STF determina pagamento de IPVA no Estado de domicílio do dono do veículo

Do Valor Econômico
Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília – Ilustração/Fotos Públicas

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) fixaram tese, em um processo com repercussão geral, para determinar que as cobranças de IPVA só podem ser feitas no Estado de domicílio do proprietário do veículo. A decisão é considerada uma “virada de mesa” para as empresas locadoras. Advogados dizem que neutraliza uma outra, proferida há cerca de três meses, que estabelecia o pagamento do imposto no local onde o carro circula.

Entidades ligadas ao setor atuaram nos gabinetes dos ministros para que esse novo julgamento se realizasse e tivesse decisão mais favorável. Trata-se do RE 1016605, concluído na semana passada, no Plenário Virtual do STF, com um placar de oito votos a um.

Se prevalecesse o entendimento anterior, de que o pagamento do IPVA deve ocorrer no Estado onde o carro circula, haveria impacto financeiro e também na forma como as locadoras de veículos se organizam. Essas empresas, principalmente as grandes do mercado, costumam registrar toda a frota em um só Estado – geralmente onde está a sua sede.

Dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla) mostram que 67% dos veículos disponibilizados para aluguel no país têm placas de Minas Gerais. Esse é o Estado onde fica a sede da Localiza, uma das maiores empresas do ramo na América do Sul, com mais de 200 mil carros.

O Estado oferece alíquota reduzida de IPVA às locadoras. Cobra 1%, enquanto os proprietários comuns pagam 4%. Santa Catarina, parte no primeiro julgamento do STF, e São Paulo, por exemplo, concedem benefício semelhante – respectivamente, 1% e 2%, metade do que é cobrado aos demais.

A primeira decisão foi proferida em junho. Determinou que o pagamento do imposto deveria ocorrer no Estado onde o veículo é utilizado pelo cliente. Esse julgamento também ocorreu no Plenário Virtual do STF. Nesta plataforma os ministros têm até uma semana para proferir os seus votos.

O tema foi julgado por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADI nº 4.612, apresentada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) contra uma lei de Santa Catarina. A norma, do ano de 2010, determina o pagamento do imposto ao Estado mesmo se a empresa estiver domiciliada em outro local e os veículos estiverem lá registrados.

Também estabelece que os locatários poderão ser responsabilizados de forma solidária ao pagamento. A lei trata de sócios, diretores, gerentes ou administradores de empresas que sejam responsáveis pelo contrato de locação do veículo com a locadora que não recolheu o imposto.

Os ministros, por seis votos a cinco, validaram essa legislação. Prevaleceu o entendimento do relator, o ministro Dias Toffoli, considerando que a permissão para toda a frota ser registrada em um único lugar criaria um cenário favorável para alguns Estados cobrarem o imposto de maneira menos onerosa.

“Estimula concentrações injustas de licenciamentos de automóveis nessas unidades federadas”, afirmou na ocasião. Toffoli foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luiz Fux.

Essa decisão, quando proferida, pegou o mercado de surpresa. Advogados que atuam para as empresas de locação afirmam que, se levada adiante, causaria uma grande confusão operacional, além do risco de mais de um Estado cobrar o imposto sobre um mesmo veículo.

Especialistas dizem que as empresas de locação nem sempre conseguem antever onde o carro será utilizado. Seja porque o cliente pode retirá-lo em um Estado e entregar em outro, por exemplo, ou porque quando uma empresa contrata a locação, é ela quem define onde o carro será usado.

O advogado Ademar Borges, do escritório Daniel Sarmento Advogados, chama a atenção que não há, no Brasil, uma lei complementar estabelecendo critérios e parâmetros para evitar a guerra fiscal do IPVA. “O STF, na ADI, acabou tentando suprir essa ausência de lei. Pode até ter sido bem intencionado. Mas ao deixar o conceito muito aberto, com base em um princípio jurídico, como ocorreu, pode gerar ainda mais insegurança e litigiosidade”, diz.

Uma lei, afirma, seria o mais adequado para essa situação porque estabeleceria os requisitos específicos. Por exemplo, o tempo de permanência no Estado para que seja autorizada a cobrança. Também precisaria existir, na visão do advogado, uma regra clara de como se daria a divisão proporcional do IPVA.

Logo que o julgamento da ADI se encerrou, entidades ligadas ao setor viram uma brecha com o julgamento do RE 1016605. A discussão envolvia uma empresa de Minas Gerais que havia registrado o carro em um outro Estado.

Esse recurso foi levado a julgamento na mesma data da ADI em que se discutiu a lei de Santa Catarina, mas os ministros não aprofundaram tanto a questão e não tinham, naquele momento, fixado a tese da repercussão geral – que deverá ser replicada por todo o Judiciário nas discussões sobre o tema.

A estratégia do setor, no STF, acabou dando certo. Os ministros concluíram esse julgamento na segunda-feira passada com a fixação da seguinte tese: “A Constituição autoriza a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) somente pelo Estado em que o contribuinte mantém sua sede ou domicílio tributário”.

Nove ministros participaram do julgamento e oito deles concordaram com o texto. Essa tese foi proposta por Alexandre de Moraes. Ele e todos os ministros que, na ADI, votaram pela constitucionalidade da lei do Estado de Santa Catarina – incluindo o relator, Dias Toffoli – se posicionaram, no RE, para que a cobrança do IPVA ocorra somente no Estado em que a empresa tem sede.

“O STF, no RE, está dizendo que existe uma regra. A empresa não vai poder optar por registrar os seus carros no Estado que achar mais vantajoso. Se está, de toda forma, coibindo a guerra fiscal, mas, desta vez, de uma maneira que não inviabiliza as operações”, diz o advogado Luiz Massara, do escritório Massara Pieroni Advogados, que tem locadoras de veículos entre os seus clientes.

De acordo com o advogado, o julgamento do recurso extraordinário, por ter repercussão geral e atingir todos os processos que tramitam no Judiciário, se sobrepõe ao da ação direta de inconstitucionalidade.

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