Quando a reportagem do Blog Ponto de Ônibus / Canal do Ônibus chegou a uma das plantas da Marcopolo em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, foram duas surpresas. A primeira a temperatura: em pleno mês de maio, no outono, os termômetros por pouco não marcaram 30 graus. O sol era forte e o céu aberto.
A equipe, formada por três moradores do ABC Paulista, esperava um tempo frio e foi toda agasalhada. As blusas e casacos pesados tiveram de ser deixados numa das salas da área administrativa.
Outra surpresa foi a dimensão da fábrica. A planta Ana Rech, no bairro do mesmo nome, tem, de acordo com a Marcopolo, 373 mil 500 metros quadrados, sendo 88 mil de área construída. Sabe o que isso significa? Justamente o que a reportagem conseguiu ver só de longe a partir da entrada: o fim da fábrica.
Caxias do Sul é uma cidade com cerca de 450 mil habitantes e topografia acidentada. Foi uma das características reveladas pela fábrica. Pela entrada é possível ver depois de descidas que parecem patamares numa Serra centenas de carrocerias, chassis, casulos (estrutura das carrocerias) e ônibus prontos.
Cada área destinada a um fim: os grupos de chassis eram divididos por marcas e categorias e esperavam se tornar “ônibus de verdade” após o encarroçamento. As carrocerias também têm suas linhas próprias divididas entre urbanos e rodoviários embora que a imensa maioria dos ônibus era dos rodoviários da Geração Sete, modelos Paradiso e Viaggio, já que a maior parte da produção de urbanos da marca se concentra no Rio de Janeiro, na Ciferal, encarroçadora comprada totalmente pela Marcopolo em 2001.
A Marcopolo orgulha-se do fato de ter sido a única encarroçadora tradicional no Brasil que, mesmo passando por momentos de dificuldades, não precisou encerrar os negócios ou ir para a falência, desde a época de quando a companhia ainda se chamava Nicola. Além da Ciferal, a Caio também tinha amargado um processo de falência sendo adquirida em 2001 pelo empresário português José Ruas Vaz, com forte atuação em São Paulo. Hoje a Busscar luta para se reerguer. Passaram pela história dos ônibus no Brasil diversas marcas: Grassi, Cermava, Cirb, Companhia Manufatureira Auxiliar (que pertencia a Viação Cometa), Nimbus, Eliziário, Carbrasa, Metropolitana. Elas não resistiram ao vai e vem da economia brasileira, não se modernizaram como o mercado exigia ou foram compradas por maiores, como a Nimbus e a Eliziário que entre os anos de 1970 e 1980 foram adquiridas pelo grupo da Marcopolo.
A substituição do nome Nicola por Marcopolo começou em 1968. O lançamento do modelo Marcopolo, ainda da Nicola, neste ano teve um sucesso tão grande que a criatura passou a dar nome ao criador. Não havia mais motivo para a Nicola ter essa nomenclatura também. A empresa foi fundada em 1949 pelos irmãos Dorval Antônio, Nelson, João e Doracy Luiz Nicola. Aos poucos eles iam deixando a encarroçadora até que em 1967 o último Nicola, Dorval, foi para outro negócio.
A Nicola porém tinha um homem de visão no seu controle nesta época: Pedro Paulo Bellini, que se uniu aos irmãos Nicola em 1951 e no final dos anos de 1960, com outros investidores, mantiveram a empresa que se tornou a maior fabricante de ônibus do Brasil.
Pedro Paulo Bellini hoje é presidente emérito da marca que atua em mais de cem países nos cinco continentes. No Brasil e no exterior, a empresa possui 17 fábricas com capacidade de produção de 240 unidades por dia e empregam 19 mil 800 pessoas.
Fora do Brasil, a Marcopolo possui unidades atuando sozinha ou em parcerias na China, Egito, África do Sul, Argentina, México, Colômbia, Índia e Austrália.
Mercado exterior deve ser diferencial para a marca: E é justamente por conta da comercialização fora do País que a Marcopolo deve seguir na contra-mão dos números do mercado de ônibus previstos para 2012. Quem explica é o diretor de operações comerciais da Marcopolo no Brasil, Paulo Corso.
“Por conta principalmente da mudança de tecnologia dos ônibus para seguirem os padrões de redução de poluição Euro V, acreditamos que o mercado de carrocerias no Brasil sofra um declino de 10%. Mas a Marcopolo prevê crescimento global de 8%. Acreditamos na elevação das exportações e no aumento de produção e vendas das unidades no exterior” – explica Paulo Corso.
No ano passado, entre as unidades brasileiras e fora do País, a Marcopolo produziu 31 mil 526 unidades de carrocerias, com receita líquida de R$ 2 bilhões 420 mil.Para 2012, em todo o mundo, a marca prevê construir 32 mil 500 unidades com receita de R$ 3,6 bilhões.
