Da Folha de SP
José Fernando Ogura/AEN – Fotos Públicas/Ilustraçãi
Surpreendido pela pandemia, que zerou as vendas, o presidente da FCA Fiat Chrysler América Latina, Antonio Filosa, prevê fortes quedas na demanda até o quarto trimestre deste ano.
Segundo o executivo, o emprego na montadora está garantido até pelo menos novembro para atravessar a crise, mas a situação da cadeia de fornecimento preocupa.
“Nós teremos fornecedores, sobretudo pequenos e médios, em processo de falência. Então, mais do que perder empregos, o que já é dramático, estamos falando de perder parte da cadeia. O final de maio já será um mês de grande problema, mas eu enxergo nenhuma ou pouquíssimas capazes de passar até junho”, diz.
Nos próximos dias, o executivo, que durante a carreira já atuou na produção, vai fazer um simulado, ele próprio, para testar medidas de segurança na fábrica.
O executivo da montadora italiana diz que vai preparar as condições internas, mas ressalva que a retomada só virá se o cenário externo da pandemia permitir.
A crise, somada ao câmbio e à queda do petróleo, posterga o futuro para a chegada dos veículos elétricos, mas o projeto está mantido, diz Filosa.
Como a crise pegou o setor?
No fim de 2019, víamos um 2020 positivo, com crescimento do PIB brasileiro em torno de 2% e demanda de carros perto de 8%. O coronavírus nos forçou a rever isso, e agora prevemos demanda em contração de 40%. No segundo trimestre vemos queda de 70% em relação ao mesmo período do ano passado. No terceiro trimestre, queda de 40% e, no quarto, de 20%.
E a Argentina?
Ainda mais. Há três anos, o mercado argentino estava acima de 800 mil carros por ano. Em 2019, fechou em torno de 400 mil. Para 2020, vemos algo perto de 250 mil. Lá, a queda vai ser perto de 50%, enquanto nos demais países da América Latina deve cair 40%.
A saída da Argentina das negociações do Mercosul preocupa o setor?
A indústria automobilística não é regida pelo estatuto do Mercosul, mas por acordos bilaterais. Um eventual recuo da Argentina do Mercosul a princípio não afeta diretamente estes acordos e, consequentemente, não teria impacto direto sobre as operações e transações da indústria automobilística nos dois países.
Como prevê a retomada?
Temos um calendário de reabertura gradativa no Brasil a partir da segunda ou terceira semana de maio em regime de produção parcial, ou seja, vamos produzir menos. E se tivermos condições internas e externas.
Como estão as condições internas?
Vou fazer um simulado de quatro horas com todas as etapas na fábrica. Eu e meu time de segurança do trabalho vamos testar cada um dos processos, nos ambientes comuns, restaurantes, máquinas de café. Vou simular a chegada na fábrica, passando pelas catracas até a linha de produção, indo ao banheiro, ao vestuário. Eu fui um homem de produção, já trabalhei nisso. Se eu estiver convencido de que estamos preparados, libero a volta. Se eu não estiver, vamos refazer. E se tiver condições externas.
Como está na Itália?
Lá os números mudam dia a dia, mas em alguns dias observamos uma melhoria significativa das condições. Agora o que estão fazendo na Itália é trabalhar na chamada fase dois, da reabertura. Nessa fase precisa ter muita atenção porque pode coincidir com uma retomada do contágio.
Avalie as medidas econômicas do governo brasileiro?
A pandemia gerou dois problemas principais para a indústria. Um é a necessidade de garantir o emprego e a máxima flexibilização do trabalho frente a uma demanda zerada ao longo da segunda metade de março e abril. O segundo problema é o caixa. Nosso setor tem uma estrutura de custo pesada, que só se remunera se você consegue vender. O setor automotivo tem uma cadeia de mais ou menos 7.000 empresas, com montadoras, fornecedores e concessionárias.
