A polêmica que cerca os aplicativos de transporte privado no Brasil ganha novos capítulos a cada dia. Quando se trata do app Buser, a disputa envolve, também, os órgãos de fiscalização: a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), no âmbito federal, e o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER/MG), no âmbito estadual.
Ônibus da Buser é fiscalizado, antes de deixar o terminal JK. Agentes da ANTT apontaram falha no seguro. Viagem só prosseguiu com outro veículo. Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press |
Mesmo com decisões da Justiça Federal autorizando o funcionamento da plataforma, a empresa e passageiros ouvidos pela reportagem afirmam que os agentes, vez por outra, suspendem o tráfego dos coletivos contratados de maneira colaborativa. Enquanto a startup denuncia o que chama de “abuso dos fiscais” nova lei federal determina que o transporte não regulamentado passe a ser considerado infração gravíssima no Código de Trânsito Brasileiro (CBT). Ainda que a Buser não esteja no pacote dos “piratas”, a alteração no CBT traz o debate à tona novamente.
Autoridades afirmam que seguem rotina para garantir cumprimento de normas, em trabalho que levou à fiscalização de 3.656 veículos de transporte de passageiros em geral nas MGs até maio, e 3.723 nas rodovias federais que cortam o estado somente no primeiro trimestre.
A empresária Fernanda Gontijo, de 26 anos, sentiu na pele a queda de braço entre a Buser e os órgãos públicos de trânsito. Ela participou de um financiamento coletivo para sair de Belo Horizonte rumo a Juiz de Fora, na Região da Zona da Mata. O ônibus deixou o Terminal Turístico JK, no Bairro Barro Preto, numa noite de uma sexta-feira. Na altura do Km 607 da BR-040, em Congonhas, na Região Central do estado, o veículo foi parado por fiscalização do DEER. Os fiscais pediram o documento de todos os passageiros e suspenderam a viagem, que foi finalizada por outra empresa privada.
Apesar do transtorno, ela acusa os fiscais de abuso e defende a plataforma. “Eles entraram no ônibus e perguntaram aos passageiros: ‘Vocês compraram a passagem?’. As pessoas responderam: ‘Sim, compramos’. Mas, na verdade, não é uma compra e sim um rateio. Eles disseram que a viagem seria interrompida e prosseguida por outra empresa, e também recolheram os dados pessoais de todo mundo”, relata Fernanda. Contudo, ao serem pressionados pelos passageiros, os fiscais mudaram a versão. “No final, eles disseram que as bagagens não estavam identificadas. Só que na viagem da outra empresa a gente também não teve a bagagem identificada”, reclama a empresária.
Segundo ela, a medida do DEER/MG causou um atraso de cerca de uma hora na viagem. Ela acredita que a intenção do órgão com essas fiscalizações seja passar uma mensagem ruim sobre o serviço prestado pela Buser, com objetivo de manchar a imagem da startup. “Eles querem fazer com que os passageiros se sintam inseguros, porque você pode ser parado em uma blitz e ter um contratempo como o que eu passei. Mas não vou parar de usar, porque o transporte é mais confortável e tem preço mais justo”, avalia.
No último dia 24, a barreira foi imposta antes mesmo de o ônibus da Buser deixar o Terminal JK. Fiscais da ANTT impediram a saída do coletivo, que viajaria da capital mineira para Vitória. “Primeiro, eles alegaram que havia problemas com a decisão judicial que autorizava o serviço de viagem. Depois, começaram a implicar com o seguro”, contou o advogado Guilherme Abreu, que representa a Buser. Diante do impasse, um novo ônibus foi disponibilizado para a viagem.
De acordo com a Buser, situação parecida ocorreu na cidade de Três Rios (RJ), a 130 quilômetros da capital fluminense, onde um ônibus fretado pela empresa foi apreendido. Dessa vez, um fiscal da ANTT embargou a viagem dos 43 passageiros que ocupavam o veículo. Segundo a empresa, a fiscalização alegou que a companhia só tem permissão para realizar fretamentos na área do turismo, o que viola o determinado pela Justiça Federal.
Em 14 de março de 2018, a 3ª Vara Federal de Minas decidiu judicialmente que as autoridades públicas deviam se abster “de criar qualquer óbice, impedir ou interromper as viagens intermediadas pela Buser”. A decisão judicial convive com lei federal que impôs restrições ao transporte de passageiros, o que dá margem para ampliar a confusão. A nova lei federal determina que o transporte não regulamentado, incluindo o de passageiros por meio de ônibus, passa a ser considerado infração gravíssima ao Código de Trânsito Brasileiro.
Publicada no Diário Oficial da União de 8 de julho, a lei tornou mais rigorosas as penalidades aplicadas aos motoristas flagrados transportando passageiros sem autorização oficial. Ao ser classificado como infração gravíssima, o transporte irregular passa a ser punido com multa de R$ 293,47 multiplicada pelo fator 5, totalizando R$ 1.467,35, além da remoção do veículo a um depósito. Na prática, no entanto, quem trabalha na Buser afirma que a alteração não mudou o expediente do aplicativo.
OUTRO LADO
Em nota, a ANTT informou que “atua para garantir o cumprimento das resoluções que normatizam o setor de transporte de passageiros por vias federais”. A agência ressaltou que a Buser “não é objeto direto da fiscalização”, mas sim os ônibus responsáveis pelo transporte de passageiros que cruzam estados. O órgão também disse que “tem se reunido para avaliar o impacto das novas tecnologias na área de transportes”, mas que elas precisam respeitar as normas vigentes na legislação. O DEER também se posicionou. Segundo o departamento, todas as empresas que preencherem os requisitos constantes na legislação “estão autorizadas a fazer o transporte coletivo intermunicipal no estado”.
Estado de Minas