foto: Thomas Samson/AFP |
PARIS – Em diferentes cidades da Europa, prefeituras e administrações regionais estão estudando neste momento – e a sério – uma hipótese até há pouco considerada impensável: a gratuidade do transporte coletivo. A exemplo do que ocorre em 38 cidades francesas, um projeto vem sendo analisado na capital, Paris, para abolir as catracas de metrôs e ônibus, ao mesmo tempo em que a administração busca fórmulas para compensar as perdas financeiras com a gratuidade de diferentes modais.
Na França, as cidades que já adotaram a gratuidade têm em comum o porte médio – para os padrões locais. São municípios de menos de 100 mil habitantes, com exceção de três dentre eles: Dunkerque, o mais célebre, na fronteira com a Bélgica, Aubagne e Niort. Em Dunkerque, a experiência deu certo, e os coletivos são gratuitos. O objetivo da prefeitura é claro: reduzir a presença de automóveis nas ruas e, com isso, a poluição e os custos correlatos em saúde pública.
A iniciativa também vem sendo cada vez mais observada de forma atenta por prefeitos e ministros dos Transportes em outros países. Projetos-piloto também existem em Estônia, República Checa, Reino Unido, Suécia, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Islândia, Polônia e Romênia.
O desafio, no caso de Paris e de outras cidades de maior porte, como Clermont-Ferrand, é encontrar uma compensação para o valor que se deixa de arrecadar. Para a prefeitura parisiense, o valor em questão é de € 2,8 bilhões/ano (o equivalente a R$ 10,7 bilhões) embolsados com vendas de passagens, que representam cerca de 30% do custo total do sistema.
O problema é que pode ser apenas o início da fatura, que poderia chegar a € 6 bilhões (R$ 27,9 bilhões) em razão do aumento do número de passageiros. O fluxo maior obrigaria a aumentar a frequência dos metrôs, logo implicando custos trabalhistas elevados.
Em Paris, o aumento da demanda é assunto sensível, pois parte da rede já enfrenta a saturação em horários de pico, tornando a capacidade de absorção de um fluxo adicional de passageiros limitada. Em Aubagne, o fluxo de passageiros triplicou desde o início da gratuidade. Além disso, as experiências realizadas em cidades de menor dimensão indicam um aumento de riscos de vandalismo e destruição do patrimônio, segundo Yves Crozet, economista especializado em Transporte.
Para arcar com os custos, uma das alternativas seria a adoção de um pedágio urbano, como o já existente em Londres.
Hipóteses. Apesar das adversidades, o tema vem sendo estudado a pedido da prefeita de Paris, Anne Hidalgo. Entre as hipóteses estão a gratuidade total, a liberação de catracas durante o dia, a exclusão de turistas, que teriam de seguir pagando, ou ainda a liberação de pagamento por critérios sociais de renda.
Para determinar o modelo e o impacto financeiro, um grupo multidisciplinar de pesquisadores, sob o comando do Laboratório Interdisciplinar de Avaliação de Políticas Públicas (Liepp), do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), recebeu em março passado a incumbência de examinar pistas de financiamento alternativo. “É preciso avaliar se existe um modelo econômico viável”, ponderou Anne Hidalgo, deixando claro que não se compromete com a medida se não houver compensações ao erário. “Até aqui, nada nos diz que seja possível.”
O Estado de SP