A novela começou no dia 9 de novembro de 1999, quando o Ministério Público ajuizou uma ação civil pública contra as sete empresas de ônibus que prestavam o serviço para a cidade e contra o município de Natal, administrado então pela prefeita Wilma de Faria. Os pontos principais da ação eram o pedido de nulidade das permissões outorgadas para as empresas exercerem o serviço e a exigência de que a Prefeitura desse início ao processo de licitação tão logo os atuais termos de permissão fossem encerrados.
A ideia era catalisar a licitação do transporte público. As permissões que as empresas tinham para operar eram anteriores à Constituição de 88 e estavam sendo continuamente renovadas com base na Lei 8.987/95, que possibilita a validação de permissões para que o serviço público não sofra interrupção.
O juiz responsável pelo processo, Cícero Martins de Macêdo Filho, da 4ª Vara da Fazenda, emitiu uma sentença a respeito da ação ajuizada pelo MP, pouco mais de um ano depois, no dia 8 de janeiro de 2001. Embora negasse o pedido de nulidade imediata das permissões, a sentença foi favorável a todos os outros pontos requeridos pelo MP, como a resolução de que as empresas e o município teriam que construir infraestrutura de acesso para deficientes físicos, idosos e gestantes.
O ponto crítico, no entanto, foi à determinação de que o prazo da prorrogação da validade jurídica das permissões que as empresas de ônibus tinham não poderia, em hipótese alguma, ultrapassar os sete anos – e, assim que o prazo acabasse, a tão desejada licitação deveria ser promovida pelo município.
O período entre janeiro de 2001 e junho de 2010, quando acabou expirando o prazo das concessões, representou uma espécie de tempo morto para a questão judicial. Como as empresas tinham suas permissões asseguradas e a determinação da Justiça estabelecia que a licitação só ocorreria quando terminasse a validade das concessões, não houve avanço algum no processo licitatório durante o final da gestão de Wilma de Faria, toda a administração de Carlos Eduardo (2002-2008) e a primeira metade da gestão de Micarla de Sousa.
Devido a inúmeros recursos tanto do município como das sete empresas, o processo acabou desembocando no Superior Tribunal de Justiça (STJ), voltando para ser arquivado na 4ª Vara da Fazenda da Comarca de Natal apenas em setembro de 2010. Ficou determinado que a Prefeitura de Natal deveria dar início aos procedimentos da licitação, uma vez que a concessão que as empresas de ônibus tinham já haviam vencido.
Passaram-se ainda sete meses sem que o município, já então sob a tutela de Micarla de Sousa, sequer sinalizasse com o início do processo licitatório. Por isso, em abril de 2011, o Ministério Público pediu o desarquivamento do processo e solicitou a execução da sentença do STJ. Somente no dia 22 de junho o município apresentou o primeiro cronograma da licitação, que estabelecia o mês de setembro de 2012 como limite para a celebração dos contratos de concessão.
Poucos dias mais tarde, em 8 de julho, a Procuradoria Geral do Município ainda apresentou um cronograma novo e que previa um procedimento de menor duração, que culminaria com a celebração dos contratos das concessões em março deste ano. O limite passou sem que nada fosse cumprido e não houvesse nenhuma manifestação do município a respeito.
Por causa de todos os atrasos o MPE solicitou à 4ª Vara da Fazenda a aplicação de uma multa de R$ 50 mil por dia pelo descumprimento do programa no dia 18 de agosto de 2011; depois de aceitá-lo parcialmente, o juiz Cícero Macêdo decidiu aguardar que a Prefeitura desse início ao procedimento da licitação sem multá-la para, dentre outros pontos, não prejudicar a população, que, em sua opinião, acabaria arcando com esses gastos.
Tema complexo: Com as 2.482 páginas do processo e 689 páginas dos documentos anexos empilhadas na mesa do seu escritório, Cícero Martins de Macêdo Filho, juiz da 4ª Vara da Fazenda e que acompanha o procedimento desde 99, comenta sobre o assunto com o Novo Jornal, exasperado. São tantos autos, documentos e requisições que ele nem se lembra da maioria. Contudo, o magistrado não fica surpreso com a longuíssima duração do processo.
Macêdo explica que é comum que as negociações de temas complexos como a licitação do transporte urbano degringole em pesadelos burocráticos dignos de uma narrativa de Franz Kafka. “Todas as partes recorreram, tantos as empresas quanto o município. Isso já faz com que o processo demore bastante. E depois tudo ainda foi para no STJ, que é uma loucura. São muitos procedimentos sendo avaliados, fazendo com que cada resolução demore muito”, justifica.
Além de toda burocracia jurídica, o tema é delicado e requer muito tempo e cuidado para ser tratado: todas as 689 páginas dos documentos anexos apresentados pelo juíz consistem em estudos sobre as rotas, horários, vias e veículos que basearam a elaboração do edital que tramita na Câmara.
O magistrado responde também o motivo de ter estabelecido sete anos de prorrogação para a validade jurídica das permissões que as empresas de ônibus tinham para atuar na cidade, fazendo com que a preocupação de se licitar o serviço ficasse em segundo plano para os empresários e gestores, e de ter decidido não aplicar a multa solicitada pelo MP ao munícipio pelos atrasos no prazo. “Na época, as empresas estavam investindo na sua frota, em seus serviços. O prazo determinado foi escolhido em função do equilíbrio econômico, ou seja, o tempo suficiente para que houvesse o retorno para as empresas de todo dinheiro que foi investido”, explica.
Em relação ao indeferimento da multa, depois de tê-la parcialmente acatado, Macêdo conta que se baseou no princípio da razoabilidade: “Eu tomei conhecimento em uma reportagem de jornal do dia 30 de maio que a Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana) estava se mobilizando para deflagrar o processo licitatório. Além disso, o valor cobrado ao município acabaria sendo arcado pela sociedade natalense”, arremata.
Multa milionária: De acordo com a promotora substituta da 44ª Vara do Patrimônio Público e atual responsável pelo processo referente à licitação do transporte público de Natal, Beatriz Azevedo, o Ministério Público recorreu da decisão do juíz Cícero Macêdo a respeito da multa que seria aplicada. O caso tramita no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte e será julgado no dia 20 deste mês, tendo como relator o desembargador Amílcar Maia.
A promotora rebate o argumento de Macêdo de que seria o povo natelense quem arcaria com os custos da multa de R$ 50 mil por dia de atraso, uma vez que a sanção seria aplicada à prefeita Micarla de Sousa, e não ao município. “Nossa tese no recurso é que a multa deve ser aplicada pessoalmente ao gestor que descumpriu a sentença, e não arcada pela população de Natal”, explica.
Beatriz acrescenta: “Entendemos que a multa imposta deve incidir desde março de 2012, de acordo com o cronograma que foi apresentado pelo próprio município e que, até o momento, não foi cumprido”. Isso significa que a prefeita teria que pagar, caso o TJRN julgue procedente a ação do MP, a exorbitante quantia de R$ 9 milhões pelos atuais seis meses de atraso, sem contar com o tempo que ainda resta para a licitação ser concretizada.
Questionada sobre como o Ministério Público irá agir em relação ao assunto a partir de agora, a promotora da 44ª Vara assinala que somente depois do TJRN emitir seu entendimento jurídico sobre a questão da multa, no dia 20, as medidas processuais cabíveis serão tomadas. Ela destaca que, em conjunto com a Promotoria do Patrimônio Público, as promotorias do Consumidor e do Meio Ambiente estão envolvidas com o tema da licitação para contratação das concessionárias do serviço público de transporte de passageiros.
Fonte: Novo Jornal