Por Revista Época
Foto: Dênio Simões (Flickr / Agência Brasília)
Logo no início da pandemia do novo coronavírus, o transporte de passageiros foi decretado serviço público essencial – ou seja, é indispensável às necessidades da comunidade e, se não atendido, coloca em perigo a sobrevivência, a saúde e a segurança da população. Na linha de frente da atividade, motoristas e cobradores de ônibus convivem desde então com o medo diário da infecção pela doença. Nos quatro estados do país que mais mortes contabilizam, a Covid-19 já matou 79 pessoas dessas categorias profissionais, de acordo com levantamento feito pela Revista Época.
Em São Paulo, estado mais afetado pelo coronavírus no Brasil, os números são alarmantes para os rodoviários. Segundo o último levantamento do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviários Urbano, até o dia 19 de maio, 131 casos confirmados da doença entre funcionários foram contabilizados, além de 520 serem considerados suspeitos, totalizando 35 mortes (nove confirmadas e 26 suspeitas). De acordo com o Sindmotoristas, as ocorrências não param de crescer.
“Os motoristas e cobradores têm mostrado, mais uma vez, o quão essenciais são para a sociedade, mesmo diante de uma triste crise sanitária que assola o país e o mundo. A situação é preocupante. As primeiras medidas tomadas foram afastar os profissionais que pertencem ao grupo de risco e garantir o emprego dos mesmos”, informou o deputado federal Valdevan Noventa (PSC), presidente do Sindmotoristas.
Os profissionais, mesmo com o número crescente de casos no estado, tiveram dificuldade para receber equipamentos de proteção para trabalhar. Segundo motoristas, há apenas três semanas máscaras e álcool em gel foram disponibilizados pelas empresas que operam as linhas – a pandemia foi estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março.
“As empresas foram obrigadas, por meio de uma liminar, a fornecer os EPIs aos trabalhadores, sob pena de pagamento de multas de até R$ 200 mil”, contou Valdevan.
Valdir Costa, de 48 anos, trabalha há pelo menos 18 como motorista pelas ruas de São Paulo. Segundo ele, desde que começou a pandemia, já perdeu três colegas da mesma empresa que trabalha por coronavírus.
“O estresse do profissional de ônibus aumentou muito. Quando assistimos aos noticiários e sabemos de pessoas morrendo perto é horrível. Estamos em contato com todas as profissões, transportamos quem trabalha em hospitais, da área de limpeza, são milhares de pessoas. Podemos nos encapar todo, mas trabalhamos o dia todo com a sensação de que pode acontecer algo de errado com a gente. Já tenho colegas com problemas psicológicos, com medo de ir trabalhar”, contou.
Outra questão preocupante para esses profissionais é a superlotação dos coletivos e o uso de máscaras de proteção pelos passageiros. Segundo Costa, apesar de a maioria estar respeitando as recomendações, há quem resista às normas. Nos horários de pico, o distanciamento exigido também se torna impossível de ser cumprido dentro dos ônibus.
O uso de máscaras de proteção contra o coronavírus passou a ser obrigatório a partir do dia 4 de maio no transporte público da Grande São Paulo. A medida vale para os trens do Metrô e da CPTM e para os ônibus da SPTrans e da EMTU.
“Tem pessoas que não cooperam, precisamos estar preparados para isso. Já aconteceu comigo e com outros colegas. Um passageiro falou que não tinha máscara e avisei que infelizmente não podia levá-lo no coletivo. Alguns questionam o direito de ir e vir, mas é uma determinação. Outros entram de máscara e tiram dentro do ônibus. Se algum fiscal vir, pode multar a empresa, que repassa o custo para o motorista”, conta.
Segundo Costa, a orientação do sindicato é interromper a viagem caso isso aconteça e entrar em contato com a Polícia Militar ou Guarda Municipal. Para seguir prestando o serviço diariamente, ele admite ter precisado encontrar uma motivação pessoal. “Eu me apego de saber que estou fazendo um serviço essencial para a população, contribuindo de alguma forma, é o único alento para confortar a gente nesse período”, diz.
