Transporte clandestino: Vitória da desregulamentação

Nosso Rio Grande do Norte ainda não contabilizou o virtual desmantelamento do sistema de transporte coletivo intermunicipal que levou mais de 50 anos para ser implantado graças à capacidade empreendedora de alguns pioneiros, cujo legado está sendo destroçado. O sistema foi montado sem regulamentação e o Estado só apareceu quando o mercado havia definido as linhas e a própria divisão. O legado não está conseguindo resistir à concorrência de mais de dois mil – exatos 2.348 segundo o último levantamento – clandestinos que conquistaram o mercado. São os chamados “loteiros” que começaram como táxi-lotação e hoje são os donos do pedaço.
Pelas contas do sindicato das empresas, o Setrans, nos últimos 15  anos foram extintas 87 linhas regulares com a falência total de cinco empresas, que ofereciam emprego regular e ofereciam um tipo de serviço que permitia ao usuário se programar tendo o transporte coletivo como aliado. Para atender 167 municípios existem, atualmente, 135 linhas distintas, operadas por seis empresas. Dessas, 43 são atendidas por veículos de médio porte e 92 por ônibus de grande porte. Pelas contas do Setrans restam 410 ônibus.
Há vinte anos, esse número passava dos 600 veículos. Com um detalhe importante: mais de 60% do transporte intermunicipal regular está concentrado na região metropolitana de Natal. Ou seja: como não existem limites visíveis, muitos desses ônibus estão fazendo transporte urbano. Por menos que existam estatísticas confiáveis sobre a ação dos “loteiros” toda feita na informalidade – e até na clandestinidade – se estima que eles estão atendendo a 75% do mercado do Rio Grande do Norte. Eles continuam mantendo um nível constante de crescimento, contra a redução da presença das empresas de ônibus.
Aí está um grande problema. A quase totalidade das empresas foi se enfraquecendo. Algumas não resistiram. E a atividade tem hoje uma posição muito menor do que tinha na virada do século. Se a maioria dos usuários, aparentemente está satisfeita com o arranjo, as cidades se tornaram refém da informalidade, que não tem nenhum compromisso em matéria de regularidade, itinerário e horário. Falta compromisso por parte dos “loteiros” de garantir o serviço, que pode ser suspenso a qualquer hora e ninguém tem como – nem onde – reclamar.
Vez por outra o Governo é provocado e termina trilhando um caminho que, normalmente, termina perto do ridículo, com uma estrutura diminuta. Um quadro de 34 funcionários (que dificilmente está todo disponível em razão de férias e diferentes licenças) com atuar contra mais de dois mil condutores autônomos, sem a necessidade de qualquer identificação. Na verdade, foi sendo criada uma rede que, na informalidade definiu um mercado próprio, formado por conhecidos e vizinhos, que garantem uma cumplicidade favorecida pelo atendimento a domicílio. O anúncio das intervenções governamentais, no máximo, consegue produzir algumas multas que podem justificar na mídia que alguma coisa está sendo feita.
A dúvida é a posição do Governo. Fazer de conta que não vê o que é uma irregularidade, ou tentar impor um serviço regular, sabendo que este, no momento, não tem condições de atender a demanda? Quando se tenta encontrar uma informação, existe uma desculpa: um estudo foi contratado e está sendo executado. É a partir desse serviço preliminar que se consegue estabecer estimativas sobre uma situação que, sendo clandestina, não tem o menor interesse em aparecer e os números levantados, por isso mesmo não podem merecer maior credibilidade. Resumo da ópera: num dos setores mais controlados se tem de admitir a vitória da desregulamentação.
Fonte: Novo Jornal

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