Do Portal Automotive Business
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Fabricantes de autopeças já pagaram reajustes de 20% a 30% em 2020; aciarias alegam que valores ainda estão abaixo de 2018 e negam escassez do produto
A retomada do consumo após a abrupta retração causada pela pandemia de coronavírus, em níveis muito acima do que era esperado, provoca descompasso entre produção e demanda, com falta de insumos para produzir bens finais e aceleração da inflação industrial devido à alta generalizada dos custos das matérias-primas. Nesse cenário, o aço tornou-se um dos principais pontos de preocupação do segundo maior comprador do insumo no País, a indústria automotiva, que consome quase um quarto do total produzido.
Três reajustes seguidos desde julho já relatados por alguns fabricantes de autopeças acumularam aumentos de 20% a 30%, dependendo do tipo de aço e da empresa. Além disso, os estoques estão baixos e os atrasos nas entregas são constantes. A combinação de preços nas alturas e escassez do produto funciona como uma trava à recuperação do crescimento do setor automotivo no País, que nos últimos meses vem aumentando produção (menos) e vendas (mais), mas ainda em níveis de 25% a 30% abaixo de 2019.
As siderúrgicas negam que exista falta generalizada de aço no mercado, alegando que passam por um momento de ajuste após os cancelamentos de pedidos que levaram ao desligamento de 13 altos fornos em abril, quando trabalharam com apenas 42% da capacidade, e em setembro e outubro já religaram mais da metade deles e operam com cerca de 65% do potencial, porcentual igual ao de janeiro deste ano, antes da crise provocada pela pandemia. As aciarias também refutam a acusação de praticar preços abusivos de oportunidade, indicando que a média de valor do aço neste momento ainda está abaixo de 2018 e o custo do insumo vem sendo pressionado pelo minério de ferro, que já subiu mais de 80% só em 2020.
“Depois da profunda retração tivemos uma vigorosa recuperação. No terceiro trimestre já repetimos o mesmo nível de vendas do mesmo período de 2019. Mas ainda temos capacidade para atender o mercado”, afirmou no início de outubro Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil, entidade mantida por dez das maiores aciarias do País. “Não comentamos sobre a questão de preços, mas acompanhamos. Os reajustes estão abaixo das altas das matérias-primas”, completou.
Seja como for, o fato é que a alta do aço está entre os principais fatores que vem pressionando a disparada da inflação industrial este ano. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) – principal componente (60%) do IGP-M apurado pela Fundação Getúlio Vargas –, que mede a variação de preços no atacado, já subiu 25% em 12 meses terminados em setembro passado. Incluída no IPA, a taxa do grupo Bens Intermediários subiu de 2,73% em agosto para 4,05% em setembro, sendo que o principal responsável por este movimento foi o subgrupo materiais e componentes para a manufatura (onde se inclui o aço), cujo percentual passou de 2,24% para 4,53%.
“O aumento de custos provocado pelo câmbio e pela alta das matérias-primas é muito relevante nos últimos meses e o aço é o principal ponto de atenção, uma preocupação nossa e dos nossos fornecedores”, afirma Marco Silva, presidente da Nissan do Brasil. “A falta de insumos e a pressão nos preços vai limitar o crescimento mais forte das vendas este ano e em 2021”, avalia.
AUMENTO POR OPORTUNIDADE
Gilberto Heinzelmann, presidente da Zen S.A., fabricante de pinos impulsores de partida e polias instalado em Brusque (SC), afirma que vem lidando com aumentos generalizados de matérias-primas que dispararam. Segundo ele a maior pressão vem dos aços laminados longos, o principal insumo de produção da empresa comprado diretamente das aciarias, que já sofreu três reajustes este ano, em abril, setembro e outubro, acumulando alta de quase 30%. E mais um aumento é esperado em novembro. Heinzelmann relata que a isso se somam atrasos nas entregas e disponibilidade do produto em volumes inferiores aos pedidos.
“As aciarias aumentam porque podem fazer isso. A desvalorização cambial torna muito caro importar aço e isso reduz a competição no mercado interno. Os grandes sistemistas e montadoras compram volumes maiores e conseguem preço melhores, já nós não conseguimos negociar e nem repassar os reajustes a esses clientes”, afirma Gilberto Heinzelmann.
Juliano Almeida, diretor de compras da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) na América Latina, concorda que as aciarias estão aproveitando a aceleração da retomada da indústria e o dólar alto para aumentar suas margens: “O aço tem influência do câmbio por causa da cotação internacional, mas a maior parte dos aumentos aqui é por custo de oportunidade, não é um custo estrutural. Como é difícil importar, aumentam”, avalia. “É preciso negociar e conversar para viabilizar a competitividade do País e os grandes fornecedores de aço precisam ajudar também. Como compramos em grandes quantidades, negociamos melhor, mas nossos fornecedores menores não conseguem e isso prejudica a cadeia”, pondera.
A Librelato, com sede em Içara (SC), consome atualmente cerca de 8 mil toneladas/mês de aço baixo carbono para fabricar suas carretas e relata que a matéria-prima acumula alta de 20% este ano. “Aparentemente os reajustes estão embasados em um aumento substancial do preço do minério de ferro, além do câmbio que influencia diretamente no custo do aço”, avalia João Carlos Spricigo, CEO da empresa. Segundo ele, ainda não houve parada na produção por falta do insumo, mas “já começamos a encontrar dificuldades de abastecimento ao mercado”.
NEGOCIAÇÕES PARA NÃO PREJUDICAR RETOMADA
Mais do que a alta dos preços, as limitação de quantidades de aço disponíveis acendeu uma luz de alerta nos principais setores industriais do País. No meio de outubro diversas entidades representativas, entre elas a Anfavea dos fabricantes de veículos e o Sindipeças dos fornecedores de autopeças, promoveram uma reunião com os representantes das siderúrgicas para tentar alinhar expectativas e evitar que a recuperação em curso do mercado seja freada pela falta do insumo no momento em que mais se precisa da retomada.
“A limitação de alguns insumos como o aço deve ser normalizada até o início de 2021, já o aumento de custos pode perdurar por mais tempo e é um risco que nos preocupa, porque vai parar nos preços dos veículos e isso retrai as vendas”, avalia Luiz Calos Moraes, presidente da Anfavea.
Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças, vai na mesma linha: “Existem vários pontos de atenção por causa das paralisações no passado e a complexidade de retomada em alguns setores. A falta de insumos é pontual, mas dado ao atual nível crescente de demanda é provável que essa a situação se prolongue para os primeiros meses de 2021”, diz.
“No pico da crise os estoques acabaram e faltou produção. Agora o urso acordou da hibernação com muita fome, mas ainda está fragilizado. Estamos sentindo as dores de uma retomada da economia em ‘V’ maiúsculo”, justificou Carlos da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec), do Ministério da Economia, em evento realizado no início de outubro em uma usina da Gerdau em Araçariguama (SP). “Viemos entender melhor onde estão faltando produtos e por quê. Estamos enfrentando um efeito chicote muito forte em que o varejista vende o estoque, faz pedidos maiores à indústria que não tem capacidade para repor em tão curto espaço de tempo, o que já era esperado. O que não era esperado é a rapidez da retomada. Temos de ter calma até essa situação se equalizar”, afirmou.
Costa também informou que o governo está monitorando o mercado, mas não pretende fazer nenhum tipo de interferência para conter reajustes. “Não vamos controlar preços nem cometer violências contra o mercado, vamos apenas monitorar práticas não competitivas, mas até agora não encontramos. Temos de ter paciência porque as cadeias de distribuição estão vazias e é normal observar aumentos no curto prazo.”