Do UOL
Foto: Andre Porto/UOL
Rede colaborativa de dados é criada na capital paulista para ajudar a mapear e relatar problemas no transporte público, sobretudo nas periferias
O grupo de pesquisa Rede Mobilidade Periferias desenvolveu o aplicativo Sufoco, com o objetivo de criar uma rede colaborativa de dados para ajudar a mapear e relatar problemas no transporte público, uma rotina comum para moradores das periferias e favelas de São Paulo.
Passar sufoco no transporte coletivo faz parte da rotina do morador da quebrada, porém em meio a pandemia do novo coronavírus a má qualidade do serviço público ganhou mais um problema: o risco dos passageiros serem contaminados pela covid-19.
Foi pensando nisso que a Rede Mobilidade Periferias, um grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), formado por pesquisadores e estudantes que moram e vivem o cotidiano das periferias, criou o aplicativo Sufoco [disponível para Android], para mapear de maneira colaborativa e em tempo real os alertas dos passageiros que estão em situação de aglomeração no transporte público de São Paulo.
O professor de geografia da Unifesp Ricardo Silva, morador da Penha, na zona leste da cidade, revela que suas pesquisas deram embasamento para a criação do app. “Eu fui estudar transporte e mobilidade e, especialmente no doutorado, percebi que as pessoas entrevistadas reclamavam muito sobre essa questão da lotação, que não é um tema muito levado em consideração, até mesmo no campo da mobilidade”, diz.
Ferramenta colaborativa
Para criar o app foram realizados debates e diálogos com as pessoas, para construir uma ferramenta digital em formato de mapeamento colaborativo, na qual os passageiros do transporte público pudessem denunciar situações de superlotação.
“Imagina a construção de mapas a partir dos interesses das pessoas que vivem nos lugares ou que sofrem as dificuldades no dia a dia, como a mobilidade, e revelar esses problemas a partir das vivências delas”, afirma Silva. Em meio a esse processo, o professor buscou mostrar o quão letal seria a pandemia de coronavírus para os moradores das periferias e favelas de São Paulo.
“No começo da pandemia, em março, eu fiquei muito atento em produzir mapas e buscar dados, que de alguma forma pudessem revelar a letalidade do coronavírus nas periferias”, diz.
Silva afirma que o problema de mobilidade urbana vai além do planejamento da cidade. “A mobilidade como um direito, não simplesmente como mercadoria. A mobilidade como mercadoria é isso: um transporte lotado que atende aos interesses mercadológicos. Para as grandes corporações, é interessante que se tenha o transporte lotado, dá mais lucro”, afirma. “Direito à cidade é pensar o transporte público, gratuito, de qualidade, e a cidade acessível, para além dessa lógica mercadológica”, acrescenta.
Como o app funciona?
O app Sufoco possibilita que os usuários apontem situações de lotação escolhendo o tipo de coletivo como ônibus, metrô e trem. Além disso, a partir dos dados relatados pelos passageiros será possível acessar informações sobre qual linha tem maior recorrência de lotação. Para que esses dados transpareçam a realidade que os moradores estão vivendo no transporte público naquele momento, os próprios usuários podem fornecer os dados em tempo real.
“Esses dados com esses problemas podem ser das próprias pessoas, que estão nessa condição de lotação do transporte. Elas podem ajudar a construir um mapa de maneira colaborativa”, diz Silva. Além do professor, o aplicativo teve a colaboração do estudante e desenvolvedor de software Leonardo Garcez. Serginho Lima, morador do Jardim Eliane, zona leste de São Paulo, participou da fase de testes do app como colaborador comunitário. Ele conta como foi a experiência:
“Você coloca a linha de ônibus e o app dá algumas questões para você escolher se está usando o transporte como lotado, com aglomeração, sem aglomeração ou se você não conseguiu entrar. Eu achei bastante simples”, diz. Durante o uso do aplicativo, Lima diz que sempre classificava a linha de ônibus do bairro na categoria lotado, independente do horário, se era horário de pico ou não.
“A gente tem a linha 253F (Terminal A.E. Carvalho/ Terminal São Mateus) aqui no bairro. Todos os anos a gente tem que brigar para que eles não tirem a linha daqui”, diz Lima. Ao mesmo tempo, segundo o morador, a população do bairro não para de crescer, o que aumenta ainda mais a demanda por um transporte público.
Para Lima, a produção desses dados pode ser uma oportunidade para cobrar medidas mais efetivas. “Não tem nada nos meios oficiais para a gente refutar questões que a própria Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes coloca. Então essa produção de dados independentes é uma coisa muito boa”, diz. “Você vê que ninguém tem proposta para transporte público, não tem plano para periferia”, acrescenta.