Do O Globo
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil/Ilustração/Fotos Públicas
RIO — Faça chuva ou faça sol, João Vitor Brum pedala diariamente quase dez quilômetros (ida e volta) pela Estrada da Matriz, da Praça Doutor Capelo Barroso até a estação do BRT Mato Alto, em Guaratiba. A bicicleta é a alternativa para o sumiço da linha que atendia o bairro. Depois da viagem sobre duas rodas, vem outro desafio: embarcar num dos ônibus lotados do Transoeste, para chegar ao supermercado onde trabalha na Barra da Tijuca. A rotina de João Vítor é a mesma desde que conseguiu o emprego em plena pandemia e mostra que os problemas nos transportes não são pontuais.
Um estudo desenvolvido pela Secretaria municipal de Transportes mês passado identificou por meio de GPS que mais da metade dos ônibus que deveriam estar nas ruas, de acordo com a concessão, sumiu. Apenas 199 veículos circulavam pelos corredores do BRT — enquanto a frota estabelecida é de 413. A empresa responsável pelo sistema alega que, com o avanço da Covid-19, os passageiros minguaram. Os corredores Transoeste, Transcarioca e Transolímpico, que chegaram a receber 330 mil usuários por dia (entre pagantes e gratuidades), são opção hoje para apenas 170 mil, afirma a concessionária. Ajudaram a esvaziar o BRT não só a pandemia, mas problemas crônicos, como os calotes e a concorrência com as vans clandestinas. As depredações — há 47 estações inoperantes devido a vandalismo — também afastam os usuários.
Moradora do Recreio, a secretária Renata Fernandes, de 46 anos, gastava R$ 4,05 para chegar ao trabalho na Ilha do Governador, antes da pandemia. Ela fazia duas viagens nos BRTs Transoeste e Transcarioca e uma terceira num ônibus convencional do Fundão até a Ilha. Com o sufoco no BRT, o tempo de viagem aumentou de uma hora e meia para três horas.
— Desisti, e agora desembolso cerca de R$ 13 na ida e R$ 13 na volta. Pego dois ônibus comuns e um intermunicipal — contou Renata.
Se o BRT está capenga, os ônibus convencionais não ficam atrás. O estudo da prefeitura constatou que um terço das linhas não estava circulando. Foram acompanhadas 492 linhas de 4 a 14 de janeiro. Dessas, apenas 77 (15,65%) estavam cumprindo o contrato de concessão, que exige a operação com pelo menos 80% da frota determinada.
O problema é mais grave na Zona Oeste, onde a prefeitura encontrou 532 carros do Consórcio Santa Cruz em circulação. O número representa apenas 27,9% da frota do contrato. Em toda a cidade, onde os ônibus convencionais são operados por quatro consórcios, foram localizados 3.020 ônibus, ou 40% do previsto.
— No BRT de manhã, viajo imprensada, ao lado de um monte de gente sem máscara. A noite, quando volto, preciso de outro transporte para chegar em casa, mas só tem van pirata — contou a auxiliar de enfermagem Margarida de Mello, de 47 anos, moradora de Guaratiba.
Após a paralisação da semana passada dos rodoviários do BRT, o prefeito Eduardo Paes estipulou um prazo de 90 dias para que sua equipe apresente uma solução. Em relação às linhas convencionais, a meta é restabelecer até o fim de maio a frota original de 40 linhas de grande demanda que circulam com poucos veículos ou que desapareceram. A prefeitura fará ainda uma pesquisa de demanda nas estações do BRT para tentar redimensionar a frota.
Os empresários dizem que o setor está em crise, atribuída à concorrência de vans piratas e de transportes por aplicativos e à queda no número de passageiros devido à pandemia.
— A questão é que temos que discutir com a sociedade, o Ministério Público e a prefeitura qual a mobilidade urbana que queremos, quanto isso vai custar e quem vai pagar. Com a pandemia, houve uma queda de até 45% na demanda pelo serviço. Isso gerou um desequilíbrio econômico — disse o porta-voz do sindicato das empresas de ônibus do Rio, Paulo Valente.
Se a demanda caiu, o número de ônibus nas ruas também. Moradora da Muda e funcionária de um restaurante na Barra, a cozinheira Suely de Camargo, de 37 anos, disse que uma das mudanças na pandemia foi o tempo que perde no ponto.
— Antes, os ônibus passavam a cada dez, 15 minutos. Agora, espero de 25 a 30 minutos. Dizem que tem menos passageiro. Como quase sempre não tem lugar para eu sentar, meus pés dizem exatamente o contrário — ironizou.
O engenheiro especializado em transportes da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe), da UFRJ, Paulo Cezar Martins Ribeiro, vê erros em todas as direções. Segundo ele, a prefeitura não planeja o sistema, e as empresas não são transparentes em relação ao que arrecadam.
— Hoje, a prefeitura sequer tem um órgão voltado para o planejamento do transporte público. E o Riocard (que opera a bilhetagem) é uma caixa-preta.