Do Portal Consultor Jurídico
Foto: Divulgação (Buser)
A simples existência de concorrência não justifica o reconhecimento de ilicitude. Com esse entendimento, a 21ª Vara Cível de Aracaju validou o modelo de negócios da startup Buser no Sergipe.
A Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados de Alagoas e Sergipe (Fetralse) pedia a proibição das operações da Buser — responsável por uma plataforma digital que conecta pessoas interessadas em uma mesma viagem na mesma data com empresas fretadoras de ônibus.
A entidade autora alegava que as passagens oferecidas na plataforma digital tinham custo médio 60% inferior às passagens ofertadas nas rodoviárias para os mesmos trajetos, mesmo sem autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento Estadual da Infraestrutura Rodoviária de Sergipe (DER-SE). Por isso, classificava o modelo de atuação como irregular, clandestino e competitivamente desleal.
Em sua defesa, a Buser ressaltou que suas empresas parceiras não usam terminais de passageiros, têm autorização da ANTT para seu funcionamento e cumprem todas as normas de segurança e exigências regulatórias. Também esclareceu que não há rotas preestabelecidas e regulares, garantia de prestação dos serviços ou mesmo cobrança individual — apenas rateio do custo total do frete.
Dentro da lei
A Lei 10.233/2001 impõe condições para conceder a autorização e exploração da atividade de transporte coletivo rodoviário via fretamento. Resoluções da ANTT também regulamentam o tema.
Para o juiz Eliezer Siqueira de Sousa Júnior, tais normas “nada apresentam óbice aos serviços de intermediação prestados” pela startup. “Não há ilegalidade no modus operandi da Buser”, concluiu.
O magistrado explicou que a intermediação das viagens “não pode ser confundida com a prestação do serviço em si”, que fica a cargo das empresas contratadas. O mesmo ocorre com outras plataformas intermediadoras, como iFood e Uber.
“Se as demandadas realizam transporte por demanda e as mesmas possuem diariamente em horários distintos certa quantidade de passageiros que desejam viajar para determinados destinos, elas não deveriam prestar tal serviço?”, indagou Sousa Júnior.
Na sua visão, negar essa possibilidade “seria o mesmo que corroborar com a tese de que as empresas demandadas e fretadoras de viagens interestaduais não podem ter um grande volume de clientes e usuários de seus serviços” e “não poderiam, portanto, realizar uma quantidade expressiva de viagens por dia, devendo ficar contida a um mínimo aceitável”.
De acordo com o juiz, “este posicionamento é contraproducente, pois nega o objetivo de desenvolvimento econômico necessário a qualquer modalidade de negócio”.
Ele ainda indicou que o fretamento colaborativo praticado pela Buser não descaracteriza a modalidade de fretamento regulamentada pela ANTT. Isso só ocorreria caso as viagens acontecessem independentemente da demanda de passageiros e os bilhetes pudessem ser adquiridos a qualquer momento, em locais e meios distintos.
Circuito fechado
A Resolução 4.777/2015 da ANTT e o Decreto 2.521/1998 estabelecem que o fretamento deve ocorrer em circuito fechado, ou seja, com o mesmo grupo de pessoas nos trajetos de ida e volta.
Para o juiz, tal regra é abusiva, pois cria uma obrigação não só para a fretadora, mas também para o consumidor. Segundo ele, isso viola a autonomia da vontade e a liberdade de locomoção do usuário do serviço.
Por isso, o magistrado considerou que a Buser, ao oferecer viagens apenas de ida ou de volta, atua em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor.