Como seu filho vai para a escola?

Foto: Flávio Tavares/Hoje em Dia
Todos os dias, dezenas de ruas e avenidas de várias cidades brasileiras são invadidas por congestionamentos provocados por pais e mães que levam de carro seus filhos para as aulas e insistem em deixá-los bem na porta das escolas. 
Parece justo, mas um simples cálculo permite entender que essa prática cotidiana é absolutamente irracional. Suponha uma escola com apenas 15 salas de aulas, com 30 alunos por sala. Considere que apenas metade desses 450 alunos chegue à escola de carro. Seriam 225 carros chegando ao mesmo local quase ao mesmo tempo. Agora pense que cada carro leva de um a três minutos para embarcar ou desembarcar cada aluno, dependendo de sua idade. Na melhor hipótese, teríamos 225 minutos de embarques e desembarques.

Cada carro ocupa uma área na pista com cerca de 6 metros, o que resulta numa fila de 1.350 metros. Considere também que as laterais da via estão repletas de carros de pais e professores. Considere ainda que a via também é utilizada por veículos de moradores, serviços públicos, entregas etc. E imagine essa combinação três vezes por dia, pelo menos nos cinco dias úteis da semana. Imaginou?
O resultado pode ser constatado na rua onde trabalhamos, no Jardim São Paulo, zona norte de São Paulo, especialmente no horário do almoço, quando os dois ciclos (entrada e saída) se combinam. Durante uma hora a ruazinha fica tomada e paralisada por carros acelerando, buzinando e emitindo muita fumaça. Freadas barulhentas, discussões em alta voz e muita agressividade rompem com violência o bucolismo natural do lugar, um dos poucos bairros ainda tranquilos da capital paulista. O mais triste é que toda essa balbúrdia seja provocada por uma escola, que é por definição o lugar de formação de crianças e jovens. 
O transtorno é tão comum em cidades contemporâneas que até aplicativos já foram criados para sincronizar os tempos entre pais e alunos na porta da escola. Tudo para agilizar a saída das crianças e evitar os tais congestionamentos, multas etc. Mas, são apenas paliativos.
Jogo da cobra: uma experiência em SP
O problema, na verdade, é mundial e tem a ver com a opção preferencial pelo automóvel mesmo em cidades dotadas de boas estruturas de transportes coletivos. Em 2015, a União Europeia lançou uma campanha para estimular pais e crianças a ir e voltar da escola caminhando, de bicicleta ou usando o transporte público.
A iniciativa foi iniciada na Bélgica, com apoio do jogo The Traffic Snake Game e gradativamente foi ampliando sua influência pela Europa. Em Portugal, um dos 18 países participantes, a campanha foi batizada como A Serpente Papa-Léguas – Jogo da Mobilidade. O objetivo é reduzir o impacto do tráfego nas cidades, cortar as emissões de gases de efeito estufa e também melhorar as condições de saúde das pessoas. 
Em 2016, a arquiteta e urbanista Irene Quintáns e o matemático e editor Alexandre Pelegi trouxeram oficialmente a campanha ao Brasil em uma iniciativa pioneira aplicada em uma escola no bairro de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. A região já fora alvo de um projeto da Bloomberg Philanthropies para a criação de uma Zona 30km/h na avenida Marechal Tito, até então uma das mais perigosas para pedestres na capital paulista.
Ação da campanha Jogo da Cobra em São Paulo: Irene Quintáns (centro), Alexandre Pelegi (esq.), crianças e professores

“Faltava, porém, uma abordagem nas escolas,  um olhar para crianças e adolescentes”, lembra Alexandre Pelegi. Três escolas públicas da região foram pesquisadas e nesse trabalho ficou claro que a falta de segurança pública e a insegurança do tráfego eram os principais fatores que inibiam os trajetos a pé ou em bicicletas. “Como não havia segurança, os pais preferiam mandar as crianças para a escola em vans ou levá-las eles próprios de carro”, lembra Pelegi. 
Depois da pesquisa, Irene e Alexandre pediram autorização à organização europeia para aplicar o jogo, receberam os materiais e localizaram uma escola, a Emef Arquiteto Luís Saia, uma professora – Rosângela Melo-, e uma classe que tinham o perfil ideal para participar da campanha. “A maioria das crianças, entre 8 e 9 anos, ia de carro para a escola”, comenta Alexandre Pelegi. 
Ele explica que a atividade só deu certo porque nasceu do interesse das crianças e da professora, que abraçou a causa. “Quando estivemos na escola fizemos algumas oficinas, explicamos o que é o projeto zona 30 e notamos que a maior parte dos professores tinha certa resistência em abrir mão do carro e ceder seu espaço de estacionamento na rua. Percebemos que havia uma oposição à ideia.. e se não há a anuência, ou melhor ainda, o entusiasmo, a campanha não avança”. 
Crianças preenchem planilha do Jogo da Cobra no bairro de São Miguel Paulista, São Paulo

Na experiência de São Miguel Paulista  – a primeira na América do Sul, lembra Irene Quintáns  – foram as crianças que conquistaram e envolveram os pais com o desafio proposto pelo jogo. “Elas queriam completar as tarefas e estimulavam seus pais a ir a pé, experimentar o ônibus. Depois, ouvimos depoimentos de mães que participaram e contaram que puderam caminhar e conversar com os filhos durante o trajeto, o que nem sempre é possível quando se está dirigindo”, completa Pelegi, que também é editor da Revista dos Transportes, da ANTP.
Pedibus, a pé para a escola
Outra ação europeia, o Pedibus, organiza crianças, pais e professores para irem a escola caminhando em grupos. Trata-se de uma iniciativa criada em 1998 na Suíça e que hoje tem praticantes em todas as partes do mundo, em vários países da América e também aqui no Brasil. Além de melhorar a saúde das pessoas envolvidas e reduzir os impactos ambientais do uso de automóveis, a iniciativa busca usar o caminho pelas ruas da cidade como um objeto de estudo e aprendizado para os jovens estudantes, argumentam os organizadores.
Pedibus em ação na Colômbia (Foto: Irene Quintáns)

Uma versão paulistana do Pedibus é o Carona a Pé, uma ação iniciada em 2015 por pais e professores de um colégio privado de São Paulo, hoje estendida a outras duas escolas. Em um breve resumo, o projeto se autoexplica: Diminui o trânsito; Aproxima as pessoas; Aumenta o compromisso com o horário; Cria vínculos com o entorno; e Torna a cidade um lugar mais amigável. 
Cyclobus, um ônibus a pedal
As crianças da Escola Anatole France, em Rouen (Ruão), norte da França, pedalam todos os dias para ir à escola. Algumas já o faziam naturalmente, com os pais e alguns coleguinhas, mas agora elas contam com o Cyclobus, uma divertida criação de dois jovens empreendedores locais. 
O Cyclobus, em Rouen, na França

É um ônibus dotado de 10 selins, movido a pedaladas, com uma suave assistência elétrica. O conjunto é conduzido por um adulto, que é responsável por levar o “ônibus” à porta de cada um dos estudantes . “Foi ela quem pediu para usar esse ônibus”, explica Hélène, mãe da pequena Lou, de sete anos. “Eu deixei de levá-la à escola e ganhei 45 minutos cada manhã antes de ir para o trabalho”, completa a mãe. O projeto seduz crianças, pais e educadores porque reúne uma série de vantagens: é ecológico, estimula a prática esportiva entre as crianças, melhora o convívio e funciona como um exercício de trabalho em equipe.
Mobilize

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