Do Tribunal Superior do Trabalho
Foto: Fernanda Carvalho (Fotos Públicas)
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu por unanimidade reconhecer a responsabilidade civil objetiva da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. pela morte de um motorista de aplicativo após discussão no trânsito. A turma entendeu que o desentendimento no trânsito não poderia ser equiparado ao caso fortuito externo de caráter imprevisível e determinou o retorno dos autos ao Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), para o prosseguimento do julgamento em relação aos pedidos de dano moral e material pleiteados pelos herdeiros do motorista.
Na reclamação trabalhista, foi narrado que o motorista passou a trabalhar única e exclusivamente como motorista de aplicativo para a empresa Uber, tirando da atividade a sua fonte de sustento para esposa e filho. Ocorre que, em setembro de 2018, o motorista foi assassinado a tiros enquanto prestava serviço para a empresa. Segundo informações das autoridades de segurança, o motorista teria sido alvejado e morto após se desentender com um motoqueiro, no bairro de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Ainda segundo informações colhidas por jornalistas na hora da ocorrência, o aplicativo do Uber Motorista encontrava-se ligado.
A Uber, em defesa, sustentou a incompetência em razão de matéria da Justiça do Trabalho para a análise do pedido, sob o argumento de que exerce atividade relacionada apenas a intermediação digital, não mantendo qualquer relação de trabalho, mas relação comercial de natureza civil.
Relação de trabalho e culpa de terceiro: O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho e reconheceu a relação de emprego estabelecida entre o motorista e a Uber. Entretanto, o regional manteve a sentença da 2ª Vara do Trabalho de Fortaleza (CE), que julgou improcedente os pedidos de danos morais e materiais sob o entendimento de o infortúnio decorrer por culpa exclusiva de terceiro, não tendo sido a conduta da Uber a responsável pelo acidente que vitimou o motorista.
Inconformada com a decisão, a defesa dos herdeiros recorreu ao TST por meio de recurso de revista, pedindo a reforma da decisão regional, a fim de imputar a Uber a responsabilização pela morte do motorista.
A Uber, por sua vez, recorreu em relação à competência da Justiça do Trabalho e ao reconhecimento da relação de emprego com o motorista.
Competência da JT: Na turma, o relator ministro Alexandre Agra Belmonte destacou que a competência da Justiça do Trabalho é definida pelo pedido e causa de pedir a partir da natureza da relação mantida pelas partes. No caso, o pedido de danos morais e materiais decorrente de acidente que vitimou um motorista que tinha uma relação de trabalho estabelecida com a empresa Uber “na condição de trabalho autônomo, na execução de serviço prestado com pessoalidade”. Dessa forma, não se pode afastar, no entendimento do magistrado, a competência da Justiça do Trabalho no caso.
Em seu voto, o ministro ressalta não desconhecer que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu ser da Justiça Comum a competência para o exame de controvérsias estabelecidas entre motoristas e a empresa Uber. No entanto, segundo destaca, tal competência refere-se aos pedidos de danos morais decorrentes do desligamento e reativação de contas de motoristas no aplicativo de plataforma digital, e não da execução de serviços prestados com pessoalidade, como no caso analisado.
Fato de terceiro X responsabilidade da Uber: O relator ressalta que o Uber não possui frota, utilizando-se de motoristas com veículos próprios para o transporte de pessoas por intermédio de aplicativo. No que tange ao relacionamento dos motoristas, já ficou declarada a existência de relação de trabalho, prestando atividade a Uber em atividade de risco por ela criada.
Agra Belmonte destaca, ainda, que o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, trata de responsabilidade objetiva, ou seja, sem culpa “fundada na teoria do risco e que atribui a obrigação de indenizar a todo aquele que exerce alguma atividade que cria risco ou perigo de dano a terceiro”, como trata o caso analisado.
O magistrado ainda lembra em seu voto que o artigo 735 do Código Civil consagra a responsabilidade do transportador, e que esse tem a sua responsabilidade afastada nos casos em que o acidente decorrer de fato de terceiro, inevitável e imprevisível, não guardando relação com o transporte, por se equiparar ao caso fortuito externo.
Entretanto, como assevera o magistrado, o caso em concreto não pode ser equiparado a caso fortuito externo, de caráter previsível, pois “guarda relação direta com a atividade perigosa e estressante de transporte em grandes cidades caracterizadas pela violência”, não podendo, dessa forma, ser afastada a responsabilidade da Uber pelo acidente que vitimou o motorista.