Vários estudos e pesquisas relacionam negativamente os deslocamentos urbanos diários com o bem-estar das pessoas e a satisfação com a vida.
No entanto, também pode haver benefícios a eles associados. Em teoria, uma pessoa escolhe e aceita um deslocamento diário maior pela cidade quando há alguma recompensa, por exemplo, no mercado de trabalho, com oferta de melhores salários ou perspectivas de carreira, ou então no setor habitacional, com imóveis mais agradáveis para morar e com preços de venda mais baixos.
Foto: Rodrigo Soldon/VisualHunt – Ilustração/UNIBUS RN |
Contudo, para compreender de forma mais abrangente os efeitos dessa associação, o Office for National Statistics (ONS), o mais importante centro de pesquisas e estatísticas oficiais do Reino Unido, publicou estudo no qual é analisada a relação entre deslocamentos diários e o bem-estar das pessoas, investigando especificamente o tempo usual de deslocamento, os modos de viagem e a comparação entre aqueles que têm necessariamente de se deslocar diariamente e os que não necessitam fazê-lo.
Os pesquisadores entrevistaram 60.200 pessoas uniformemente distribuídas por todo o Reino Unido. Delas, 91,5% foram qualificadas como pessoas com a obrigação de se deslocar diariamente.
Para analisar a influência do tempo de deslocamento, foi avaliada a importância dos tempos de viagem no bem-estar das pessoas, divididos por faixas de 1 a 15 minutos, de 16 a 30 minutos, de 31 a 45 minutos, de 46 a 60 minutos, de 61 a 90 minutos, de 91 a 179 minutos, e de 180 minutos ou mais.
Os resultados indicaram que, mantidas as demais variáveis, o bem-estar e os níveis de felicidade começam a cair e a ansiedade a subir após os primeiros 15 minutos de viagem. Esses aspectos do bem-estar pessoal não são afetados negativamente, e de forma significativa, até que o tempo de deslocamento alcance 30 minutos, no caso de atividades diárias consideradas importantes. Na maioria dos casos, os piores efeitos do tempo de deslocamento no bem-estar pessoal foram identificados quando as jornadas duraram entre 60 e 90 minutos.
Quando o tempo de viagem alcança três horas ou mais, os efeitos negativos no bem-estar pessoal desaparecem, sugerindo que essas viagens longas são experiências bem diferentes, e que as pessoas usam esse tempo de viagem mais longo de maneira mais produtiva e agradável. Além disso, a pesquisa mostrou que essas pessoas têm rendimento médio superior àquelas que gastam menos tempo no deslocamento diário.
A comparação do bem-estar pessoal entre as pessoas que têm de se deslocar regularmente para desempenhar suas atividades com aquelas que trabalham em casa, mostrou que os primeiros são menos satisfeitos com suas vidas, além de relatarem ser mais infelizes e ansiosos do que aqueles que não se deslocam diariamente. Os resultados sugerem, ainda, que as emoções diárias são mais afetadas pelo deslocamento do que pelas avaliações de satisfação com a vida.
Em relação aos modos de transporte, os resultados indicaram que os cidadãos que se deslocam a pé ou de ônibus apresentam menor nível de satisfação do que aqueles que viajam de automóvel. Os que se deslocam por trens registraram maiores níveis de ansiedade do que aqueles que viajam em veículos próprios. Pessoas que se deslocam diariamente de outras formas demonstraram níveis de satisfação mais elevados e níveis de ansiedade mais baixos do que as que usam automóvel.
Embora existam vários estudos sobre o tema, a verdade é que pouco se sabe acerca da influência do deslocamento na vida das pessoas. Entender a interferência causada em cada um de nós pela jornada de ida e volta para desempenhar as atividades diárias, tanto para o bem quanto para o mal, nos levará a compreender aquilo que somos e vislumbrar o que poderíamos ser.
Claudio Bernardes – Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.
Folha de SP