Da Folha de SP
Foto: Lucas Silvestre SMT-SP/Ilustração/Fotos Públicas
Conforme o mundo vai reabrindo, os transportes públicos precisam enfrentar uma equação complexa: se voltarem a operar cheios como antes, aumentará o risco de contágio pelo novo coronavírus; mas ter ônibus e trens circulando mais vazios, como tem ocorrido, faz com que a conta não feche e falte dinheiro.
Levar os passageiros de modo mais confortável aumenta os custos, pois é preciso fazer mais viagens para carregar o mesmo número de pessoas, e surge a questão de quem vai pagar a conta.
“Em Bogotá, com 35% de ocupação nos ônibus, a viagem de cada passageiro custa em torno de US$ 3, mas a tarifa custa US$ 0,75. Há uma diferença que precisa ser coberta”, exemplifica Daniel Rodríguez, professor de planejamento urbano na Universidade de Berkeley.
Aumentar as tarifas afasta usuários, especialmente em um momento de alta no desemprego e de redução de salários. Em países ricos, governos separaram mais dinheiro para os transportes, mas em regiões mais pobres, como a América Latina, os orçamentos e o endividamento público têm limites mais curtos.
Rodríguez sugere aumentar os impostos sobre os imóveis. “Se há bom transporte público por perto, o valor das propriedades aumenta. Então taxas prediais poderiam ajudar a mantê-lo.”
Outra opção em debate é cobrar os motoristas de carros privados, por mecanismos como o pedágio urbano, agora chamado de taxa de congestionamento. Nele, cobra-se uma tarifa para os carros que entrem em determinadas zonas da cidade. Londres e Madri já o adotam, mas com foco no combate à poluição. Nova York aprovou a criação dessa taxa em 2019, mas ela ainda não entrou em vigor.
Há também propostas de ampliar a cobrança de estacionamento nas ruas, aumentar o rodízio para mais dias e horários e taxar viagens feitas por aplicativos como o Uber.
Em Porto Alegre, discute-se cobrar uma taxa de todas as empresas. Em vez de custear o vale-transporte dos funcionários que usam o transporte público, as companhias pagariam um valor fixo por cada funcionário com carteira assinada.
“Cobraríamos um valor menor de mais gente, algo em torno de R$ 86 por pessoa. Com isso, a tarifa poderia baixar pela metade, o que atrairia mais passageiros”, calcula Rodrigo Tortoriello, secretário de mobilidade de Porto Alegre, que apresentou a ideia em um webinar. “Não dá mais para manter o sistema bancado somente pela tarifa dos passageiros.”
“Quem pega o ônibus ajuda a cidade a melhorar. Quem pega o carro, nada contra, mas é um mais a engarrafar, criar poluição, se acidentar, então ele tem que pagar pelo custo que gera”, defende Luiz Alberto Saboia, secretário de Serviços Públicos de Fortaleza. “A saída é taxar na bomba de gasolina.”
Após os protestos de junho de 2013, prefeitos à época como Fernando Haddad (PT), de São Paulo, defenderam a criação de um imposto municipal sobre combustíveis, mas a ideia não avançou.
“Criar novas taxas implica gastar capital político, mas é preciso gastá-lo para tornar sustentável o que move a economia. Os trabalhadores precisam do transporte público para irem produzir. Sem transporte acessível, os problemas econômicos serão mais profundos”, avalia William Camargo, ex-secretário de Transportes de Cáli, na Colômbia. “Gestores que pensarem mais na própria carreira vão acabar empobrecendo a mobilidade em suas cidades.”
Outro temor dos governos é que mais gente decida usar o carro particular enquanto a pandemia segue presente, para reduzir o risco de contágio. Em Buenos Aires, por exemplo, a retomada das viagens particulares avança bem mais rapidamente do que a volta dos passageiros aos trens e ônibus.
“Conforme reabrirmos, a demanda pelo uso do carro deve seguir crescendo, e isso coloca em perigo o funcionamento da cidade”, diz Juan Méndez, secretário de mobilidade da cidade. As ruas, já engarrafadas, não terão espaço físico para que todo mundo vá em seu próprio automóvel.
Com o trânsito travado, a operação dos ônibus fica mais difícil. Um coletivo que perde tempo no engarrafamento faz menos viagens, e leva menos gente, do que ao trafegar em pistas livres. Como resposta, algumas cidades adotaram faixas exclusivas temporárias para os ônibus.
A demora nas viagens também aumenta o risco de contaminação a bordo, ao prolongar o tempo de contato entre pessoas saudáveis e as que podem estar infectadas, mesmo sem saber.
Aos poucos, os passageiros vão voltando. Em Nova York, na segunda (8), o metrô superou a marca de 800 mil viagens diárias pela primeira vez desde março. No entanto, isso é apenas 15% do total levado antes da pandemia.
A cidade debate ideias como alternar a abertura de portas dos vagões entre as estações, avisar por aplicativo se o próximo coletivo está muito cheio e criar uma plataforma para reservar assentos nas viagens. Fala-se até em colocar luzes mais fortes nas estações e trens, para ampliar a percepção de limpeza.
A retomada no Japão e na França foi considerada segura. Até o início de junho, não houve registros de novos focos de infecção que possam ser relacionados ao transporte nesses dois países, segundo o CityLab, site da Bloomberg.
O uso seguro dos coletivos depende muito do comportamento dos viajantes, como ficar com máscara o tempo todo e evitar conversas a bordo. Garantir boa ventilação e limpeza no interior dos veículos também são fundamentais.
No Brasil, são frequentes cenas de ônibus lotados, mesmo em meio à pandemia, e de passageiros que embarcam de máscara, mas a baixam ao queixo logo depois, para comer algo durante a viagem ou para aliviar o desconforto.
Tanto no Brasil quanto no exterior, a expectativa é que o setor demore a voltar à normalidade. “Esperamos retomar até 80% da demanda anterior só perto do fim do ano”, diz Tortoriello, de Porto Alegre.
“Mesmo que uma vacina para a Covid-19 venha rápido, até ela chegar aos postos de saúde das periferias, vai demorar no mínimo até o início de 2021”, avalia Saboia, de Fortaleza.
Em Buenos Aires, a expectativa é mais distante. “Não esperamos que a demanda se recupere aos níveis anteriores à pandemia antes de 2022 ou 2023”, diz Méndez.