Olhando para o contraste entre o tamanho do salão da Pinacoteca e as pequenas almofadas dispostas no chão em grupos por ali, não é de se estranhar que o visitante da exposição sinta um certo vazio no local ou experimente alguns minutos de solidão.
Não por acaso, essa era exatamente a sensação que muitas vezes a capixaba Pamela Reis, 26, experimentava enquanto pegava um ônibus para ir até a faculdade de Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), curso que ela concluiu há cerca de 3 anos.
Durante as viagens, Pamela sempre estava com um caderno na mão para registrar, através de seus desenhos, o comportamento dos demais passageiros que entravam na condução. Por mais que todos percorressem o mesmo trajeto juntos, cada um estava imerso em seu mundo particular, sozinhos.
Hoje, alguns dos rostos e situações observadas na época compõem “Do Urbano ao Íntimo”, a terceira exposição de Pâmela sobre suas viagens de ônibus, em cartaz na Pinacoteca do Estado até o final da primeira quinzena de janeiro, com visitação aberta ao público de terça a sábado.
“Todos aqueles rostos que estão bordados ali existiram sim durante uma ou outra viagem que fiz de ônibus até a faculdade”, esclarece a artista plástica por telefone, lembrando ainda que esta não é a primeira passagem de seu trabalho por Natal.
Em 2011 ela expôs a mesma temática na galeria Conviv’art, localizada no centro de convivência da UFRN. “Cidades Bordadas” também trazia os desenhos de Pamela sobre as viagens de ônibus, mas em outra técnica de desenho, com um bordado mais fino.
Os bordados expostos atualmente em almofadas na Pinacoteca possuem um traço mais forte porque resultam de desenhos feitos com carvão. “Eu sempre desenho antes para depois bordar por cima. Os trabalhos expostos na UFRN eram menores, diretos nos bastidores do bordado, dessa vez são almofadas e o traço é mais forte por causa do carvão”, reforça.
O interesse pelo bordado ela não sabe ao certo como surgiu, mas diz que talvez carregue influências familiares já que sempre viu sua mãe costurar, mas até então ela nunca havia se interessado por aprender a técnica.
Antes de chegar a Natal, “Do Urbano ao Íntimo” também passou pela Pinacoteca de Alagoas, Fundação cultural de Blumenau e Biblioteca Municipal de Guarulhos. Para o ano que vem os próximos destinos das almofadas são por enquanto Ouro Preto e Joinville.
“Comecei a desenhar dentro do ônibus para matar o tempo que perdia no percurso, nenhuma cena que pinto e bordo é inventada, todas foram observadas por mim”, retoma a artista plástica explicando ainda o contexto das almofadas dentro da exposição, todas também confeccionadas por ela mesma.
“Quando você bate o olho em uma almofada você enxerga conforto, e isso é exatamente o que falta em uma viagem de ônibus. Lá todo mundo é qualquer um e ninguém se aprofunda em nada, é um tema muito forte”, comenta.
Os primeiros desenhos que ela fez dentro dos ônibus pelos quais passou eram feitos à caneta em papel vegetal, chamados de “desenhos de não lugares”, uma provocação dos seus professores de curso. Esses desenhos também já foram expostos.
“Tinha os professores que sempre nos incentivavam a desenhar em qualquer lugar. A pergunta da aula sempre era ‘o que vamos desenhar hoje?’, e isso nos fazia sair em busca de vários outros olhares porque arte é isso, não é só retratar o bonito, mas o incômodo também”, explica a jovem artista, dizendo ainda que com o tempo ela também começou a desenhar em metrôs, aviões e outros meios de transporte.
Em algumas das almofadas, Pâmela ainda mistura os desenhos com frases que escrevia durante as cenas que observava, como o exemplo de um bordado no qual um homem é retratado sozinho em uma fileira de bancos. “Um moço bem vestido entra, paga e senta-se na primeira poltrona que vê”, pode ser lido ao lado do desenho.
Entre seus desenhos preferidos ela cita um da exposição anterior a esta, que retrata um bebê no colo da mãe, de costas para ela, mas olhando diretamente para Pamela.
“É um desenho que todo mundo comenta porque eu, como observadora, retrato todas as pessoas com o olhar desviado. Ninguém me encara diretamente porque todos estão em seus próprios mundos, mas um bebê não, e aquele olhou para mim bastante durante aquela viagem”, lembra.
Para o ano que vem ela pretende fazer uma nova exposição somente com os desenhos de carvão que originaram “Do urbano ao Íntimo”, ainda inéditos do público.
Fonte: Novo Jornal