Responsável por despejar bilhões de dólares em startups brasileiras como QuintoAndar, Gympass e Creditas, o grupo japonês SoftBank agora quer conquistar as estradas do País. Nesta segunda-feira, 7, o conglomerado anuncia a liderança em uma rodada de investimentos na startup Buser, espécie de “Uber dos ônibus” – a empresa conecta empresas de fretamento com passageiros em viagens intermunicipais, prometendo desconto de até 60% com relação a uma passagem convencional.
Foto: Estevão Emilio Ronchi (Ônibus Brasil) |
Fundada em 2016, a Buser não divulgou o valor total da rodada, mas disse que investirá pelo menos R$ 300 milhões do montante recebido em marketing, desenvolvimento de tecnologia e expansão pelo País. “O mercado de transporte rodoviário no Brasil é bilionário, mas ainda é caro e ineficiente. Para nós, a Buser pode ocupar uma posição de liderança no segmento”, acredita Paulo Passoni, sócio de investimentos do SoftBank. Participaram ainda da rodada os fundos de investimento Canary, Valor Capital e Monashees, além do Grupo Globo.
Hoje capaz de conectar 50 cidades, a Buser pretende levar seus serviços a 200 municípios e 20 Estados brasileiros nos próximos meses. Também deve quintuplicar o número de funcionários – tem mais de 100 postos abertos, que deverão se somar às atuais 26 pessoas na empresa. “Na parte tecnológica, queremos permitir que o passageiro faça check-in no ônibus com reconhecimento facial, por exemplo”, diz Marcelo Abritta, cofundador e presidente executivo da startup. Outras novidades podem incluir a instalação de sensores nos veículos para identificar, por exemplo, se um passageiro colocou o cinto de segurança.
Para Luiz Alberto Albertin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), o aporte é importante para que a Buser ganhe escala e se torne um gigante no mercado. “Esse modelo de economia compartilhada já está consolidado, mas não é possível mais operar nele com pouco dinheiro. É necessário entrar grande na briga”, diz.
Regulação pode ser pedra no sapato de startup
A trajetória da Buser lembra muito bem a de outra startup que recebeu investimentos do SoftBank no passado: o Uber. Afinal de contas, o modelo de negócios da empresa de Abritta está em atrito com as viações tradicionais de ônibus – as companhias acusam a Buser de fazer transporte clandestino de passageiros –, da mesma forma que o Uber desafiou os táxis no mundo todo.
Alvo de processos em diferentes Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, a Buser se defende alegando que é uma empresa de tecnologia, que une empresas de fretamento e de passageiros. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que rejeitou em maio uma liminar para barrar o serviço – desde então, o caso está parado e a empresa pode rodar até que uma definição ocorra na instância superior. “É um setor que não muda há 70 anos, mas temos a convicção de que é algo legal. Vamos cumprir o que a Justiça definir”, diz Abritta.
A incerteza não desanima os investidores. Com a experiência de quem colocou dinheiro no Uber no auge das pressões regulatórias em diferentes países do mundo, o SoftBank acredita que a Buser deve ter decisão favorável no Brasil. “Vimos esse modelo dar certo em países com ambiente regulatório forte, como França e Alemanha”, diz Passoni. Já Michael Nicklas, da Valor Capital, diz que “a Buser traz demanda para a indústria de fretados e por isso estamos bem confiantes no modelo”.
Na visão dos especialistas, o caso da Buser pode ter uma solução mais simples que a da startup americana, que precisou aguardar novas regulações para se tornar legal ao redor do mundo. “No caso da Buser, quem participa da plataforma são empresas de fretamento que já são legais”, avalia Paulo Furquim de Azevedo, professor de negócios do Insper. “Além disso, o Estado tem um incentivo de ter uma posição favorável ao Buser, pois é um serviço que incentiva a redução de carros nas ruas.”
Empresa também quer entrar no transporte urbano
Mas mesmo se conseguir aprovação para seu modelo regulatório, a Buser não pretende ficar quieta: segundo Abritta revelou ao Estado, parte do investimento na nova rodada será utilizada para fazer testes no transporte municipal, com ônibus operando linhas fixas dentro de grandes cidades. “Vamos iniciar por cidades menores para aprender, não dá para começar em São Paulo”, diz o executivo. Segundo ele, já há tratativas para rodar pilotos desse projeto em 2020. “Sabemos que podemos melhorar o transporte urbano.”
É promessa de mais barulho e confusão: o setor de transporte de passageiros em cidades está historicamente ligado a poucos empresários, é altamente regulado e envolve uso de subsídios. Para Albertin, da FGV-SP, esse pode ser um caminho sem volta. “O crescimento da Buser e sua entrada no transporte urbano mostra que a malha de transporte das cidades brasileiras será cada vez mais absorvida pelo modelo compartilhado”, diz.
Estadão