Acho que o governo foi rápido em resolver o primeiro problema, que é o do trabalho, com a medida provisória 936. Manter o emprego é importante por causa da qualificação. Uma vez que você perde um funcionário do setor automotivo, vai gastar dinheiro com recrutamento e formação para recuperar ele. A curva de aprendizagem é de seis a nove meses.
Para o segundo problema, de caixa, há duas tarefas. Uma é interna, que o setor está fazendo, que é otimizar custos aumentar a produtividade, postergar investimentos. Mas quando falamos de vendas a zero, precisamos de ajuda externa. Estamos dialogando com o governo sobre como ajudar as indústrias para articular com os bancos privados e públicos a possibilidade de linhas de crédito competitivas. O governo tem tido um diálogo rápido conosco, mas a solução ainda está sendo elaborada.
Por quanto tempo as empresas vão poder esperar sem demitir?
A questão das demissões é de cada empresa. Há negociação sindical. Nós fizemos a nossa e cada planta tem um nível de proteção, mas até novembro, por exemplo, nossos empregos estão garantidos. Mas o tema é mais profundo. Nós teremos fornecedores, sobretudo pequenos e médios, em processo de falência. Então, mais do que perder empregos, o que já é dramático, estamos falando de perder parte da cadeia. Algumas já estão graves. O final de maio já será um mês de grande problema, mas eu enxergo nenhuma ou pouquíssimas capazes de passar até junho. Não conheço a condição de caixa das empresas particularmente, mas maio e junho serão dois meses severos.
Como fica a evolução dos veículos elétricos considerando o novo cenário de preço de petróleo?
A resposta é complexa. Quando falamos de desenvolver novas tecnologias, estamos falando de dois ou três anos. Agora estamos enxergando uma volatilidade muito forte da commodity. Pode ir além ou ficar só neste período. Acho que todas as empresas começaram e vão continuar investindo em tecnologia elétrica ou híbrida. Nós tínhamos previsto neste ano já começar a importar dois carros da Jeep e um carro da Fiat elétrico, além de estudar soluções locais. A crise, junto com a volatilidade do dólar, nos força a reprogramar estes projetos para daqui a 6 ou 12 meses. O que era previsto para este ano vai para o ano que vem, mas vamos continuar fazendo.
O futuro do setor automotivo foi postergado?
Sim. Vai postergar. Tínhamos um plano de investimento de R$ 14 bilhões de 2018 até 2024. Vai empurrar, no primeiro momento, até 2025. Estamos monitorando. A parte positiva é que nós confirmamos tudo, mas fomos forçados a esperar mais um ano.
Como está vendo o cenário político do Brasil?
Sou italiano e não tenho nem direito a voto no Brasil. Não vou dar opiniões políticas, só econômicas. Entendo que estamos em um momento difícil do ponto de vista da saúde que, é o bem principal de todos. E o segundo do ponto de vista, da economia, depois de resolvida a crise da saúde, teremos uma importante crise econômica a gerenciar. Neste momento é quanto maior a união e a estabilidade que o sistema possa oferecer.
Que medidas de responsabilidade social teve a Fiat nessa crise?
Em Betim (MG), com a prefeitura, lançamos um hospital de campanha com 200 leitos em um espaço nosso que era recreativo. Em Goiana (PE), um hospital com cem leitos, assim como em Córdoba (Argentina). Formamos técnicos nossos para dar manutenção a respiradores, convertemos impressoras 3D para fazer as máscaras de plástico, doamos ambulâncias a hospitais de Pernambuco e Minas e 150 carros em comodato e outras ações, sempre com base nas ideias dos nossos colaboradores.
Antonio Filosa, 46 – presidente da FCA Fiat Chrysler América Latina, é formado pelo Instituto Politécnico de Milão e entrou no grupo Fiat em 1999, onde passou por áreas como manufatura, compras, marketing e países como Espanha, EUA e Argentina