Procurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado (MPjTCE), Luciano Ramos defende a necessidade primordial que o órgão e o controle social precisam ter sobre as planilhas de receita das empresas concessionárias do transporte público em Natal.
A abertura dessa “caixa preta” no transporte público pode ajudar a nortear o projeto do Passe Livre, que é tão discutido nas últimas semanas entre Executivo, Legislativo e a sociedade.
“O primeiro passo, será sempre abrir esses dados, que não só o controle social tem dificuldade de acesso, como o Tribunal de Contas. Isso o TCE internamente já tem os meios, é só questão de eu minutar representação para fazer isso de maneira substancial”, explicou Luciano.
Ao portalnoar.com, ele ainda comentou sobre o Passe Livre, concorrência para novas empresas, licitação dos transportes e falta de novas alternativas além do ônibus. “Nas contas entre receita e despesa, se houver equilíbrio, a decisão para conceder o Passe Livre será política”, explicou.
Confira, em tópicos, a entrevista com o procurador do MPjTCE:
Acesso às planilhas das empresas: “Em todos os estados há uma dificuldade de abertura da planilha, acesso às informações precisas de como esses serviços, que são públicos, são remunerados. Então o primeiro passo será sempre abrir esses dados, que não só o controle social tem dificuldade de acesso, como o Tribunal de Contas. Isso o TCE internamente já tem os meios. É só questão de eu minutar representação para fazer isso de maneira substancial. Ao lado disso, buscar um intercâmbio com esses técnicos que realizaram o trabalho no Rio Grande do Sul venham ao nosso estado via Escola de Contas, no momento em que se discute o edital de lançamento de licitação, esses achados técnicos sejam levados em consideração. No TCE-RN tem a vertente pedagógica também, por isso buscamos a capacitação técnica para chegarmos substancialmente ao valor da tarifa, com possibilidade de serem tantos centavos a menos do que é cobrada hoje. Primeiro passo é ter pleno acesso a isso, o que nos garante a lei de acesso à informação”.
Passe Livre: “O Passe Livre para estudante ou para outras categorias é uma opção política, que deverá ser travada entre o Executivo e o Legislativo, com a participação popular discutindo essa situação. Porém, esta opção política para entrar no mundo jurídico pressupõe que se diga como será a fonte de custeio. Não basta fazer a opção, senão será um protocolo de intenção. Para que haja viabilidade é preciso que mostre como será custeado. Como hoje a tarifa é calculada, se você não tem de maneira clara como as receitas entram colocar mais uma gratuidade no sistema poderá fazer com que gere reflexo sobre outros aspectos que já são problemáticos, como a qualidade do serviço. Se temos a noção da total metodologia de cálculo, como se chega a isso, aí teremos condição acaso seja feita uma opção política pela gratuidade, já tenha a resposta de onde será custeada. Essa dificuldade se houvesse mudança de modelo, o cálculo seria muito mais simples porque você teria o custo que o ônibus significa com as gratuidades. Algumas gratuidades que são extensão das que hoje já existem, dependem da metodologia de cálculo para custear, nas contas entre receita e despesa, se houver equilíbrio, a decisão para conceder o Passe Livre será política”.
Prazos: “Com relação às representações, acho preferível não divulgar prazos, é um trabalho complexo que vai exigir estudo, porém evidentemente com a perspectiva de haver uma licitação em curto prazo, esse trabalho vai seguir mesmo procedimento. Antes da licitação isso já estará concluído. Os estudos internos já estão sendo feitos, alguns procedimentos e na próxima semana algumas requisições já serão encaminhadas para o fornecimento dessas informações”.
Nova licitação: “Quem vai reger isso é de um lado a Lei, porque houve um projeto de lei encaminhado para a Câmara Municipal, é até questionável se havia necessidade, já que o próprio Executivo já tem autorização tanto na Constituição, quanto na Lei de Concessões 8987/95 para fazer isso diretamente, o transporte coletivo já é concedido. Essa opção da metodologia é em primeira análise do Executivo que terá que justificar a escolha, o TCE estará preparado para analisar esta opção e se ficar demonstrado que gera danos, então poderá se impugnar esse edital e apontar que a forma de cálculo deve ser atualizada”.
