áreas de menor demanda, onde as rotas fixas não são eficientes e onde a pressão de custos é alta. Essas soluções também são habilitadas pelo aumento do número de clientes com smartphones e outros dispositivos digitais.
• Estrutura tarifária: estímulo ao crescimento / recuperação da demanda em diferentes segmentos por meio de promoções de tarifas e recompensas por pontos.
• Canais de venda e distribuição de bilhetes: distribuição digital e pagamento como contribuidores fundamentais para reconquistar a confiança e aumentar a resiliência do transporte em massa, acelerado pela digitalização de bilhetes e pagamentos: código QR, Bluetooth, reconhecimento facial, epayment e outros.
• Informação ao passageiro e comunicação: acelerar os planos para melhorar a qualidade, oportunidade e cobertura das informações dos passageiros, incluindo diversidade de canais, informações em tempo real sobre ocupação do sistema, análise de dados preditiva para melhorar a robustez e a qualidade das informações.

Não há dúvida que há inúmeros desafios que precisarão ser superados para a recuperação do setor, que demandam ações a serem tomadas em conjunto e com o apoio do poder público. No relatório da UITP é possível consultar mais de cem ações especificas que foram identificadas com resultados positivos, incluindo como os operadores podem adaptar seus modelos operacionais para aumentar a flexibilidade de custos e aumentar a resiliência que, seguramente, é um ponto chave na sobrevivência.

O transporte público segue indispensável para o desenvolvimento das cidades e requer ações unificadas para continuar existindo no cenário das cidades latino-americanas.

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