A maneira como viajamos vai mudar radicalmente nas próximas décadas. O carro – símbolo máximo de autonomia e liberdade – já tem seu sucesso comprovado. Nossas cidades estão congestionadas e a qualidade do ar se deteriorou, representando uma ameaça para a nossa saúde.
Como Sven Beiker, diretor da consultoria Silicon Valley Mobility, diz: “Entrar em um veículo de duas toneladas para comprar um litro de leite não é mais sustentável”.
À medida que a população global cresce e mais pessoas moram em centros urbanos, há uma necessidade urgente de pensar sobre como nos deslocamos.
“Acreditamos que o futuro será cada vez mais autônomo, mais elétrico, mais conectado e compartilhado”, diz Laurens van den Acker, designer-chefe da montadora francesa Renault.
Muitos representantes do setor automotivo concordam, embora alguns acrescentem “mais integrados e homogêneos” à lista, lembrando que andar de bicicleta e caminhar também são formas importantes de locomoção.
Mas enquanto os veículos elétricos e autônomos parecem ser os principais impulsionadores dessa transformação crucial, ainda há um intenso debate sobre como os diferentes meios de transporte serão acessados e controlados, e como zonas urbanas e rurais vão compartilhar serviços de mobilidade.
Talvez saibamos onde queremos chegar, mas não como chegar lá.
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Na Suíça, ônibus sem motorista que busca passageiro em casa vem sendo testado. TRAPEZE SWITZERLAND |
Sem motorista e 100% elétrico
No cantão de Schaffhausen, na Suíça, um pequeno ônibus circula pela cidade de Neuhausen am Rheinfall buscando e deixando passageiros enquanto desbrava o trânsito.
Mas esse ônibus não tem motorista. Não há nem mesmo um volante.
Uma funcionária dentro do ônibus responde às perguntas dos usuários e assume o controle do veículo a partir de um controle remoto, caso haja qualquer imprevisto, como obras nas ruas.
“Queremos mostrar ao mundo que veículos autônomos já existem e isso não é um projeto futurista”, explica Peter Schnek, CEO da Trapeze Switzerland, operadora do ônibus.
“Isso é disruptivo porque hoje há um ponto cego no transporte público – as rotas da sua casa ao polo de transporte mais próximo nem sempre são servidas por transporte público”.
“A ideia é fortalecer o transporte público do primeiro ao último quilômetro… então, em uma cidade inteligente, você pode se desvencilhar de seu carro.”
A iniciativa não é nova no mundo. Em muitos países, ônibus e outros sistemas de transportes sem motoristas estão sendo testados.
Schneck prevê que esses veículos vão ser requisitados não só nas cidades, mas também nas zonas rurais.
“Veículos autônomos como esses – públicos ou privados – vão nos conectar de nossa casa a um polo de transporte”, diz Arun Srinivasan, chefe de soluções de mobilidade da Bosch no Reino Unido, empresa de engenharia alemã que produz componentes e software para a indústria automotiva há décadas.
“Consideramos o transporte público em massa como a espinha dorsal da mobilidade nas cidades.”
Pensando em conjunto
Um dos problemas dos sistemas de transportes urbanos é a falta de coordenação entre os diferentes meios de transportes. Queremos saber como ir de A para B com a maior facilidade possível, seja a pé, de bicicleta, motocicleta, metrô, ônibus, trem, Uber ou táxi – ou uma mistura de alguns ou de todos eles.
No passado, não tínhamos dados suficientes. Agora, temos. E contamos com nossos smartphones conectados o tempo todo para nos ajudar a visualizar tudo isso.
“Imaginamos um mundo sem engarrafamentos”, diz Daniela Gerd tom Markotten, CEO da Moovel, o aplicativo de transporte integrado de propriedade da gigante alemã de carros e caminhões Daimler.
“Estamos oferecendo uma janela para mobilidade. Você pode pesquisar, reservar e pagar tudo em um único aplicativo”.
O aplicativo informa a maneira mais rápida de chegar ao seu destino mesclando todos os meios de transporte integrados com a plataforma aberta da Moovel, seja carro elétrico, metrô, ônibus ou táxi.