Redução da tarifa: “A partir do momento que se tiver acesso aos dados é que saberemos se haverá possibilidade de redução e quanto seria, é preciso analisar inicialmente os números e também acontece uma reação indevida quanto às empresas abrirem esses dados sob a luz do sigilo fiscal, comercial, só o que acontece é que essas empresas são concessionárias de um serviço público, elas estão autorizadas a cobrar do público, valores como se Poder Público fosse, quanto a prestação do serviço. Então esses recursos oriundos dessa tarifa tem sim possibilidade de controle pelo Tribunal de Contas. Os cálculos que foram feitos, os custos que se tem em relação a cada ônibus, tudo tem que ser disponibilizado para o TCE e para a sociedade que paga a tarifa. Não só abertura de informações ao concessionário, como aquele que presta o serviço. O fato de ser iniciativa privada não o exime de responsabilidade de informações, quando atua em serviços públicos”.
Falta de alternativas de transporte: “A opção pelo ônibus quase em toda a predominância é ultrapassada, nós já deveríamos em Natal estar discutindo outras formas de transporte público, como trens, metrô, Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), o mundo discute outros modais e aqui nós estamos discutindo ainda regulamentar algo que já deveria ter sido regulamentado há muito tempo, além disso, a dificuldade de acesso aos dados acontece em todo o país”.
Sem Concorrência: “Há também dificuldade de novas empresas entrarem nesse mercado, isso Brasil afora também, o Município tem que pensar em um modelo que garanta o lucro da empresa, mas também de maneira que não se crie um monopólio, em que há décadas se tem os mesmos empresários sendo responsáveis por aquele determinado serviço, é preciso que haja uma abertura para que novos interessados entrem justamente para fomentar a eficiência desse sistema. Enquanto houver um nicho em que poucos têm condição de explorar, então haverá esse problema. Essas discussões precisam ser travadas aqui, o critério será a menor tarifa? Quanto mais os proponentes diminuam a tarifa aí sim haverá a concessão, ou será a menor margem de lucro do licitante? Então tudo isso tem que ser pensado dentro de um modelo que vise à qualidade do serviço, ônibus novos, com número de frota adequada, extensão do percurso com regularidade, tudo isso tem que ser discutido de maneira muito bem pensada de maneira global e sistêmica, em que o próprio sistema gere mecanismos para a eficiência desse serviço”.
Fluxo de Caixa: O procurador Luciano Ramos explicou como seria um modelo moderno e simples de cálculo da tarifa, “Nos novos processos de licitação se busca uma metodologia diferente, o nome técnico é ‘fluxo de caixa’, você vai desde o início da licitação dizer qual é o retorno esperado que aquele empresário terá de uma maneira muito simples, sabendo qual é o custo que se tem para o ônibus operar, entrando aí todos os insumos, os investimentos necessários e quanto foi rodado cada ônibus, através da contagem do GPS, odômetro e se remunera a partir disso, ou via tarifa que você tem o cálculo de quantas pessoas irão utilizar aquele percurso, ou via receitas decorrentes daquele serviço, e não está claro no nosso Município se é computado, por exemplo, a publicidade embarcada que gera uma receita substancial para as empresas de ônibus, como publicidade em TVs dentro do ônibus, quanto no outbus ou nas paradas de ônibus que também geram receita e deveriam ser computadas quando do cálculo da tarifa e da forma como está hoje não fica claro, toda essa discussão técnica no momento que Natal está para licitar o transporte público, e assim espero porque já o faz com atraso, então tudo isso tem que ser discutido e previamente verificado o planejamento para que haja um serviço adequado não só com qualidade, mas também com tarifas condizentes com a necessidade que se tem de utilizar aquele serviço que é essencial ligado ao direito de locomoção das pessoas, então tem que ser tratado de maneira adequada e precisa”.
Foto: Wellington Rocha (Portal No Ar)
Fonte: Portal No Ar