Do Jornal O Estado de S. Paulo
Foto: Divulgação (BYD Brasil)
A eletrificação gradual do transporte público é apontada por especialistas em mobilidade como uma das soluções para a descarbonização do sistema e medida fundamental para a redução da emissão de gases de efeito estufa nas cidades. Como toda mudança de paradigma, o tema, embora seja defendido por muitas montadoras como o futuro do transporte, ainda encontra uma série de desafios para fazer a “virada de chave” no Brasil.
Neste ano, algumas organizações internacionais, como a International Council on Clean Transportation (ICCT) e a C-40 (Grupo de Liderança Climática das Cidades, organização internacional sem fins lucrativos que reúne 97 grandes cidades do mundo comprometidas com ações climáticas e com o cumprimento das metas do Acordo de Paris), iniciaram uma pressão nesse sentido. Em fevereiro, foi enviado um pleito à Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Ministério da Economia, com apoio de algumas prefeituras, pedindo a isenção da tarifa de importação, atualmente de 35%, para a importação de 3 mil ônibus elétricos, a fim de acelerar a transição das frotas.
“O que temos, agora, é que, mesmo com os compromissos para redução de emissões, a oferta de ônibus elétricos, no Brasil, é incipiente. Por isso, a medida é importante para ampliá-la”, diz Carmem Araujo, diretora-geral da International Council on Clean Transportation (ICCT). Para ela, a questão é de saúde pública, com benefícios para toda a sociedade. “E pode ajudar o sistema a reconquistar passageiros, já que os ônibus elétricos são silenciosos e mais confortáveis”, comenta.
Reação: A medida provocou resposta imediata na indústria e em entidades como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). De acordo com a associação, “a argumentação apresentada para a referida proposta de redução se lastreia na hipótese imprópria de não haver capacidade na indústria nacional para fornecer ônibus elétricos às frotas públicas de vários municípios brasileiros, entre eles São Paulo. A opção pela importação desses ônibus poderia inviabilizar a produção deles em nosso território, com reflexos negativos em toda cadeia logística de fornecedores, principalmente no emprego dessa mesma cadeia, em curto espaço de tempo”, afirmou, em nota endereçada ao secretário executivo de mudanças climáticas do município de São Paulo, no dia 1º de abril.
Segundo Adalberto Maluf, diretor da BYD, principal fabricante no País, hoje, de ônibus elétricos, a planta da empresa em Campinas (SP) tem capacidade de produzir 1.400 veículos elétricos, por ano.
Maluf, que também é presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), afirma que, desde 2017, a empresa trabalha em um Plano de Nacionalização Progressiva para viabilizar a produção em escala, e que o pleito, ainda em análise, não leva em conta esse esforço nem os investimentos nesse sentido.
“Além disso, temos a legislação do nosso lado, porque não se pode incluir itens do setor automotivo na Letec”, diz, referindo-se à Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum, que permite ao País aplicar alíquotas diferentes em uma lista determinada de produtos.
Dilema do ovo e da galinha: Outra fabricante, a Mercedes-Benz do Brasil, alega que o mercado de ônibus está começando a desenvolver uma infraestrutura para a produção de elétricos. “E temos um posicionamento totalmente contrário à isenção de impostos, pois ela representa a solução para um problema que não existe. Nossa indústria é completamente capaz de atender a esse segmento, com o fornecimento das 3 mil unidades de ônibus elétricos até dezembro de 2024, mas é necessário que haja um planejamento e que, efetivamente, ocorram pedidos”, afirma Walter Barbosa, diretor de vendas e marketing ônibus da Mercedes-benz do Brasil. Em 2021, foi apresentado o EO500U, primeiro chassi de ônibus elétrico da marca, 100% desenvolvido no País, com lançamento neste ano e encomendas entre o final de 2022 e início de 2023.
A C-40, por sua vez, alega que a importação de 3 mil ônibus seria importante para romper com esse círculo vicioso de demanda e preço em que se encontra a indústria doméstica. “As montadoras nacionais não expandem as vendas, pois seus preços ainda não são viáveis, e não têm preços viáveis porque não conseguem expandir as vendas. Essa medida viabilizará e acelerará a transição do mercado de ônibus elétricos, no Brasil, permitindo desenvolvimento da produção nacional por meio do aumento na demanda”, afirma Bianca Macedo, gerente de investimento e parcerias Zebra, nome da iniciativa responsável pelo pleito.
Ela completa: “O pedido segue o caminho natural observado no País nos últimos anos em prol da eletromobilidade: há mais de cinco anos, os impostos de importação para caminhões elétricos e veículos elétricos leves permanecem zerados. As duas iniciativas (caminhões e veículos leves) coexistem há algum tempo com a indústria doméstica”.
Os debates sobre o tema são urgentes e necessários. Não à toa, essa questão será discutida no Parque da Mobilidade Urbana, evento que acontece em junho, no Memorial da América Latina, em São Paulo (SP).