Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS |
Eduardo Pellanda entra no carro, pressiona um botão ao lado do volante e o motor é acionado. Ele sequer retira do bolso a chave, que serve apenas para informar ao veículo que o proprietário está presente. No painel, acendem-se duas telas de LCD. Uma delas indica que abateria está 97,5% carregada e que a autonomia é de mais 118 quilômetros, ou 132, com o ar-condicionado desligado. O outro monitor, maior, funciona como central de informações e oferece todo tipo de dados e imagens sobre as condições do veículo e das ruas.
O freio de mão limita-se a uma tecla – situada entre os bancos dianteiros –, que Pellanda pressiona. O veículo começa a se mover. Não tem um sistema de marchas, porque não precisa, e pode alcançar os 100 km/h em sete segundos. Mas o professor está no campus da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e manobra em baixa velocidade. O automóvel segue em frente sem produzir qualquer ruído. A sensação é a de uma nave espacial avançando no vácuo.
Pellanda é proprietário de um carro com motor elétrico, movido a bateria (um i3, da BMW). Todos os dias, desconecta-o da tomada para sair de casa. A ausência de um motor convencional e da necessidade de combustível significa que o veículo não emite poluentes. O professor puxa o celular, abre um aplicativo que se comunica ao chip 3G com o qual o carro veio da fábrica e exibe sua estatística preferida: até aquele momento, depois de apenas um ano e de 15 mil quilômetros percorridos, já deixara de jogar na atmosfera 1,3 tonelada de dióxido de carbono.
– A ideia é ter um carro sustentável. É uma bandeira que tento carregar, para influenciar outras pessoas a partir disso – diz o professor de comunicação digital.
Pellanda faz parte de um grupo extremamente restrito de brasileiros. Conforme dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), circulam hoje pelos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território nacional cerca de 300 carros totalmente a bateria, uma frota tão irrisória que poderia ser integralmente estacionada no Largo Glênio Peres, na região central de Porto Alegre.
O custo ajuda a explicar essa raridade. Quem adquiriu um veículo desses teve de fazer um desembolso robusto. Os modelos disponíveis são importados e custam para cima de R$ 100 mil, bem mais do que um automóvel convencional com potência e conforto equivalentes. Além disso, para carregar a bateria, o proprietário de um elétrico precisa deixá-lo conectado à tomada por um período que pode chegar a 20 horas. E tudo isso para obter uma autonomia com frequência limitada a algo como cem ou 150 quilômetros.
Percorrida essa distância, o condutor vai encontrar nas ruas e estradas brasileiras um sistema de postos de recarga que se aproxima do zero. Dito assim, optar por um carro elétrico pode parecer a roubada do milênio. Mas a verdade é que existem razões sólidas para acreditar que o mundo está às portas de uma revolução que vai reconfigurar a indústria automobilística, virar de pernas para o ar o setor energético, criar novos paradigmas de sustentabilidade e, em um momento não muito distante, colocar um automóvel movido abateria dentro de cada garagem.
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS |
Uma transformação já perceptível nas ruas
Ainda que, no Brasil, a revolução dos carros elétricos esteja na primeira infância, e que no mundo todo apenas 1% dos automóveis vendidos seja desse tipo, em muitas sociedades trata-se de uma transformação já perceptível nas ruas, na forma de veículos que circulam sem gerar barulho ou que permanecem estacionados com cabos a ligá-los a carregadores instalados nas calçadas. Na Noruega, 30% dos carros vendidos são assim. Na China, foram 400 mil novos veículos elétricos a ganhar as ruas só em 2016. No Reino Unido, a venda de carros a diesel e gasolina deve ser proibida a partir de 2040.
As montadoras perceberam para onde o vento sopra e não param de lançar modelos. Em comunicado recente, a sueca Volvo informou que, daqui a dois anos, todos os seus carros terão motor elétrico. A Volkswagen, maior fabricante mundial, pretende colocar no mercado 30 diferentes automóveis movidos a bateria em oito anos.
Uma das forças que movem essa engrenagem é de ordem ambiental. Os veículos a combustão consomem quase metade do petróleo produzido no mundo e despejam na atmosfera 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono a cada ano. Estão entre os grandes vilões do aquecimento global. Os carros elétricos, por sua vez, têm emissão zero.
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A consequência é que há uma pressão cada vez maior para inibir um tipo de tecnologia e estimular o outro. A estratégia que tem sido adotada é, por um lado, exigir dos fabricantes veículos menos poluentes e, por outro, fazer com que os elétricos,apesar de mais caros, tornem-se atrativos economicamente para o consumidor, via redução de impostos, isenção de pedágios, estacionamento gratuito.
Essa é a receita adotada pela Noruega, um país de 5 milhões de habitantes que, até o fim do ano passado, já tinha emplacado 100 mil carros a bateria. A previsão é que, dentro de três anos, o número suba para 400 mil, ou seja,70% das vendas do país nórdico.
Muitos outros países seguem a mesma trilha. A China, por exemplo,que responde por mais da metade da venda de elétricos, está em vias de criar uma cota de 8% de mercado para esse veículos já no ano que vem.
– Os próprios acionistas das montadoras estão se dando conta de que, daqui a 20 anos, o veículo de combustão interna deixará de fazer sentido. É um processo inevitável. Em outros países, isso já é algo do cotidiano. Claro que eles estão pagando o preço do pioneirismo.O veículo elétrico custa US$ 10 mil,US$ 15 mil mais caro, mas essas sociedades entenderam que os benefícios ambientais compensam o investimento inicial. O elétrico ainda parece algo do futuro, mas às vezes o futuro nos atropela – diz o engenheiro e doutor em sustentabilidade energética Ricardo Fujii, analista da organização WWF Brasil.
Efeitos para o meio ambiente e saúde
Fujii calculou o que significaria para o Rio Grande do Sul seguir o exemplo da Noruega e chegar a uma frota com 30% dos carros a bateria. Nesse cenário, 2 milhões de toneladas de CO2 deixariam de ser produzidas por ano, o equivalente a 16% das emissões de todo o setor de transportes.
– Além de conter a emissão dos gases de efeito estufa, haveria um impacto em todos os outros poluentes que afetam localmente, como particulados, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre, que têm efeito na saúde pública, geram problemas respiratórios especialmente nos mais frágeis, como idosos e crianças, aumentam o risco de infarto – observa o especialista.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) a poluição do ar causa 3,7 milhões de mortes ao ano. Nos EUA, as emissões de poluentes pelos carros estariam relacionadas a 53 mil mortes anuais, quase o dobro das vítimas de acidentes de trânsito.Além da questão ambiental, a outra engrenagem em andamento que faz muitos analistas preverem o triunfo dos elétricos tem a ver com o custo.
Apesar dos incentivos e subsídios, o carro a bateria ainda é bem mais caro do que o convencional, atraindo principalmente um consumidor de nicho. Mas há uma tendência clara de que, em poucos anos, a equação se inverta e seja mais barato optar pelo automóvel sem emissão de poluentes.
O elemento chave, aqui, é a bateria. É ela que torna os elétricos mais caros. Cada kilowatt/hora de capacidade de armazenamento significa um custo adicional de US$ 200 no veículo. Para que ele tenha uma boa autonomia, a necessidade é de 50 a 60 kilowatts/hora. É só fazer as contas. Para ter essa capacidade, apenas a bateria custa mais de US$ 10 mil, o equivalente ao preço de um carro popular no país. É verdade que a manutenção é cerca de 30% mais barata (são carros sem óleo de motor, radiador e câmbio)e que o custo de abastecer com eletricidade é menor.
Um carro que ande 20 mil quilômetros por ano gasta em torno de R$ 6,5 mil em gasolina nesse período. Se fosse elétrico, o custo seria de R$ 3,5 mil. O problema é que seria necessária uma década para pagar o investimento inicial extra. Ou seja, não compensaria. Mas logo deve compensar. O custo das baterias tem caído de forma vertiginosa. Em 2010, as células para armazenar um quilowatt/hora saíam por US$ 1 mil, mais de quatro vezes o preço atual.
O ritmo do desenvolvimento tecnológico, e da correspondente queda de custos, tem sido constante. A expectativa é de que,em uma década, o preço da bateria caia para US$ 100 por kilowatt/hora e já seja mais econômico ter um carro elétrico do que um convencional. Diante dessa tendência, as consultorias especializadas foram forçadas a rever suas estimativas de participação dos elétricos no mercado.
A previsão inicial era de que, em 2025, eles corresponderiam a 4% dos carros. Agora, no entanto, o banco Morgan Stanley já fala em 7%,com a venda anual de 7 milhões de unidades, enquanto o BNP Paribas eleva o índice para 11%, e o UBS, para 14%. Apenas a Volkswagen projeta vender entre 2 milhões e 3 milhões de veículos elétricos por ano já em 2025.
Engana-se quem pensa que a indústria automobilística sairá abalada dessa transformação. É verdade que a mudança pode ser vantajosa para a inserção de novos players – caso da norte-americana Tesla, que surgiu como primeira marca a fazer exclusivamente carros elétricos de alto padrão –,mas as grandes montadoras são as responsáveis pelos principais investimentos no setor e já preveem fazer mais dinheiro com veículos abateria em pouco mais de 10 anos.
Zero Hora – RS