Novas regras de poluentes para ônibus e caminhões deverão evitar 150 mil mortes

Novas regras para que caminhões e ônibus menos poluentes circulem nas cidades brasileiras a partir de 2023 evitarão quase 150 mil mortes, em 28 anos, provocadas por doenças cardiovasculares. A medida também terá impacto positivo nos cofres públicos e privados de R$ 68 bilhões.
Ilustração/Arquivo UNIBUS RN
O lado ruim dessa história, contudo, é o impacto do atraso nos padrões de qualidade do ar brasileiros e a elasticidade do que se aceita no país. Se as medidas entrassem em vigor em 2020, como defendiam ambientalistas e técnicos, evitariam a morte prematura de 10 mil pessoas e um gasto público e privado de R$ 4,6 bilhões.
As estimativas foram feitas pelos pesquisadores do Instituto Saúde e Sociedade, organização não governamental (ONG) que estuda os impactos da urbanização na saúde, em análise a que o Valorteve acesso.
A questão crucial é a defasagem brasileira nos limites e padrões da poluição do ar – no caso, emitidos por caminhões e ônibus a diesel – em relação aos que estão em vigor na Europa e aos que são recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A análise levou em conta o impacto da decisão adotada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em novembro. A resolução 490 do Conama define as regras da próxima fase da redução da emissão de poluentes em veículos pesados movidos a diesel. Trata-se do Proconve P8, a nova etapa do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores.
O Proconve existe há 33 anos, estabelece uma política de controle das emissões dos carros a longo prazo e se estrutura por fases. A questão é a defasagem com o que recomenda a OMS, o que já existe na Europa, nos EUA e em outros grandes mercados automotivos como Canadá, Japão, Índia, Coreia do Sul, Turquia e México e o que foi aprovado e está em curso no Brasil.
A nova fase do Proconve equivale ao chamado Euro 6 europeu. Lá as normas estão em vigor desde 2013, mas aqui entrarão em vigor apenas a partir de 2023. “A diferença na qualidade do ar das novas tecnologias é radical”, diz a coordenadora do estudo, Evangelina Vormittag, médica e diretora do instituto. As novas tecnologias reduzem em até 90% as emissões de poluentes do ar, segundo ela.
Caminhões e ônibus representam 5% da frota brasileira de veículos, mas são responsáveis por 90% das emissões de material particulado (MP). O poluente MP 2,5 é produzido na queima do diesel. “É uma poeira fina, que atravessa a árvore respiratória e entra na corrente sanguínea”, diz a médica. Pode formar trombos, levar ao infarto do coração e a derrames, além de câncer do pulmão, asma, pneumonias, enfisema e outras doenças.
“Os padrões de qualidade do ar no Brasil estão muito desatualizados”, acrescenta Evangelina. Embora o Conama tenha votado outra resolução revendo padrões e limites da qualidade do ar (resolução 491, também de novembro) e aceitando que deveriam seguir as recomendações da OMS, não se estabeleceram prazos. “É importante mostrar o malefício disso”, diz ela. “O Proconve é o melhor programa que o Brasil tem de combate à poluição do ar, o único que funciona, mas tem problemas”, sinaliza.
Evangelina diz, por exemplo, que os níveis de poluentes para que os órgãos ambientais declarem estados de alerta e emergência são muito altos. Na Europa declara-se emergência para níveis de MP quando atingem 80 microgramas por metro cúbico de ar – um nível mais baixo do que o aceito como padrão pela legislação brasileira. “Para o Brasil, o alerta ocorre quando o nível atinge 500 microgramas/m3, diz ela.
As tecnologias nos motores de caminhões e ônibus que equiparariam os limites de emissões brasileiros aos europeus existem no Brasil, diz a médica. “Bastaria acrescentar um filtro no motor. É um absurdo”, diz, atribuindo o atraso ao lobby de montadoras e da indústria. “Querem que o Brasil dê conta da frota que está sobrando em outros países”, afirma.
“Para se manter competitivas no mercado global, montadoras instaladas no Brasil já desenvolvem veículos pesados concebidos com a tecnologia Euro 6, comercializados apenas para exportação. No Brasil, contudo, ainda vendem uma tecnologia defasada e com alto impacto na saúde”, diz ela.
A análise do instituto leva em conta metodologia da OMS que avalia o efeito da poluição do ar na saúde. A data de 2020 havia sido proposta por ambientalistas, pesquisadores e técnicos da Cetesb, mas foi vencida pela de 2023. Os três anos de diferença significam mais 9.750 internações hospitalares ao custo de R$ 36 milhões.
A análise do Instituto Saúde e Sustentabilidade foi feita para seis regiões metropolitanas – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Vitória e Porto Alegre – e que somam cerca de 25% da população.
Em São Paulo, as metas do P-8 evitarão a morte prematura de quase 65 mil pessoas, nos 28 anos de mudança da frota, entre 2023 e 2050. No Rio serão 52 mil vidas.
Segundo dados de estudo da Universidade de Chicago, a população mundial perde quase dois anos de expectativa de vida devido à inalação constante de poluentes.
Valor Econômico

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