A Moovel recebe uma comissão a cada viagem, mas ainda há muito trabalho a ser feito para incentivar os provedores de mobilidade a integrar seus serviços e, idealmente, caminhar para um ambiente de compartilhamento de dados em tempo real, admite Gerd tom Markotten.
“Queremos transformar as cidades fornecendo as melhores, mais convenientes e mais sustentáveis soluções”, diz ela.
“As pessoas não precisam mais ter um carro.”
A concorrência inclui o Citymapper, agora acessível em mais de 30 cidades; o Whim, sediado na Finlândia, um “aplicativo de transporte multimodal com tudo incluído”, atualmente sendo testado em Helsinque, Birmingham e Antuérpia; o Kyy ti, também da Finlândia; e o DeerTrip, da China.
E se os carros elétricos e autônomos se tornarem simplesmente uma das muitas maneiras de ir de A a B, por que nos importaremos com sua marca ou desempenho? As montadoras tradicionais podem enfrentar uma concorrência crescente de empresas de tecnologia, como Uber, Google ou Amazon.
Por essa teoria, o carro deixaria de ser um símbolo de status e se tornaria apenas um serviço sob demanda. Isso representaria, portanto, um desafio para as fabricantes de automóveis, que gastaram bilhões de dólares em marketing para construir sua imagem por décadas.
A americana Ford, por exemplo, decidiu reduzir seu portfólio de carros na América do Norte e concentrar-se apenas em dois modelos, investindo pesadamente em motoroes híbridos-elétricos.
Várias montadoras também têm investido em empresas de compartilhamento de carros – a Daimler possui a Car2go, enquanto a BMW é dona da DriveNow e da ReachNow, enquanto a General Motors controla a Maven, por exemplo. Já as alemãs vêm fundindo suas operações de compartilhamento de carros em uma tentativa de ganhar escala.
Mas as fabricantes de veículos não vão jogar a toalha tão cedo. Cada vez mais, vêm investindo em veículos sem motorista, que podemos adaptar às nossas necessidades, seja dormindo, trabalhando, assistindo a um filme ou ouvindo música.
No interior do EZ-Ultimo, o carro-conceito autônomo da Renault, assentos móveis parecidos com poltronas ficam frente a frente, enquanto acabamentos em mármore e madeira de nogueira aumentam a sensação de luxo.
“É um lounge, uma extensão da sua casa”, diz Laurens van den Acker, designer-chefe da Renault.
A Renault diz que planeja lançar muito mais “veículos-robôs” até 2022.
A Volvo também desenvolveu um carro conceito – o 360c – cujo ponto alto é a flexibilidade.
“Queríamos ir além dos carros sem motorista”, diz Marten Levenstam, vice-presidente sênior de estratégia de produtos e propriedade de negócios da Volvo, “e iniciar um debate”.
Defensores de carros sem motoristas dizem que a automação poderia reduzir congestionamentos e acidentes, liberando nosso tempo para atividades mais frutíferas enquanto viajamos, seja lendo, trabalhando, ouvindo música, dormindo ou conversando com familiares e amigos
Realidade
Mas não vamos nos iludir. Arun Srinivasan, da Bosch, diz que veículos totalmente autônomos – sejam carros ou ônibus – vão demorar pelo menos 10 anos para tomarem as ruas de fato.
A infinidade de sensores de que carros sem motoristas precisam para monitorar o ambiente à sua volta ainda não são confiáveis o bastante, especialmente durante o mau tempo, admite ele.
E, crucialmente, seria muito caro incluir todos os dispositivos de segurança necessários para se algum dos mecanismos falhar. A indústria chama isso de redundância, o que representa um custo significativo.
“Apenas alguns carros de marca premium poderiam ter sensores mais seguros e melhores”, diz Srinivasan.
Além disso, há todas as questões práticas em torno de quem detém os dados que esses veículos geram e quem é responsável no caso de um acidente.
Isso sem falar no público, que precisa ser persuadido sobre esse novo horizonte de locomoção.
Mas a visão de um sistema de transporte totalmente integrado, sustentável e eficiente está gradualmente se concretizando. Em breve, poderemos viver em um mundo onde o carro será apenas uma das muitas maneiras de nos deslocarmos.
UOL Tecnologia