Cidades se preparam para enfrentar a crise climática

Do Valor Econômico
Foto: Luciene Oliveira/Arquivo pessoal/Ilustração

Faltavam duas semanas para a festa do Senhor do Bonfim, na segunda quinta-feira de janeiro, quando Salvador deu um passo estratégico para enfrentar os impactos do aquecimento global sem recorrer unicamente às bençãos e proteção do santo padroeiro. Com o lançamento do Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima, apoiado pela iniciativa global C40 Cities, a primeira capital do Brasil tomou a dianteira entre as cidades brasileiras e assumiu metas até 2049, marco de seus 500 anos de fundação – data-limite para ter 100% das emissões de carbono neutralizadas por intervenções capazes de tornar a vida urbana mais limpa e inclusiva.

Além do inventário de gases de efeito estufa e mapa de riscos climáticos, foram estabelecidos compromissos e ações em diversas frentes nas próximas décadas, com o diferencial de considerar a justiça climática. “Não há como trabalhar o tema sem pensar no fortalecimento da economia e na desigualdade social que caracteriza a cidade”, diz a consultora Adriana Campelo, coordenadora do plano quando diretora de resiliência da prefeitura de Salvador.

Com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e apoio da agência de cooperação alemã GIZ, os preparativos do que está por vir dimensionaram impactos de ondas de calor, eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar e danos à qualidade do ar.

O cenário, desenhado para cada bairro, resultou na meta de aumentar em 50% a capacidade de alertas de desastres ambientais e reduzir em 30% os deslizamentos de terra até 2032, além de reflorestar a beira de rios e expandir as áreas verdes de 30 para 36 metros quadrados por habitante no período.

São, ao todo, 57 ações de adaptação e mitigação de emissões de carbono, entre as quais a substituição do transporte particular pelo público: até 2024, o objetivo é aumentar as viagens de bicicleta em 10%, com a ampliação dos atuais 142 quilômetros de ciclovias.

Para 2049, toda a frota de veículos, segundo o plano, deverá ser limpa e eficiente. Neste prazo, pretende-se chegar a pelo menos 20% dos edifícios particulares e 30% dos comerciais com uso de energia renovável. Além disso, a capital baiana, hoje sem coleta seletiva de resíduos, precisará reciclar 80% dos materiais descartáveis – e, no mínimo, 36% do lixo orgânico deverá ser tratado, evitando emissões atmosféricas.

“Para sair do papel, as metas estão sendo incorporadas ao planejamento municipal nas diversas áreas de gestão”, enfatiza Campelo. Além disso, como garantia de continuidade no longo prazo, o plano foi transformado em minuta de lei que tramita na Câmara de Vereadores. “O que vale, no entanto, é o comprometimento da população”, afirma Campelo, ao lembrar que a construção da iniciativa teve alto nível de participação pública em meio à pandemia de covid-19.

“Sem esse engajamento seria mais um plano a ficar na gaveta”, observa Felipe Bittencourt, CEO da WayCarbon, empresa que, além de Salvador, participou dos planos climáticos de Belo Horizonte e Recife, considerada a sexta cidade do mundo mais vulnerável a esses impactos. “Não devemos trabalhar só com respostas, mas com preparação para que os danos financeiros sejam menores”, adverte.

“Diante de governos nacionais relutantes, os principais protagonistas são as empresas e as cidades, responsáveis por 70% das emissões globais de gases-estufa”, aponta Ilan Cuperstein, vice-diretor da C40 na América Latina – iniciativa criada após o Acordo de Paris para colocar as megacidades no caminho da neutralização de carbono, por meio de apoio técnico a planos de ação climática.

No mundo, a rede integra 97 megacidades que receberam investimentos de US$ 650 milhões na preparação de projetos, como os de Barcelona e Nova York, com metas rígidas de controle de emissões pelo uso de energia. No Brasil, além do plano de Salvador, a C40 apoia iniciativas semelhantes em conclusão no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, que planeja usar fonte solar para abastecer 40% dos edifícios até 2050.

“As prefeituras têm pouca consciência do poder de transformação”, destaca Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do Iclei para a América do Sul. Para ele, a imagem do país está em xeque com os avanços na agenda urbana global, liderada pela União Europeia. Junto à pressão internacional, há acenos de grandes fundos globais: a rede R20, por exemplo, anunciou US$ 900 milhões para governos locais lidarem com a mudança climática. Desse total, em parceria com o Iclei, serão investidos no Brasil US$ 100 milhões em dois projetos municipais.

Sergio Adeodato — Para o Valor, de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.