Valor da agenda ambiental ganhou força com covid, dizem especialistas

Do Valor Econômico
Foto: USP Imagens/Ilustração/Fotos Públicas

A pandemia aumentou a percepção global sobre a importância da agenda ambiental, avaliaram de forma quase unânime participantes do Fórum Valor Reconstrução Sustentável, realizado ontem. Do investimento em marcas e produtos com fabricação rastreável à possibilidade de uma nova agenda de desenvolvimento com redução do desmatamento, o discurso hegemônico é que a covid-19 explicitou os efeitos nocivos de se virar as costas para questões ambientais.

“A pandemia deixou isso muito claro. A pandemia que traz crise econômica e humanitária em muitos lugares, ela é decorrente de uma crise ambiental. Está sendo um processo de aprendizagem muito intenso”, disse Carlo Pereira, diretor-executivo do Pacto Global.

Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), destacou que um componente que alterou a percepção sobre a situação ambiental foi o fato de o setor econômico ter entrado “maciçamente nesse jogo”. “Acho que esse foi o mote do setor financeiro, porque percebe a vantagem competitiva. E não é só para o futuro, está dando lucro agora.”

No mesmo painel, o ator Marcos Palmeira, envolvido com a produção de orgânicos, lembrou que houve um aumento de até 30% em alguns segmentos desse mercado no mundo. “A pandemia mostra que é importante saber de onde vêm os alimentos”, disse, pontuando que o crescimento não é à toa. “Todos estão preocupados com a sua imunidade neste momento.”

O cientista Carlos Nobre, especializado em meio ambiente, foi além e afirmou que ainda não houve o surgimento na Amazônia de uma doença com chance de se transformar em uma pandemia por “sorte”. “Estamos perturbando o ambiente natural do planeta num grau tão gigantesco que esse equilíbrio ecológico começa a dar o troco”, disse. “Essa pandemia [de covid-19] é um vírus com baixa taxa de letalidade e altíssima taxa de transmissão. É um aviso para pararmos de perturbar o equilíbrio ecológico.”

Nobre ressaltou que a Amazônia possui inúmeros microorganismos que podem entrar em contato com seres humanos a partir do aumento do desmatamento e das queimadas. Ele lembrou que o novo coronavírus se originou na Ásia, provavelmente de morcegos, e que no ambiente amazônico há diversos tipos de coronavírus vivendo em morcegos.

O pesquisador detalhou iniciativa que engloba 160 cientistas e representantes de outros setores da economia em um estudo amplo sobre a Amazônia e mencionou outra iniciativa, a Amazônia 4.0, que propõe um processo moderno de bioindustrialização da região. “País desenvolvido é país industrializado. O Brasil vem se desindustrializando há 25 anos.”

Para Joaquim Levy, diretor de estratégia econômica do Banco Safra, o Brasil tem condições de promover boa recuperação de sua economia e pode aproveitar para construir uma sociedade mais robusta, inclusiva e equitativa. Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES, Levy disse que o Brasil é um dos países que mais têm vantagens para uma economia de baixo carbono e limpa. “As oportunidades estão aí, a gente precisa se organizar, focar. O Brasil vive com taxa de juros bastante amiga, o que facilita investimentos, mas isso é tudo de longo prazo, precisa ter uma orientação e confiança das pessoas”, afirma.

É possível que questões relacionadas a meio ambiente, educação, desigualdade e qualidade da democracia estejam dificultando a retomada dos investimentos no país mesmo com juros baixos e bolsa em alta, avaliou Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos. “O equilíbrio macroeconômico também está super ameaçado, tem um problema maior que está nos afetando e paralisando as coisas.” Para o ex-presidente do Banco Central, a ideia de “margem de segurança” para a Amazônia precisa ser assimilada. “Não podemos descobrir onde está o ponto de não retorno chegando a ele”, disse.

“Já sabemos o que é ‘lockdown’. Imagina termos de fazer um ‘lockdown’ climático”, apontou Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade. Ela reforçou que indígenas são exemplos de quem sempre se mobilizou pelo tema ambiental, mas consumidores em geral estão mais ativos, disse. “Agenda ambiental é programa de Estado, e não de um governo.”

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