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O americano Bob Lutz, ex-chefe de desenvolvimento de produtos na General Motors, sempre foi um dos engenheiros mais respeitados na indústria automobilística. Mas hoje, aos 86 anos, ele despede-se dos automóveis não porque já deixou de trabalhar, mas por acreditar que em breve também o carro vai ser aposentado. Num recente artigo para a publicação americana “Automotive News”, Lutz previu que em 20 anos ninguém terá mais carros. No lugar deles, as pessoas viajarão no que ele chama de módulos autônomos que serão, diz, uma mistura de transporte público rápido e táxi.
Até veteranos da engenharia como Lutz reconhecem que a transformação da indústria automobilística é inevitável. Os processos produtivos não serão mais os mesmos e muitos dos componentes essenciais há anos em breve serão desnecessários. Diante dos novos paradigmas, os presidentes mundiais das grandes montadoras se deparam com um cenário desafiador.
Até hoje, o comando das montadoras era essencialmente revezado por engenheiros e executivos da área financeira. Em momentos de crise, eram os especialistas na área financeira os mais escalados para assumir o posto mais importante numa fabricante de veículos. Os melhores se consagraram pela habilidade para recuperar empresas e, em alguns casos, até evitar falências. Já nos tempos de bonança era a vez de engenheiros assumirem o comando dessas multinacionais.
Sejam engenheiros, administradores ou economistas, até aqui, a maior parte dos que ocupam o cargo de presidente mundial nas montadoras é, antes de mais nada, movida pela paixão por automóveis. Por isso, a transformação pela qual essa indústria e o carro em si estão passando impõem um grande desafio. Alguns ocupam o cargo desde os tempos em que carros elétricos e autônomos pareciam um futuro distante. Outros são mais novatos. Todos, no entanto, terão igualmente que passar pelo crivo dos acionistas para manter-se na posição de protagonistas num momento de grandes transformações no setor.
Na semana passada, os membros do conselho da Renault decidiram propor que Carlos Ghosn permaneça na presidência da empresa por mais quatro anos. A decisão ainda precisa ser referendada pelos acionistas em junho. Nascido no Brasil, Ghosn é exemplo de executivos que construíram carreiras de sucesso apoiados numa gestão de custos eficiente. O executivo brasileiro foi o responsável pela recuperação financeira da Nissan, que estava à beira da falência ao ser adquirida pela Renault, há 19 anos.
Na galeria dos veteranos desponta também Dieter Zetsche, há 13 anos no comando do grupo Daimler, ao qual pertence a Mercedes-Benz. Doutor em engenharia, Zetsche é uma das referências mais destacadas no setor. Ao ser questionado, durante o salão do automóvel de Detroit, em janeiro, sobre eventuais planos de aposentadoria, Zetsche disse que seu atual contrato vai até o fim de 2019.
Segundo o executivo, a empresa desenvolverá carros cada vez mais conectados e alinhados às novas tecnologias, mas sem abandonar os modelos convencionais, que tornaram a Mercedes famosa em todo o mundo. Contratado pela Daimler-Benz em 1976, Zetsche foi presidente da Chrysler quando a empresa americana pertencia ao grupo alemão.
Agora, a Chrysler está sob o comando do italiano Sergio Marchionne, responsável pela recuperação da empresa americana quando o grupo Fiat decidiu adquirir seu controle acionário. Também em Detroit, em janeiro Marchionne anunciou que deixará o cargo em 2019. A direção da Fiat estaria em busca de um sucessor. Mas quem conhece Marchionne sabe que dificilmente ele deixará de ter influência em decisões estratégicas da companhia.
Entre os principais manda-chuvas do setor, o mais novato no cargo é Jim Hackett, da Ford. Bill Ford, bisneto do fundador e hoje na presidência do conselho, decidiu fazer uma drástica mudança no comando da montadora. Em maio do ano passado escalou para o principal cargo executivo da companhia o executivo que até então cuidava da área de mobilidade na empresa. Foi uma decisão estratégica. O principal desafio de Hacket: desenvolver carros inteligentes para as futuras cidades inteligentes. No dia em que anunciou o substituto de Mark Fields, que acumulou 28 anos de trabalho na empresa, Bill Ford, um entusiasta da causa ambiental, disse que a Ford precisava de um “olhar renovado”.
Em 2017 foram vendidos em todo o mundo 94,5 milhões de veículos, um novo recorde, com alta de 2,2% em relação a 2016. Desse total, 10,4 milhões saíram das fábricas da Volkswagen. A Volks conseguiu, em 2017, elevar as vendas em 11%, apesar de ainda amargar desgastes de imagem provocados pelo escândalo da falsificação de resultados de emissões de poluentes em motores a diesel. Em 2015, uma semana depois de a fraude vir à tona, Martin Winterkorn renunciou ao cargo de presidente mundial do grupo.
O posto foi assumido por Matthias Müller, que estava até então na presidência do conselho da Porsche, marca de carros de luxo que pertence ao grupo Volks. Uma das suas principais missões foi tentar restabelecer a confiança do consumidor. Em meio aos estragos provocados pelo escândalo, Müller consegue agora conduzir ambiciosos planos de desenvolvimento de veículos elétricos.
Outro executivo engajado na eletrificação dos carros é Akio Toyoda, neto do fundador da Toyota. Depois de passar por várias funções na companhia, há 18 anos Akio assumiu a presidência da montadora japonesa. O executivo formou-se em Direito em Tóquio, mas adquiriu conhecimentos em administração em curso de mestrado nos Estados Unidos.
Primeira mulher a assumir a presidência mundial de uma montadora, Mary Barra nasceu no berço da indústria automobilística americana, em Michigan. Ela conheceu bem as velhas linhas de montagem porque entrou na General Motors como aprendiz. Mas no comando da companhia desde 2014, ela tem se destacado pelo empenho no desenvolvimento de veículos elétricos e autônomos.
O português Carlos Tavares foi o responsável por uma das mais recentes e marcantes aquisições na indústria automobilística. No ano passado, o grupo que ele comanda, PSA Peugeot Citröen, adquiriu a Opel, a divisão europeia que pertencia à General Motors.
Assim, como os principais concorrentes, o grupo francês também planeja o desenvolvimento de projetos voltados às energias alternativas e soluções de mobilidade, como serviços de compartilhamento de veículos, além de outras mudanças que desenham o carro do futuro. Antes disso, no entanto, decisões importantes precisam ser tomadas no presente.
Em recente visita às fábricas da Opel, Tavares disse que as operações da Peugeot e Citröen são “mais eficientes”, o que indica a necessidade de cortar custos na Opel.
No fundo, esses executivos sabem que os novos tempos requerem novos conhecimentos para desenvolver o automóvel do futuro. Isso não significa, no entanto, que eles possam dar as costas a desafios comuns do passado. A habilidade no corte de custos tende a ser um quesito essencial em grandes líderes do setor seja qual for o futuro do transporte.
Valor Econômico