Falar em crescimento neste ano parece ser algo pouco lógico, se não fosse mesmo a atuação global da Marcopolo. Dados da Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores mostram o período de janeiro a abril assustador para os produtores de ônibus.
Vale ressaltar que a Anfavea apura a fabricação de chassis e não de carrocerias, mas como as carrocerias são encomendadas para serem colocadas nos chassis, os dados da Anfavea podem dar uma perspectiva do que será o setor de encarroçamento mesmo que em etapas diferentes.
Entre janeiro e abril, a indústria de chassis produziu 8 mil 900 ônibus neste ano contra 13,7 mil veículos no mesmo período do ano passado. A queda foi de 35%. Os impactos da desaceleração foram mais sentidos no segmento de urbanos, que registrou retração de 38,5% enquanto que a redução na produção de rodoviários foi de 13,8%. Estes números de queda na produção de chassis serão sentidos mais para frente pelo setor de carrocerias. Serão menos chassis para as empresas encarroçarem no futuro.
Ainda neste primeiro semestre as encarroçadoras trabalham num ritmo razoável porque ainda estão colocando seus produtos sobre os chassis de tecnologia de restrição a poluição antiga que puderam ser comercializados até 31 de março deste ano.
Desde janeiro, todos os ônibus e caminhões produzidos para o mercado interno devem seguir a fase P7 do Proconve – Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores do Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente. A fase se baseia nos parâmetros da Euro V, aplicados na Europa desde 2009. Abastecidos com o diesel S 50, que possui menor teor de enxofre, os ônibus e caminhões novos chegam a emitir 60% menos Óxidos de Nitrogênio (NOx) e até 80% menos materiais particulados. Mas para chegar a estes números ambientalmente corretos, os veículos necessitam de uma tecnologia mais avançada e com maior custo.
O preço de um ônibus que segue as normas Euro V em relação aos que seguiam os padrões Euro III é de 8% a 15% maior. Os empresários de ônibus então anteciparam as renovações de frotas previstas para este ano para aproveitarem as últimas unidades mais baratas. Além disso, as novas tecnologias ainda não tinham sido bem assimiladas pelos frotistas.
Há no mercado duas possibilidades para os motores seguirem os padrões do Proconve P7 / Euro V: a SCR – Selective Catalytic Reduction, em português Redução Catalítca Seletiva e a EGR – Exhaust Gas Recirculation, em português, Recirculação de Gases de Exaustão.
Mesmo as montadoras garantindo que com as duas tecnologias, o consumo de diesel é menor, os empresários aparentemente não foram convencidos num primeiro momento. Aí a dúvida é em relação à manutenção e durabilidade dos motores. Essa queda na produção de chassi deve ser mais sentida nos próximos meses pelos encarroçadores.
“Aqui na Marcopolo tivemos um primeiro trimestre bom o que deve se repetir. Mas o ritmo deve ser reduzido já a partir do terceiro trimestre. Diferentemente dos caminhões, que tiveram várias unidades Euro III em estoque, as unidades da tecnologia antiga se esgotaram rapidamente, antes mesmo do prazo final de comercialização de ônibus. Então, há algumas unidades sendo encarroçadas, mas o número de chassis novos chegando já não é mais o mesmo” – revela o diretor de operações comerciais da Marcopolo, Paulo Corso.
Em 2012, a Marcopolo produziu 7.589 ônibus em todas as unidades mundiais, inclusive no Brasil, no primeiro trimestre. Em 2011, no mesmo período foram 6.881 unidades produzidas. Mas Paulo Corso está longe de classificar, pelo menos para a Marcopolo, 2012 como um ano catastrófico no setor.
Além de prever aumento global da produção e venda de produtos da marca, principalmente por conta das exportações e negócios nas unidades de outros países, Corso acredita que no mercado interno os números da Marcopolo não devem ser muito diferentes em relação ao aquecido 2011.
Por mais que tenham sido realizadas antecipações de renovação de frota, nem todos os empresários conseguiram comprar ônibus novos e nem todos que compraram fizeram na quantidade que desejaram. Assim, mesmo com tecnologia mais cara, muitos frotistas terão de ir às compras.
Mobilidade é esperança de médio prazo: As melhorias no setor de mobilidade também trazem expectativas positivas para o setor.
Entre os projetos para as cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 e para os municípios contemplados pelo PAC da Mobilidade 2, que financia obras de transportes para cidades com 700 mil habitantes ou mais, estão diversos corredores de ônibus.
Estes corredores, por oferecerem pavimento de melhor qualidade, estações em vez de pontos de ônibus, que apresentam painéis de informações aos passageiros como aeroporto, proteção do sol e da chuva, embarque com acessibilidade e tudo o que há de moderno em operação de transporte coletivo sobre pneus. Para atender a este sistema não serve qualquer tipo de ônibus urbano.