Rio de Janeiro: No Rio de Janeiro, entre os mortos por coronavírus, estão pelo menos 28 motoristas de ônibus. Os dados são do sindicato que representa a categoria, que indicam também 134 casos da doença. Para José Carlos Sacramento, vice-presidente do Sintraturb Rio, o aumento na contaminação dos profissionais está relacionado ao trabalho além das horas determinadas por lei. Nas últimas semanas, as empresas também reduziram o número de carros rodando nas ruas.
“Na verdade, todas as empresas do município diminuíram os carros por conta do coronavírus, já que muitos usuários não estavam cumprindo à risca as determinações do uso de máscaras e o limite do transporte apenas de pessoas sentadas. Isso estava trazendo um grande constrangimento para os motoristas, já que eles não têm poder para exigir a retirada de usuários insatisfeitos com as regras, o que coloca em risco sua integridade física”, disse.
De acordo com o sindicato, dos nove mil motoristas que trabalham na capital fluminense, três mil estão circulando.
Diante do aumento no número de casos entre motoristas e cobradores, o deputado Dionísio Lins (Progressista), presidente da comissão de transportes da Alerj e autor da lei que obriga a higienização dos ônibus nas garagens e nos pontos finais após cada viagem, encaminhou um ofício para a RioÔnibus e para os secretários municipal e estadual de Transportes, pedindo informações sobre equipamentos de proteção e medidas de higienização adotadas nos coletivos.
Lins cobrou um maior empenho por parte das entidades para que seja feita rigorosa fiscalização nas empresas e nos pontos finais, com o objetivo de se fazer cumprir a lei sob pena de aplicação de multas e até da cassação da concessão.
O parlamentar destacou ainda, que além das denúncias por parte da categoria pela falta de máscaras e desinfecção dos veículos, a cobrança de fiscais das empresas que insistem que os motoristas transportem o máximo de passageiros possível e cheguem a trabalhar até 12 horas diárias, quando o máximo são de 7 horas, acendeu o sinal vermelho.
“É lamentável ver que profissionais que desempenham um papel tão importante no transporte da cidade estejam sendo atingidos pela doença muitas vezes por falta de consciência e ganância das empresas, já que temos relatos de profissionais sendo obrigados a levarem passageiros além do determinado. Vale lembrar também que muitos passageiros que não fazem parte do grupo autorizado a circular insistem em entrar nos coletivos sem máscaras, e, infelizmente, o motorista nada pode fazer”, explicou.
Ceará: Na capital cearense, cerca de 30% da frota está circulando e segundo Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários Interurbanos do Ceará (Sintro), dez óbitos já foram registrados entre os profissionais da área. Não há um número consolidado de motoristas e cobradores contaminados com a Covid-19.
“Precisamos fazer uma campanha para arrecadar dinheiro para a compra de máscaras e álcool para os motoristas. Duas ou três empresas deram por dois dias os equipamentos e depois largaram. Estamos fazendo isso para denunciar o descumprimento das leis trabalhistas esses profissionais”, disse Domingos Gomes Neto, presidente do Sintro.
Os problemas de superlotação também acontecem por lá. Segundo Neto, os ônibus só saem dos terminais cheios, elevando o risco para motoristas e passageiros. O sindicato tentou pleitear o bloqueio da porta dianteira, mais próxima ao motorista, mas a proposta não foi aceita.
Pernambuco: Em Pernambuco, o Sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana (Sttrepe), não contabiliza os casos de motoristas e cobradores diagnosticados com o coronavírus, mas já registrou seis óbitos na categoria. Recentemente, a capital e cinco cidades da Região Metropolitana adotaram medidas mais rígidas de isolamento, o chamado lockdown.
“Não existe uma preocupação com os trabalhadores por parte das empresas. Estamos cobrando o fornecimento de máscaras e álcool em gel, mas é um setor que não valoriza os trabalhadores. Motoristas no grupo de risco, com mais de 60 anos, as empresas só querem liberar se o trabalhador abrir mão de salário”, contou Aldo Lima da Silva, presidente do Sttrepe.