Para professor, país erra ao subsidiar compra de veículos e combustíveis

Um dos representantes brasileiros no painel internacional sobre mudanças climáticas, o professor Luiz Pinguelli Rosa alerta que a prioridade conferida ao enfrenta-mento do efeito estufa e do aquecimento global não tem sido proporcional à gravidade do problema. Em paralelo, a frequência e o impacto dos grandes fenômenos naturais estão se intensificando. “Filipinas, Nova Orleans, Nova York: não faltam exemplos de eventos extremos nos últimos cinco, seis anos”, enumera.
No caso brasileiro, cujo território é poupado de furacões e nevas-cas, tempestades e enchentes têm suas consequências agravadas pelas ocupações irregulares de margens de rios e encostas de terrenos arenosos ou argilosos. “Da combinação, surgem os grandes desabamentos, que se abatem principalmente contra a população mais pobre, mas não apenas contra ela”, alerta, lembrando os exemplos de Angra dos Reis e do Vale do Cuiabá, em Itaipava, na Região Serrana do Estado do Rio.
O Brasil, para Pinguelli, tem uma boa política climática, aproveitando bem seus trunfos e assumindo compromissos que tem condição de atender, fortalecendo assim seus argumentos em favor de um pacto global pela redução de emissões. “(O presidente) Lula foi muito inteligente ao assumir metas de redução de desmatamento, pois isto esvaziou grande parte das pressões internacionais e fez com que nos antecipássemos ao que seria cobrado quanto à nossa principal contribuição para o efeito estufa, que era o avanço sobre a floresta”, comenta.
O problema é que falta coerência na política energética e de desenvolvimento, mais global, para respaldar os compromissos climáticos assumidos. “Mesmo importando energia da Amazônia não brasileira, em parceria com Colômbia, Peru ou Venezuela, a hidrele-tricidade não terá força do passado em nossa matriz”, adverte. O uso das térmicas tem sido mais fre-quente, entre 12% e 20% da matriz energética, devendo aumentar no futuro próximo.
Fora isso, na matriz de transporte, a indústria sucroalcooleira não se recuperou dos efeitos da crise financeira global de 2008, o que pressiona a demanda por gasolina e prejudica geração de energia por biomassa (bagaço de cana), conforme alerta o professor Nivalde de Castro, da UFRj. A perda de competitividade no setor levou a uma antes impensável importação de etanol de milho dos EUA, a preços compensadores. Não por acaso, a retirada da sobretaxa sobre o etanol brasileiro não resultou no aumento esperado das vendas para o mercado americano, o maior do planeta.
A defasagem do preço dos combustíveis em relação à média internacional desestimula a adoção de tecnologias poupadoras de recursos e represa os preços do álcool, dada a paridade com a gasolina, mesmo nos períodos de entressa-fra. Assim, a política tarifária induz a um aumento de consumo de combustíveis e, por conseguinte, das emissões poluentes. “A Petro- bras retomou os investimentos em refino, o que permitirá ao país reduzir as importações de derivados, hoje uma das maiores fontes de pressão sobre a balança comercial. Só que o espaço do etanol terá que ser recuperado, por razões ambientais e socioeconômicas”, adverte Pinguelli.
Desafio semelhante terá que ser enfrentado na eletricidade, em que será preciso um aumento real muito grande do preço das tarifas para custear os investimentos em fontes renováveis. “Uma saída encontrada pelo governo em casos semelhantes, como a indústria automobilística, foi a redução de impostos, para que o ganho líquido do setor privado aumente sem obrigar a reajustes ao consumidor”, exemplifica o diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe).
O problema é a grande dependência dos Tesouros estaduais quanto aos impostos sobre a energia, o que limita a margem de manobra da União no corte de taxas. “O Grupo Eletrobrás está em dificuldades, o que afeta particularmente os investimentos em transmissão. É um segmento do qual o País é fortemente dependente, pois o potencial de geração hidráulica está muito longe dos principais centros de consumo. Nele, as parcerias com as estatais geradoras são muito importantes para os investidores privados, que dificilmente assumem integralmente o risco em uma atividade tão fortemente regulada”, argumenta.
O forte crescimento da frota de automóveis, com três milhões de novos veículos nas ruas todos os anos, é outro desafio para a política ambiental. “É o automóvel para o povo, com seu admirávelefei-to multiplicador sobre a indústria, como há um século nos EUA de Henry Ford. Só que nosso conhecimento sobre Poluição hoje é outro, e temos que encontrar soluções sustentáveis. Com os aviões, é a mesma coisa. Os ex-pobres estão lá, e não vão sair. O “rolezinho” chegou aos aeroportos de vez, e a demanda por querosene explode”, compara.
O crescimento da Chinaeare-distribuição de renda iniciada no Brasil põem na ordem do dia a discussão sobre o modelo econômico baseado em uso crescente de recursos naturais finitos e consumo individual, diz Pinguelli. “O padrão de vida da Humanidade, nos termos adotados no Primeiro Mundo, é intolerável. A discussão climática repôs a agenda da solidariedade, do compromisso com o coletivo, que andava em desuso. No choque do petróleo, na década de 70, vivi um tempo em Cristia-na, uma cidade entre Udine e Mon-tefalcone, e era proibido usar auto -móvel. Sem soluções inteligentes e coordenadas, é o risco que corremos no planeta”, adverte.

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