Normalmente os veículos são de maior porte, como articulados ou biarticulados, oferecem mais conforto aos passageiros e são dotados de maior tecnologia que vão desde aparelhos de ar condicionados mais avançados, poltronas mais ergonômicas, iluminação de LED até sistema de gerenciamento e informações on line sobre o desempenho do veículo e a forma de condução do motorista.
Estes ônibus são de maior valor agregado, o que deve trazer um retorno financeiro paras as fabricantes. A Marcopolo mesmo possui um modelo específico para sistemas de corredores: o Viale BRT, que apresenta todas estas características além de um design bem mais moderno em comparação aos ônibus urbanos tradicionais da marca.
“A questão da qualidade dos transportes, da mobilidade, deve ser pensadoanão somente para a Copa do Mundo. Os times se vão e a população fica. Mas é inegável que a Copa do Mundo foi a motivadora para obras e projetos que não saíam. Neste contexto vejo o ônibus como ele é apresentado hoje, com produtos de alta tecnologia e conforto, como solução moderna sim e ideal para as cidades. A implantação dos corredores é rápida e de baixo custo com resultado semelhantes a outros modais como os VLTs – Veículos Leves sobre Trilhos. Além disso, a flexibilidade do corredor é muito grande. É mais fácil criar um ramal de BRT, de acordo com a mudança da demanda com o tempo, pois temos de pensar além da Copa, do que fazer isso com estruturas mais complexas” – defende Paulo Corso.
A China ameaça o setor de ônibus? Se há perspectivas positivas para médio prazo, já que este ano deve registrar de uma maneira geral uma queda por conta do ritmo da economia e da mudança de tecnologia que fez com que empresários comprassem muito no ano passado (o que não deixa de ser um caixa para as fabricantes) e pouco neste ano, a indústria de carrocerias de ônibus está atenta a outros movimentos. Um deles é a entrada de produtos e empresas asiáticas do setor automobilístico no Brasil, em especial as chinesas. Isso já é realidade para os carros de passeio e caminhões. Mas e quanto aos ônibus?
Paulo Corso não descarta a possibilidade de uma empresa asiática se instalar no Brasil para fazer ônibus, mas diz que isso é mais difícil do que ocorre com os demais tipos de veículos e explica as razões.
“Tudo é possível e estamos atentos a qualquer situação. Mas com o ônibus é mais difícil para a penetração dos asiáticos no nosso mercado. O Governo Federal já tomou algumas medidas de proteção ao setor, mas o que protege o ônibus brasileiro é o próprio ônibus. Isso porque, outros países, não só os asiáticos, estão acostumados a fazer veículos padronizados para toda uma linha de modelo. Aqui no Brasil, por conta das inúmeras legislações locais, cada frotista precisa de um ônibus com uma configuração diferente. Assim, um mesmo modelo de linha pode ter diversas variações: uma cidade exige 3 portas, outras portas mais largas, outras portas mais ao centro do veículo, já tem aquelas que as portas têm de ficar nas extremidade, o assoalho para uma cidade tem de ser de um tipo, para outra tem de ser de outro, o tipo de letreiro, as dimensões das carrocerias. Tudo tem de seguir normais federais padronizadas de conforto, segurança e acessibilidade, mas cada cidade quer a configuração própria. Assim, o ônibus brasileiro tem sua produção muito flexibilizada e não sei se os fabricantes de outros países teriam essa condição de fazer um ônibus diferente, mesmo sendo do mesmo modelo, para cada cliente” – explicou Paulo Corso, diretor de operações comerciais da Marcopolo no Brasil.
A Irizar é um exemplo de empresa estrangeira que entrou no País. Mas seu ingresso no Brasil, em 1997, se deu de maneira diferente. Ela entrou para produzir aqui e não apenas montar ou vender produtos importados. Ela inicialmente iria fazer uma parceira com a Caio, especializada em ônibus urbanos. Tanto é que as plantas foram vizinhas. Mas a Caio começou a apresentar dificuldades financeiras e a empresa teve de seguir sozinha. A Irizar é de Ormaiztegi, país basco, no Norte da Espanha, e no Brasil é especializada em ônibus rodoviários.
Paulo Corso diz que o que era motivo de reclamação da indústria há alguns anos, ter de se flexibilizar para atender os pedidos e as configurações impostas cidade por cidade, que fez as fabricantes se mexerem principalmente nos anos de 1990, hoje é segurança para os fabricantes.
Segurança e negócios no exterior, pois os compradores de outros países sabem que se as indústrias de hoje no Brasil conseguem atender a centenas de cidades, podem atender suas exigências também.
Foto: Adamo Bazani (Canal do Ônibus)
Com informações: Canal do Ônibus