Em pleno verão, quando as temperaturas batem recordes, o projeto de instalar ar-condicionado nos ônibus do Rio ainda não saiu do forno. Literalmente. Durante duas semanas de vistorias pela cidade, equipes do GLOBO constataram que parte considerável da frota não está climatizada, e, com a ajuda de um termômetro, foi possível atestar que o calorão inclemente pode submeter os passageiros a quase 40 graus em ambiente fechado. Durante uma hora no dia 7, a reportagem contabilizou na Central do Brasil, por onde passam dezenas de linhas de várias regiões, que 46% dos veículos não tinham aviso de ar-condicionado e viajavam de janelas abertas.
Foto: Paulo Gomes/Ônibus Brasil/Ilustração |
No interior dos coletivos, mesmo aqueles que anunciam ter ar-condicionado, as condições de viagem podem ser ainda piores. Embora informasse estar climatizado, um ônibus da linha 397 (Campo Grande-Candelária) trafegava, por volta das 16h30m, com temperatura de 34 graus, para o desespero de passageiros como a estudante Camila Corrêa. Pelo fato de o ônibus em tese ter ar, as janelas estavam fechadas, o que agravava o desconforto.
É tão comum que os avisos de climatização não reflitam a realidade que os passageiros mais experientes, como Camila, preferem pegar os “quentões”, onde, ao menos, podem abrir as janelas para deixar entrar um ventinho.
— Tento ao máximo não pegar esses ônibus que deveriam ter ar-condicionado. Prefiro entrar nos antigos para garantir a janela aberta — contou a estudante.
Um pouco depois, no 497 (Penha-Cosme Velho), que estava lotado, a diarista Marilsa de Oliveira enxugava o suor do rosto com uma toalha. Ela diz nunca ter embarcado em um ônibus da linha com ar-condicionado:
— É sempre esse calor. É difícil não se sentir mal.
Meta de 100%
Apesar do sufoco cotidiano a bordo dos ônibus, um acordo firmado em abril de 2018 entre as concessionárias e a prefeitura estabelecia que 80% da frota deveriam estar climatizados até o fim do ano passado. Em junho deste ano, o percentual tem que chegar a 90%. E, em 30 de setembro, a 100%.
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Com base em dados oficiais informados pela Secretaria municipal de Transportes sobre o número total de ônibus em circulação e o de veículos com ar-condicionado, a proporção de coletivos climatizados deve estar em 75%. O cálculo leva em conta os 367 articulados do BRT que são climatizados desde a implantação do serviço. A marca ainda estaria abaixo da meta. Mas seria melhor do que é verificado na prática pelos passageiros.
Em Campo Grande, na semana passada, a dona de casa Elaine Araújo avistou um ônibus da linha 837, que circula na Zona Oeste, com o adesivo escrito “ar-condicionado”. Ela já embarcou sabendo que era pequena a chance de a placa garantir um refresco. Sem manutenção, o aparelho de climatização não funcionava corretamente, e as janelas travadas seriam seu martírio na viagem de 40 minutos até o terminal rodoviário do bairro.
— O aparelho, às vezes, funciona só com a ventilação e até pinga na gente — reclama Elaine, que usa um leque para se abanar dentro do ônibus “climatizado”.
No dia 9, a quantidade de coletivos com ar-condicionado que passaram pelo terminal de Campo Grande era inversamente proporcional à de passageiros com leques e panos para enxugar o suor escorrendo pelo rosto. Ao entrar no 397, era possível ver que o termostato do próprio veículo indicava temperatura de 36 graus, antecipando que a viagem até a Candelária, no Centro da cidade, seria torturante. Com apenas duas janelas entreabertas, já que as outras estavam trancadas, o mercúrio do termômetro usado pela reportagem foi subindo até marcar 37,5 graus, em Santíssimo. A sensação era de estar dentro de um forno. A tal ponto que os moradores, que são obrigados a usar o ônibus para ir ao trabalho, adotam estratégias como a de levar uma peça extra de roupa para trocar depois da viagem.
— Costumo ir para o trabalho com uma blusa mais fresca e aberta. Ao chegar, eu troco porque é um ambiente mais social — conta a estudante Danielle Oliveira. — Dependendo do calor que estiver, eu passo mal porque tenho pressão baixa.
Uma semana depois, o GLOBO voltou para vistoriar, mais uma vez, o serviço da linha 397. Em um outro ônibus, também com adesivo “ar-condicionado”, a temperatura, de acordo com o termômetro, estava 39,5 graus. E algumas janelas estavam abertas. Só quem comemorava as péssimas condições de refrigeração dos veículos era um vendedor que tem faturado em cima da irregularidade, vendendo 70 picolés por dia:
— Ganho uma grana extra.
Embora não tenham cumprido as metas, as empresas já estariam em tratativas para aumentar a tarifa em cerca de 5%, para R$ 4,25. Mas, no momento, uma decisão da 2ª Vara de Fazenda Pública, de abril passado, impede que a prefeitura reajuste o valor.
Reajuste da tarifa
O acordo para a climatização prevê multa em caso de descumprimento das metas. O valor é calculado com base na quantidade de veículos que não foram entregues climatizados até o 30º dia de não cumprimento do prazo. A partir deste primeiro mês, o contrato prevê que a multa será de 2% sobre o “valor estimado dos investimentos” definido no contrato de concessão de 2010. Caso a multa seja aplicada após os 30 dias, o valor ultrapassa R$ 7 milhões.
Procurada sobre uma possível aplicação de multa às empresas, a Secretaria municipal de Transportes afirmou que os consórcios ficam sujeitos às sanções caso não cumpram o acordo até setembro. O órgão ainda afirmou “não ter informações” sobre negociações para o reajuste da tarifa.
Em nota, o Rio Ônibus afirmou que “cumpriu a meta de 80% de coletivos climatizados na frota do Rio”. O sindicato afirmou que “dezenas de novos ônibus já foram comprados (as notas fiscais foram apresentadas à SMTR) e que aguardam a conclusão do processo de documentação para serem incorporados à frota operacional da cidade”. O Rio Ônibus também diz que, para cumprir todas as etapas do acordo de climatização integral da frota até setembro de 2020, “é fundamental que o reajuste anual da tarifa possa continuar a ser concedido pela prefeitura aos concessionários”.
O Globo