Trocar o uso de carros particulares e táxis pelo ‘Uber do ônibus’ poderia acabar com engarrafamentos, reduzir os custos de transportes em 55% e diminuir o tempo de viagem de quem mora em áreas periféricas. É o que conclui estudo sobre como seria a cidade de Lisboa (Portugal) com uso de veículos coletivos compartilhados, divulgado nesta quarta-feira (6) pelo ITF (Internacional Transport Forum), órgão da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o setor de transporte.
O “Uber do ônibus” seriam veículos com oito lugares e 16 lugares acionados por smartphones, semelhante ao sistema utilizado pelo Uber e outros aplicativos de compartilhamento. O estudo é o prosseguimento de trabalho realizado dois anos atrás que testou sistemas de compartilhamento de carros particulares, mostrando que eles podem ser danosos para cidades sem sistema de transporte de alta capacidade.
Os pesquisadores José Viegas e Luiz Martinez simularam as 1,1 milhão de viagens/dia na cidade de 550 mil habitantes comparando o padrão atual – em que 50% delas são feitas em carros, motos e táxis; 21% a pé; e o restante em transporte público – com esse novo sistema com veículos coletivos compartilhados.
No cenário mais otimista estudado, a cidade teria apenas esse sistema de coletivos compartilhados e veículos de transportes de trilhos (metrô e trem), sem uso de carros. A estimativa é de que seriam necessários o dobro do número de táxis em circulação hoje e o sêxtuplo do número de ônibus da cidade para dar vazão a toda a demanda. Os trens e metrôs continuariam em funcionamento e seriam mais usados que atualmente.
Segundo o pesquisador, os resultados apontam para significativas reduções de custos, que na simulação sem carros particulares circulando poderia fazer com que um gasto de 10 euros semanais, por exemplo, pudessem cair para 3,9 euros. Mesmo num cenário com a cidade ainda utilizando com 60% dos carros particulares atuais, os custos cairiam 55%.
A quantidade de veículos por quilômetro nas horas pico, quando em geral há engarrafamentos, seria um terço menor e as cidades poderiam deixar 97% da área hoje usada para estacionar carros livre para outros usos.
Os resultados de engarrafamento e redução de área de estacionamento também são melhores que os atuais para a simulação com 60% do uso de carro privado, mas nesse percentual os ganhos deixam de ser significativos para justificar a mudança, segundo os autores.
“Projetamos o dia depois do big bang”, brincou José Viegas, que é também presidente do ITF, em entrevista após a divulgação do trabalho.
Um problema comum: Segundo ele, o cenário de aumento de custos de transportes e necessidade de redução de gastos de governos com subsídios a transportes tende a forçar a necessidade de novas soluções para o setor. A cidade de São Paulo já gasta R$ 2 bilhões por ano com subsídio para manter o preço das passagens nos níveis atuais, sem repassar todo custo aos passageiros.
Em todo o país, o sistema de transporte por ônibus está em crise, com empresas quebrando, greves de motoristas, envelhecimento da frota e outros problemas ocasionados pela queda do número de usuários nos últimos anos.
Segundo Viegas, outras cinco cidades na Irlanda, Finlândia, Nova Zelândia e Austrália já estão acertando fazer estudos semelhantes. Para ele, é possível que trabalhos também sejam feitos também em grandes cidades do mundo. O que vai avaliar toda a região metropolitana de Lisboa, com 3 milhões de habitantes, está em andamento.
Na análise do autor, acabar com o uso de carros particulares em grandes cidades será um desafio, mas já começa a ser algo mais próximo da realidade. Para ele, a questão passa a ser como fazer a transição. O órgão trabalha em estudos para restringir o uso em dois dias da semana até chegar a todos os dias.
Viegas alertou ainda que esse cenário deve começar a ser considerado pelos planejadores urbanos já que investimentos em grandes obras poderão dar os mesmo resultados que mais investimento em tecnologia de compartilhamento, muito mais baratos.
Desigualdade: Viegas lembrou o principal resultado alcançado no estudo foi o que os pesquisadores chamaram de redução da desigualdade nos transportes. O trabalho mostra que, para a região da periferia de Lisboa, mais de 75% dos usuários ficam mais de 30 minutos por viagem no transporte ao trabalho. Para quem mora nas áreas centrais, mais caras e menos acessíveis aos mais pobres, menos de 25% das pessoas gastam esse tempo no transporte.
O uso dos ônibus compartilhados faz com que, em praticamente toda a cidade, mais de 75% dos moradores cheguem ao trabalho em menos de 30 minutos, aponta o estudo. O mesmo ganho ocorreria para o acesso a escolas e hospitais. Na média, um índice criado pelos pesquisadores reduz em 90% a desigualdade na utilização do transporte com o sistema compartilhado.
O estudo afirma que as tecnologias de compartilhamento já poderiam hoje ser usadas melhorar a qualidade de vida e reduzir as desigualdades causadas pelos transportes. E alerta que os governos devem supervisionar seu uso para evitar situações de abusos de mercado.
Foto: Daniel Castellano (Gazeta do Povo)
Fonte: Gazeta do Povo (PR)