Da Folha de SP
Foto: Stockcatalog/VisualHunt
O TRT 15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), em Campinas, acolheu um parecer do MPT (Ministério Público do Trabalho) e proferiu um acórdão reconhecendo o vínculo empregatício de um motorista com a Uber. Ele prestou serviços por meio do aplicativo durante mais de um ano.
No parecer apresentado à Justiça, o MPT declarou que, ao contrário do que sua defesa sempre afirma, a Uber não é uma empresa de tecnologia, mas atua na área de transporte de passageiros, ainda que por meio de um aplicativo que viabilize o contato entre motoristas e usuários.
“Se assim não o fosse, seria o mesmo que dizer que uma fábrica de automóveis ou uma indústria alimentícia são empresas de tecnologia, pois utilizam tecnologia (avançadíssima, por sinal) para a realização de seus negócios. Ou que um banco em que oferece serviços bancários aos clientes correntistas por meio de aplicativos (ou seja, todos) não realizariam atividades bancárias, por serem empresas de tecnologia”, diz o parecer.
Na petição inicial, o motorista solicitou que a relação trabalhista fosse reconhecida com base em uma remuneração de R$ 3 mil por mês, média remuneratória do motorista no período de prestação dos serviços. O TRT 15 acatou o pedido.
Há diversos pontos, na visão do MPT, que classificam a relação de trabalho entre motorista e a Uber como vínculo empregatício, como a subordinação, a pessoalidade, a onerosidade e a não eventualidade do serviço.
“O fato de o motorista poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar corridas (assumindo os riscos da punição), ou, ainda, de ter a ferramenta de trabalho (o veículo), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher clientela, destino, tempo de execução ou valor da corrida”, afirmam os procuradores.
Eles alegam também que “a escolha do horário de trabalho é algo que está cada vez mais flexibilizado, sobretudo após a previsão do teletrabalho na CLT, não havendo, necessariamente, rigidez de horários praticados nos moldes tradicionalmente concebidos”.
Acordo na véspera
Na véspera da sessão de julgamento, a Uber tentou celebrar acordos que, caso aceitos, poderiam encerrar o processo de forma menos prejudicial à empresa, informou o MPT. O desembargador João Batista Martins César, relator do processo, reconheceu a manobra jurídica em seu acórdão.
“A estratégia da reclamada (Uber) de celebrar acordo às vésperas da sessão de julgamento confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista extremamente lucrativa (…)”, alegou o desembargador.
O magistrado também não julgou razoável o valor oferecido pela Uber, ressaltando que na primeira instância a empresa não ofereceu “nenhuma proposta conciliatória, e, às vésperas da sessão de julgamento, faz acordo em valor de R$ 35 mil”.
O provimento do recurso ao trabalhador em questão se deu após uma derrota na primeira instância, quando o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campinas julgou improcedentes os pedidos feitos na reclamação trabalhista ao não considerar a relação entre a operadora de serviços de transporte e o ex-motorista um vínculo de emprego.
Fraude por meio de acordos
O MPT identificou, na atitude da Uber, uma tentativa de aplicar métodos estatísticos do direito que avaliam tendências de decisões de tribunais, inclusive quanto ao perfil dos Magistrados julgadores dos casos concretos, dando à empresa a oportunidade de propor acordos (que dificilmente deixam de ser formalizados) aos trabalhadores que moveram ações contra elas, formando assim jurisprudências.
Segundo os procuradores do MPT, com o tempo as jurisprudências desfavoráveis às empresas em alguma das fases de tramitação processual, são substituídas por acordos homologados judicialmente e sem o reconhecimento do vínculo de emprego. Ainda de acordo com os procuradores, a Uber se utiliza de tal fraude nos Tribunais de todo o mundo, citando casos aplicados em outros países.