A opção que muitos motoristas têm feito de deixar o carro em casa quando pretendem ingerir bebida alcoólica, recorrendo ao transporte por aplicativos, como o Uber, tem possibilitado a melhora das condições do trânsito. Essa escolha, aliada aos casos de pessoas que não gostam de dirigir, resultou em condições mais favoráveis ao tráfego Brasil.
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Nos dois casos, o resultado é um aumento da qualidade média dos motoristas em circulação. O motorista do Uber tende a ser tecnicamente melhor do que o motorista comum, não apenas o alcoolizado, pois dirigir é o seu meio de sustento, implicando em uma postura mais cautelosa, diz Yuri Barreto, doutorando do programa de pós-graduação em economia da UFPE. A Uber penaliza os maus motoristas, os retirando de circulação.
Barreto é um dos autores do estudo Uber e segurança no trânsito: evidências das cidades brasileiras, que dividiu com Raul Silveira Neto, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Luís Carazza, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O trabalho foi apresentado no fim do ano passado no Encontro Brasileiro de Econometria.
O estudo chama a atenção não apenas por ser o primeiro na literatura científica a abordar o assunto com foco em um país em desenvolvimento, mas pelo resultado surpreendente. Recentemente, economistas que estudaram o mercado dos Estados Unidos chegaram a uma conclusão oposta: há evidências fortes de aumento das fatalidades no trânsito que coincidem com o início das atividades do Uber no mercado americano.
O Uber considera que provocou uma redução de 10% nas mortes de trânsito nas cidades brasileiras onde o aplicativo de transporte funciona em relação a municípios em que isso não ocorre. Em paralelo, também diminuiu entre 11% e 17% as hospitalizações de vítimas de acidentes de trânsito no Brasil, seu segundo maior mercado no mundo em número de viagens, atrás apenas dos Estados Unidos.
Barreto explica que os diferentes usos do Uber no mercado brasileiro e americano justificam facilmente as conclusões inversas. No Brasil, o Uber se apresentou como alternativa de transporte a quem bebe álcool ou não gosta de dirigir. Nos EUA, o aplicativo tem sido alternativa principalmente ao transporte público, aumentando o número de veículos em circulação e, com isso, as fatalidades e acidentes com hospitalização. É uma relação direta, mais carro, mais morte, que superou qualquer outro efeito, diz Barreto.
A realidade brasileira é bem distinta. Quase 70% dos usuários do Uber no país têm carro próprio, ou seja, não houve um aumento do número de veículos no trânsito com a chegada do aplicativo. Além disso, o Uber, por mais que tenha barateado o transporte quando comparado ao táxi, não compete diretamente em preço com o transporte coletivo, que é ainda a única alternativa para faixa mais pobre da população.
Os resultados do estudo foram feitos a partir da análise do cruzamento de dados do Data SUS, o departamento de informática do Ministério da Saúde, antes e após a chegada do Uber em cidades com mais de 100 mil habitantes. Tomamos o cuidado de verificar que não havia nenhuma mudança de tendência nas mortes e nas hospitalizações nessas cidades. Isso só ocorreu após a chegada do Uber, disse Barreto.
Os dados analisados vão de 2011 a 2016. Segundo o economista, não há risco de o resultado ter sido influenciado pela Lei Seca. A Lei seca é 2008, muito antes da chegada do Uber no Brasil (2014). Além disso, afeta tanto cidades com Uber quanto as sem Uber, afirma. Ainda segundo Barreto, se a Lei Seca fosse responsável pela redução, seria possível perceber isso no teste de tendência.
Em relação às hospitalizações, diz, o efeito é maior quando analisada a categoria de homens jovens adultos (até 35 anos), que são mais associados à direção sob efeito de álcool do que as mulheres e pessoas com mais de 35 anos.
Valor Econômico