Do Jornal O Globo (RJ)
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)
Os reajustes de ônibus urbanos, mesmo na pandemia, se rendem ao calendário eleitoral. Afinal, são as prefeituras que determinam os índices. Em 2020 não foi diferente. Apenas três regiões metropolitanas, das nove acompanhadas pelo IBGE, reajustaram a tarifa este ano. No ano passado, todas aumentaram a tarifa, que subiu, em média, 6,6%.
Até outubro, o reajuste se limitou a 1,54%, quase metade dos 2,22% da inflação registrada no mesmo período.
— Em anos de eleição municipal, tradicionalmente não tem aumento de ônibus. O reajuste vem no ano seguinte — afirma a economista Maria Andréia Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em 2004, o custo do transporte público ficou comportado, bem abaixo da inflação média. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que orienta o sistema de metas do governo, ficou em 7,6%, contra 4,74% do ônibus. Mas no ano seguinte, em 2005, houve a compensação: alta de 10,44%, quase o dobro da inflação média de 5,69%.
Sem clima para aumentos: A expectativa do Itaú Unibanco é de alta inferior a 2% este ano, mas em 2021, as tarifas devem subir 5%, pelas previsões do banco. Segundo Julia Passabom, economista da instituição, a pandemia pode até postergar reajustes em algumas capitais onde a data de revisão é logo em janeiro:
— Em janeiro ainda não deve ter vacina, o desemprego está muito alto, com inflação corroendo a renda das famílias. Talvez não tenha clima para fazer esses reajustes. Pode acirrar ânimos — afirma.
Em 2013, o Brasil registrou manifestações que se espalharam pelo país e duraram semanas. O movimento começou em protesto contra o aumento de R$ 0,20 da passagem de ônibus em São Paulo. Além da questão do reajuste, havia também cobrança pela melhoria na qualidade do serviço.
Em 2013, apesar de ser ano seguinte à eleição municipal, não houve reajuste no transporte. A alta fora de 0,02%. Mas, em 2015 veio a conta: alta de 15,09% no ônibus urbano, contra 10,67% de inflação.
No ano que vem, não se sabe como a queda na demanda vai afetar a conta dos reajustes no transporte. Um dos itens considerados é o equilíbrio financeiro das companhias, que ficou abalado com a quarentena.
— Não é uma variável que jogue a favor da redução do reajuste. Se a empresa não consegue gerar recursos, abala a saúde financeira da companhia com a queda do fluxo regular de passageiros. A prefeitura pode entrar com subsídios ou penalizar quem foi mais sacrificado na pandemia — afirma André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Diesel mais barato ajuda: Outro custo importante pode amenizar esse reajuste represado. O preço do diesel está em queda com a pandemia, lembra Braz. No atacado, o combustível ficou 24,4% mais barato em 12 meses. O diesel responde por 30% da fórmula para correção da tarifa:
— Uma parte importante da estrutura de custos não vai contribuir para aumentos fortes em 2021.
E a queda da demanda também reduziu custos. Empresas diminuíram a frota de ônibus em circulação.
Maria Andréia lembra que o transporte público tem um peso maior para as famílias que ganham menos, o ônibus especificamente. Foram essas famílias as mais afetadas pela alta dos alimentos este ano. A economista calcula a inflação por faixa de renda.
No ano até outubro, o IPCA nos lares com renda até R$ 1.650 foi de 3,53%, mais de três vezes a da faixa que ganha mais de R$ 16.509. Para essa gama da população, a inflação foi de apenas 1,04%. O ônibus praticamente não é um custo para essa faixa de renda mais alta. Pesa só 0,1% no orçamento familiar:
— Ônibus urbano pesa para os mais pobres.
Braz diz que vai haver outras pressões em 2021. Os reajustes de plano de saúde e de medicamentos foram adiados para o ano que vem. E a conta de luz ficou comportada com a bandeira verde este ano. Por isso, o Itaú revisou a projeção do IPCA de 2021 de 2,8% para 3,1%.