Artigo – Não basta o automóvel poluir menos

Do Valor Econômico
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Ilustração

Quando se fala sobre o papel da indústria automobilística na redução de gases de efeito estufa o foco é quase sempre o nível de emissões do veículo em si. Mas o setor começou a perceber que o desafio é muito mais amplo. Um projeto de descarbonização sério engloba todo o processo produtivo das linhas de montagem, dos fornecedores, o transporte dos componentes, a rede de concessionárias e, precisa garantir que cada parte do carro seja totalmente reciclável.

Nos últimos meses, várias montadoras anunciaram metas globais de descarbonização dos ciclos de produção nos próximos 20 a 30 anos. Mas, em junho, o presidente mundial Toyota, Akio Toyoda, decidiu antecipar em 15 anos, de 2050 para 2035, o prazo para atingir a neutralidade de CO2 em todas as suas fábricas do mundo.

No caso específico do Japão, Toyoda, que é bisneto do fundador da companhia e neto de quem a tornou um fabricante de veículos, disse estar preocupado com a possibilidade de o país sofrer um “deslocamento da produção para regiões que podem adquirir energia limpa”. A seu ver, isso resultaria na perda de exportações e de empregos. A indústria automobilística responde por 10% do Produto Interno Bruto japonês. No Brasil a participação do setor no PIB é de 3%.

A pressa de Toyoda agitou as operações da companhia em todo o mundo. Foram fixadas datas para cada fábrica expor seus planos. Na América Latina, onde a companhia tem seis fábricas – quatro no Brasil, uma na Argentina e outra na Venezuela -, a missão está a cargo de Massahiro Inoue, presidente da Toyota na região.

Inoue sabe que a tarefa não será simples; nem barata. O mais difícil é inserir a cadeia de suprimentos e logística. Só no Brasil são 150 fornecedores. O executivo diz que os conjuntos de peças de um veículo são transportados em grandes carretas. Os caminhões movidos a energias mais limpas, como o biometano, custam mais. Além disso, a região não conta, ainda, com boa infraestrutura de distribuição de energias alternativas limpas.

O executivo japonês que faz questão de se comunicar em português tem, no entanto, algumas cartas na manga. A principal são os certificados de energia renovável em 100% das operações do Brasil e Argentina. Esses documentos garantem que a Toyota paga por energia proveniente de fonte eólica desde 2017 no Brasil e há dois anos na Argentina. “Acredito que será cada vez mais importante, para o consumidor, adquirir produtos fabricados por empresas que respeitam o meio ambiente”, diz.

A descarbonização está também adiantada, segundo Inoue, na fábrica de Sorocaba (SP), inaugurada em 2012 e a primeira fora do Japão projetada para reduzir ao máximo o nível de emissões do processo produtivo. A linha de montagem em Sorocaba, onde a Toyota do Brasil mais investe hoje, está rodeada por um projeto de conservação ambiental que ajuda no sequestro de carbono.

Total de 134 mil mudas foram plantadas na fábrica de Sorocaba por meio da técnica chamada Miyawaki, que prevê crescimento dez vezes mais rápido. O nome do projeto paulista que Inoue pretende exibir aos chefes do Japão é Morizukuri (construir florestas).

A Toyota não está sozinha nas práticas sustentáveis da indústria automobilística. Em março, o presidente mundial da Volkswagen, Herbert Diess, anunciou o plano de tornar todos os veículos, fábricas e processos do grupo livres de carbono até 2050.

Em maio, a BMW anunciou que até 2030 evitará a emissão de mais de 200 milhões de toneladas de CO2. Isso equivale a mais de 20 vezes as emissões anuais de uma cidade de um milhão de habitantes, como Munique, sede do grupo. Também a Nissan anunciou que atingirá a neutralidade de carbono em todas operações até 2050.

Boa parte das montadoras, no entanto, tem metas mais ousadas do que a Toyota em relação à eletrificação dos carros. A maioria tem anunciado datas para a completa suspensão da produção de veículos com motores a combustão. Na Toyota, porém, Inoue diz que a aposta se mantém nos híbridos e híbridos plug-in – que, embora tenham motor a combustão para carregar o motor elétrico, também podem ser carregados na tomada. Segundo ele, essa solução elimina riscos com deficiências na infraestrutura de estações públicas de carregamento de baterias.

Para a Toyota, além dos projetos de carros do futuro, é preciso trabalhar no desenvolvimento de combustíveis mais limpos. Inoue acredita que o etanol terá uma expressiva participação nesse processo e nos planos de expansão de fabricação de modelos híbridos.

Inoue terá trabalho intenso pela frente. Não há, ainda, no Brasil ou outros países da região, legislações vigorosas voltadas à reciclagem de veículos. No Japão, isso é lei desde 2005. O consumidor paga uma taxa equivalente a US$ 300 já na aquisição do veículo. O dinheiro vai para um fundo do governo, fiscalizado por representantes da sociedade. Dessa forma, garante-se o reaproveitamento de cada peça do carro que deixa as ruas.

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