As motivações para encarar as estradas dias a fio são diversas: do prosaico medo de voar ao desejo de conhecer o interior do Brasil. Da necessidade de levar mais bagagens que o permitido sem custo extra no avião à carência de ligação aéreas entre pontos ermos do país. Mas o custo ainda é a grande razão para milhões de pessoas abdicarem da agilidade dos voos. “Já voei uma vez, mas avião é muito difícil”, afirmou o biscateiro Marcos Silva, fazendo o gesto de dinheiro com os dedos ao embarcar em Fortaleza.
Silva lembra que os preços promocionais das aéreas são quase obra de ficção para uma população que ainda tem dificuldades de acompanhar as cotações das passagens em tempo real e pouco acesso a cartões de crédito.
Ao longo da viagem de 130 horas por terra, o transporte aéreo é um assunto sempre presente. Uma das frases mais ouvidas é “na volta eu vou de avião”. Os passageiros sabem das vantagens de voar, porém calculam muito bem como usam seu suado dinheiro. “Quando saí de Rondônia para ir pra casa, fui de avião, estava morrendo de saudades. Agora, para voltar ao trabalho, vou de ônibus porque não tenho pressa nenhuma”, contou Kariovaldo Mesquita Lobato, paraense de Abaetetuba que se orgulha de ser o único a ter esse nome entre os 20 mil trabalhadores na construção da hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira.
Ele suporta a distância da mulher e dos dois filhos para dar uma condição melhor a eles. Após sofrer para erguer sua casa, quando ganhava R$ 15 por dia, Kariovaldo agora usa os R$ 2 mil de renda mensal para dar mais conforto à família. Logo, a sua casa será a única da rua a contar com ar-condicionado. Ele justifica aplicar até R$ 1.200 para voltar para a casa de avião, contra os R$ 430 do ônibus.
“Fui agora de surpresa e busquei minha filha de 5 anos na escola. Assim que ela me viu, saiu correndo gritando para a professora: ‘Viu só, eu tenho pai, não disse que tinha pai?'”, contou ele, antevendo a saudade que vai crescer até voltar para casa de novo, em dezembro, e de avião, como promete.
Na viagem de ônibus operada pela Transbrasil, há estudantes com iPad para se distrair, caso de Iuan Purcaru, que foi de Natal a Maceió visitar a mãe. Ou pessoas como Larissa Ribeiro Pereira, de 22 anos, que semanalmente encara 20 horas de estrada para ver o marido, Fabiano, zagueiro do ASA de Arapiraca, cidade alagoana que tem um time conhecido mas não recebe um voo regular sequer. “O ônibus é minha única opção, passei na federal do Rio Grande do Norte e não queria perder a vaga. O ruim é que às vezes chego em casa e o Fabiano está concentrado”, diz a estudante de educação física.
Nos ônibus, ainda ocorrem as migrações pelo Brasil. O trabalhador rural Paulo Pereira da Silva embarcou em Natal, com destino a Uberaba. Pela primeira vez viajaria na companhia de toda família, a mulher Ângela e os filhos João Pedro, Ana Paula e Carlos Daniel. Ele voltava para a região de sua esposa após tentativa frustrada de crescer na vida na terra de seus parentes. Silva pediu R$ 1.470 emprestados para voltar de ônibus, valor alto para ele, porém mais em conta que os R$ 4 mil necessários para o avião. “Quando fui pro Norte pensava que ia ter dinheiro para voltar de avião… Quem sabe na próxima?”
Fonte: Agência O Globo / Yahoo!