Para reduzir o alto volume de emissões de carbono da Alemanha sem nenhum custo, e ainda salvar algumas vidas no processo, uma comissão nomeada pelo governo sugeriu uma ideia no mês passado: definir uma velocidade máxima para a autobahn, rede de estradas do país em que não há nenhum limite regulamentado. O resultado foi quase um levante popular.
Foto: Nextvoyage/Pexels – Ilustração/UNIBUS RN |
Motoristas furiosos foram às emissoras. Líderes sindicais vestiram coletes amarelos, sinalizando com a possibilidade de manifestações. E a oposição de extrema-direita criticou o “controle sufocante” do estado. Um limite de velocidade para as estradas seria “um atentado a todo o bom senso”, declarou o ministro dos transportes, Andreas Scheuer, contradizendo seus próprios especialistas. E assim foi encerrada a questão.
Com poucas exceções, como o Afeganistão e a Ilha de Man, há limites de velocidade nas estradas de praticamente todos os países do mundo. Mas esta é a Alemanha, que se declara “pátria do automóvel”, onde Karl Benz construiu o primeiro automóvel e onde os carros são o artigo de exportação que mais inspira orgulho, além de símbolo da identidade nacional.
É também o país onde Hitler iniciou a construção de uma rede de vias expressas de múltiplas pistas que, no período pós-guerra, se tornaria a epítome do sucesso econômico – e da liberdade. Numa sociedade em que tudo está sujeito a regras, a autobahn é o único lugar onde não há limites – e esse lugar é sagrado.
“É um assunto que mexe com as emoções”, disse Stefan Gerwens, diretor de transporte e mobilidade do ADAC, clube automobilístico com 20 milhões de membros, que se opõe aos limites de velocidade. Mas a Alemanha está atrasada para alcançar seus objetivos climáticos para 2020, o que levou o governo a nomear especialistas para pensar em maneiras de reduzir as emissões de gases-estufa no setor dos transportes. Os carros respondem por 11% do total de emissões.
Um limite de velocidade de 120 quilômetros por hora nas estradas poderia reduzir em 20% a distância para as metas de 2020 no setor dos transportes, dizem os especialistas. Há limites de velocidade em quase 30% dos 13 mil quilômetros da autobahn, impostos para regulamentar o ruído perto de centros urbanos e reduzir os riscos de segurança em estradas consideradas inadequadas para velocidades ilimitadas. O número de acidentes fatais nos trechos da autobahn com limite de velocidade é 26% mais baixo que naqueles sem limites.
Em 2017, 409 pessoas morreram na autobahn e, em quase metade dos casos, o motivo foi mau uso da velocidade, de acordo com estatísticas alemãs. Mas cerca de metade dos alemães continua se opondo aos limites de velocidade na autobahn, disse Michael Kunert, diretor da firma de pesquisas de opinião Infratest Dimap. Um limite de velocidade para a autobahn levaria uma minoria significativa a “erguer barricadas”, disse Kunert. Ou, no mínimo, acrescentou ele, “faria com que deixassem de votar no partido ligado à aprovação de tal medida”.
Durante a crise do petróleo de 1973, um ministro alemão dos transportes impôs um limite de velocidade. As mortes nas estradas superavam as 20 mil por ano e, com o preço do petróleo aumentando vertiginosamente, Lauritz Lauritzen pensou que os alemães enxergariam os benefícios de se poupar vidas e combustível.
O limite de velocidade foi mantido por quatro meses, e Lauritzen não durou muito mais que isso no cargo. O experimento fez surgir a campanha “Freie Fahrt für freie Bürger!” (“Liberdade de pilotagem para cidadãos livres!”), que continua sendo o slogan mais poderoso do lobby da indústria automobilística.
A primeira autobahn foi construída em 1932 entre Colônia e Bonn, mas, depois que os nazistas assumiram o governo, a pista foi reclassificada como “estrada de circulação” para que Hitler pudesse ficar com o crédito por ter construído a autobahn. Hoje, empresas de turismo atendem visitantes ricos que desejam conhecer as emoções da alta velocidade à moda alemã.
“Seu sonho é pisar fundo na autobahn alemã a bordo de um supercarro que vai deitar seu cabelo sem nenhum limite de velocidade?”, oferece uma empresa em sua página na internet. Uma das propostas: 80 minutos pilotando um Porsche por 699 euros, incluindo instrutor e “seguro com cobertura abrangente”.
Uma campanha do governo diz que pilotar na autobahn é uma das “sete coisas que você precisa fazer quando visitar a Alemanha”. O ministério das relações exteriores também oferece um guia de sobrevivência em 10 pontos para a autobahn. O principal deles: conheça seus limites.
“A Alemanha é sujeita a um número impressionante de regulamentações, por motivos ligados ao passado, ao medo da incerteza, ao medo de perder o controle”, disse John C. Kornblum, ex-embaixador americano na Alemanha, que viveu muitos anos no país desde a década de 1960. “Mas isso faz as pessoas buscarem seus pequenos espaços de liberdade, e a autobahn é um deles.”/Christopher F. Schuetze e Jack Ewing contribuíram com a reportagem.
Katrin Bennhold, The New York Times
O Estado de SP