Internacional: ONG cria ônibus-restaurante com cozinheiros cegos na Argentina

Um restaurante móvel totalmente escuro e servido exclusivamente por funcionários cegos pretende conscientizar os argentinos sobre a realidade enfrentada pelos deficientes visuais. Nele, um grupo de dez cozinheiros e garçons tem percorrido escolas, empresas e organismos públicos no ônibus transformado em restaurante ambulante por iniciativa de uma organização não-governamental voltada para a inclusão social.
Os integrantes do projeto chamado “Gallito Ciego” (“Galinho Cego”, na tradução literal) têm entre 25 e 50 anos de idade e deficiência visual desde o nascimento ou adquirida por doenças como diabete.
A fundadora da ONG Audela, criadora do projeto, a filósofa argentina Monica Espina, contou que os cozinheiros estudaram até quatro anos no Instituto Argentino de Gastronomia (IAG), onde aprenderam a fazer uma série de pratos, incluindo salgados, como pizzas e carnes, e sobremesas.
“O objetivo da iniciativa é gerar conscientização de que pessoas cegas também podem ser autônomas e realizar diferentes atividades profissionais”, disse Espina à BBC Brasil. “No ônibus, eles cortam as verduras, cozinham, colocam a mesa, servem os clientes e lavam os objetos usados.”
Ela conta que há espaço para até 25 convidados no ônibus, que integra os trabalhos da ONG na localidade de Acassuso, no município de San Isidro, na província de Buenos Aires.
A comida é servida no escuro para que pessoas com visão tenham a mesma experiência dos que não vêem, como contou uma das cozinheiras.
O ônibus do Gallito Ciego começou a circular em outubro do ano passado e desde então esteve em 17 locais, incluindo uma empresa que os contratou na cidade de San Pedro, a quase 200 quilômetros de Buenos Aires, e em uma festa de um aniversario na capital argentina.
“Nosso projeto é viajar por todo o país, gerando consciência para a questão”, afirma Espina. “Por isso, pensamos neste ônibus bem equipado.” Os cozinheiros recebem pagamento por hora de trabalho e contam com apoio do pessoal da ONG, como o motorista.
Escolas: Espina conta que nas escolas por onde passaram os cozinheiros ouvem dos alunos perguntas sobre “como é ser cego” e “o que sonham”, por exemplo.
Karina Chediek, de 39 anos, que perdeu a visão aos 23 anos devido a complicações com a diabete, e María Susana Luna, de 25 anos, que perdeu a visão pouco depois do nascimento, disseram à BBC Brasil que a experiência as “motivou” a sair para trabalhar.
“Eu era dona de casa e, a partir deste projeto, fiquei ainda mais entusiasmada com a vida”, diz Karina. “Podemos conscientizar as pessoas de que, apesar de sermos cegos, podemos fazer qualquer coisa, como outra pessoa com visão.”
Ela é mãe de um menino de nove anos e diz que a única vez que se emocionou no Gallito Ciego foi quando uma mãe perguntou o que seria a primeira coisa que ela gostaria de ver, se fosse possível voltar a enxergar.
“Eu disse: meu filho. Foi um momento emocionante. Sou diabética desde os 2 anos de idade e tive visão até os 23 anos. Quando meu filho nasceu, eu já era cega”, conta.
Karina afirma que os estudantes costumam fazer perguntas também sobre seus sonhos. “Eles querem saber se sonho como uma pessoa que tem visão.”
“Eu sonho sim, mas com as imagens dos tempos em que enxergava”, acrescenta. “E brinco dizendo que, nas minhas imagens, ninguém fica velho, porque são dos tempos em que eu via, há 17 anos.”
No ônibus, depois de comer no escuro, os cozinheiros fazem palestras e os clientes podem fazer perguntas.
Feijoada: María Susana Luna diz que a experiência no Gallito Ciego a levou a querer ser chef de cozinha. “Eu canto, toco violão, baixo e bateria”, afirma. “Mas descobri que gosto muito de cozinhar e principalmente comidas de outros países, como a feijoada brasileira, que aprendi com uma amiga que é de Porto Alegre e mora aqui na Argentina.”
Grávida de dois meses, ela conta que ficou cega pouco após ter nascido prematuramente em um tratamento com oxigênio que afetou sua visão. “A experiência (no Gallito Ciego) me abriu portas a novas experiências”, diz María Susana. “Não só porque me despertou o desejo de querer ser chef, mas também de poder conscientizar as pessoas de que, apesar da cegueira, podemos trabalhar (como os demais).”
Ela afirma que os clientes costumam repetir uma mesma pergunta. “Sempre me perguntam a mesma coisa: se sou feliz. E eu digo que sim, que sou feliz e vivo a vida com otimismo e muita alegria.”
Fonte e foto: BBC Brasil

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