Juíza Federal do PE nega pedido de parceira de Buser e chama de falacioso benefício de aplicativos aos passageiros

Do Diário do Transporte
Foto: Francisco Dornelles Viana de Oliveira/Ônibus Brasil/Ilustração

A exigência do circuito fechado para o fretamento (ida e volta com os mesmos passageiros) é legal com precedentes jurídicos e o argumento de que os aplicativos de ônibus beneficiam os usuários do sistema rodoviário é parcialmente falacioso porque na verdade somente uma classe de pessoas acaba usufruindo de tal benefício em detrimento dos demais usuários que podem ser prejudicados com o desequilíbrio econômico do sistema regular de transportes.

A livre iniciativa, por sua vez, tem limites na regulação econômica que deve evitar a concorrência desleal.

Foi com esse entendimento que a juíza Federal Substituta da 1ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, Marina Cofferri, negou mandado de segurança movido pela empresa de fretamento Astrotur – Transportes e Serviços Astro Ltda, parceira do aplicativo Buser, contra a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres e órgãos de fiscalização e regulação do transporte em Pernambuco.

A decisão é de 26 de outubro de 2020, mas foi divulgada na sexta-feira, 06 de novembro de 2020.

A Astrotur contestou a legitimidade da exigência do circuito fechado e argumentou que o aplicativo Buser é apenas um meio de intermediação entre consumidor e fornecedor de serviços, que foi autorizado nos autos de ação processada pela 1.ª Vara da Fazenda Pública da Capital no Tribunal de Justiça de Pernambuco.

“Argumentou, ainda, pela inconstitucionalidade do regime de circuito fechado, criado pela ANTT por meio de ato infralegal, que obriga que as viagens de fretamento eventuais sejam realizadas pelo mesmo grupo de pessoas nos trajetos de ida e volta, por violação ao princípio da legalidade e livre iniciativa e por ensejar pratica abusiva de venda casada”.

A companhia de ônibus fretados disse na ação que está em dia junto aos órgãos reguladores e destacou que têm sido realizadas “fiscalizações abusivas, inclusive com apreensão de veículos”.

Benefício “parcialmente falacioso”

Na sentença, entretanto, a juíza federal classifica como parcialmente falacioso o argumento de que as tarifas menores da Buser acabam beneficiando os passageiros. No entendimento da magistrada, o benefício é apenas para uma pequena classe em detrimento de um universo de usuários que não são de interesse das plataformas tecnológicas.

“Nesse sentido, defender a utilização da plataforma BUSER em favor de melhores preços aos consumidores revela-se, a princípio, um argumento parcialmente falacioso, na medida em que não analisa a totalidade dos usuários do serviço, mas apenas aqueles beneficiários de dado trecho disponibilizado. Beneficiar uma parcela dos usuários em detrimento de todo um universo que precisa também ser atendido (princípio da universalidade e continuidade da prestação do serviço público) é beneficiar uma pequena classe em prejuízo de todo um sistema de integração e dos demais usuários não abarcados pela viabilidade e oportunidade chancelados pela plataforma BUSER.”

Desequilíbrio e concorrência desleal

Por este motivo, Marina Cofferri entende que a atuação deste tipo de serviço nos moldes atuais pode causar desequilíbrio econômico no sistema de transportes já que os aplicativos não assumem as obrigações do transporte regular, como linhas de baixa demanda, gratuidades e cumprimento de horários e itinerários independentemente da quantidade de passageiros.

Garante-se, assim, aos permissionários de transporte rodoviário, que o equilíbrio de mercado resulte no equilíbrio da equação econômico-financeira para custeio do serviço prestado, ao mesmo tempo em que protege os usuários desse serviço, assegurando-lhes a disponibilização de um serviço adequado, inclusive sob os aspectos de continuidade e universalidade, já que o desequilíbrio potencialmente causado no mercado poderia implicar no prejuízo da cobertura daqueles trechos menos demandados.

A magistrada ainda diz na decisão que a exigência do circuito fechado impede a concorrência desleal.

“A restrição imposta pela definição do circuito fechado, longe de instaurar indevida restrição na livre iniciativa, constitui solução técnica que busca repelir burla ao que exigível para efetivo enquadramento como transporte regular, evitando concretização de situação de concorrência desleal.”

Circuito Fechado tem respaldo legal

Na decisão, a juíza fundamentou que a exigência do circuito fechado para o fretamento é legal e tem precedentes jurídicos.

“Registre-se que, ainda que analisando objeto diverso, qual seja, a legalidade de multa por descumprimento das normas referentes ao fretamento de passageiros, há precedentes pela legalidade do circuito fechado”

Livre inciativa tem limites na regulação econômica

A magistral também escreveu em sua decisão que a livre iniciativa tem limites na regulação econômica que deve evitar a concorrência desleal.

A livre iniciativa (art. 170, caput, da CF/1988), encontra limites na regulamentação das atividades econômicas pelo poder público (art. 170, parágrafo único da CF/1988), a qual reprimirá a dominação de mercado e a atuação voltada à eliminação de concorrência desleal (art. 173, § 4.º, da CF/1988).

Marina Cofferri entendeu que com o circuito aberto, a Buser e suas parceiras fazem o que deveria ser de atribuição do transporte regular, mas só nos trechos que lhes convém e sem as exigências legais do sistema regular.

Ao pretender se utilizar da plataforma BUSER para fretamento das suas viagens com o afastamento da exigência do circuito fechado, tal como descrito no art. 3.º, XIV, da Resolução ANTT n.º 4.777/2015,busca a impetrante autorização para realizar viagens apenas de ida ou sem a observância do tempo de volta, o que, na prática, configuraria uma atuação similar à do transporte regular restrita aos trecho sque lhe fossem, a princípio, vantajosos, sem os ônus suportados pelas permissionárias, e à revelia das exigências legais para atuação em tal qualidade, o que não deve ser admitido.

À margem das normas

A juíza finalizou a sentença dizendo que a Buser não atende o circuito e que conceder o pedido da Astrotur seria dar uma salvo conduto para atuação à margem das normas vigentes.

Consigne-se não verificar este Juízo qualquer documento que ateste que a plataforma BUSER garanta que as viagens intermediadas obedeçam aos critérios de circuito fechado.

Nesse contexto, deferir a pretensão formulada pela parte impetrante significaria a concessão de salvo conduto para sua atuação à margem das normas de regência, inclusive as legitimamente implementadas pela ANTT na qualidade de autarquia técnica competente.

BUSER:

O Diário do Transporte procurou a Buser e aguarda retorno.

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