Este movimento na indústria metalmecânica gaúcha, especialmente no segmento automotivo pesado, se assemelha ao ocorrido na década de 1990, quando a atividade calçadista iniciou a migração de plantas para cidades do Nordeste, atraída por incentivos fiscais e em busca de maior competitividade para fazer frente aos concorrentes estrangeiros. Ao final daquela década, a região Nordeste já respondia por mais de 60% dos volumes físicos exportados.
A migração do segmento metalmecânico, no entanto, decorre muito mais por questões estruturais do Rio Grande do Sul e pela necessidade de aproximar-se dos principais mercados consumidores e do parque de fornecedores. Embora os empresários evitem dar destaque em demasia aos incentivos fiscais de estados e municípios, reconhecem que eles facilitam a definição.
O diretor-geral da Comil Ônibus, de Erechim, Sílvio Calegaro, entende que este movimento não é novo. Ele lembra que os maiores fabricantes de modelos urbanos, que a Comil produzirá em Lorena, interior de São Paulo, já estão estabelecidos na região Sudeste.
A Marcopolo, líder do segmento no Brasil, tem fábrica em Xerém, no Rio de Janeiro, desde 2001, quando adquiriu a Ciferal. A Caio está localizada em Botucatu (SP) desde a década de 1940. Em janeiro de 2001, foi adquirida pelo Grupo Induscar, tornando-se a Caio-Induscar, maior encarroçadora de veículos urbanos do Brasil. O segmento de urbanos convencionais é de baixo valor agregado, com valores variando de R$ 100 mil a R$ 120 mil. Só o movimento de vai-vém de chassis do Sudeste para o Sul representa de 5% a 6% do custo, exemplifica o diretor.
A unidade da Comil, que iniciará seu funcionamento ao longo de 2013, está localizada a 80 quilômetros da MAN e a 180 quilômetros da Mercedes-Benz, as duas maiores fabricantes de chassis do Brasil. Erechim, como comparação, fica a 1,2 mil quilômetros das montadoras. Além disso, estará próxima dos principais fornecedores de insumos básicos para a produção de carroçarias e dos grandes mercados consumidores urbanos: Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, que concentram cerca de 60% do total das aquisições de ônibus para transportar pessoas em cidades. “Vamos produzir um ônibus com qualidade acima do oferecido atualmente ao mercado, com preço mais acessível”, acrescenta. Não é intenção da Comil, pelo menos inicialmente, usar a fábrica de Lorena para exportação.
A Neobus, líder nacional na fabricação de micro-ônibus com mais de 50% da produção, investe R$ 90 milhões em uma fábrica na cidade de Três Rios, no Rio de Janeiro. Anunciada em fevereiro, a unidade deve iniciar a produção até o final deste trimestre, com a geração de 1,2 mil novos empregos e capacidade para até 13 ônibus por dia.
O presidente da Neobus, Edson Tomiello, destaca que o objetivo é preparar a empresa para atender as demandas decorrentes da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Além disso, o Rio de Janeiro é hoje o principal mercado da encarroçadora, especialmente de micro-ônibus. Também pesaram na decisão os benefícios tributários concedidos pelo governo do Rio e pela prefeitura. Em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado, o município construiu um Centro Vocacional Tecnológico, preparado para formar 2,4 mil pessoas por ano em 16 cursos técnicos para atender a demandas da Neobus e do polo automotivo de Resende e Areal, distantes em torno de 100 quilômetros.
A construção de unidade em Três Rios também objetiva abrir espaço na fábrica de Caxias do Sul para atender ao novo negócio da Neobus. A empresa, em conjunto com a Navistar, produzirá ônibus completos sob a marca NeoStar. O foco inicial serão os mercados dos Estados Unidos e América do Sul. Com estas ações, a meta de faturamento para 2014 é de R$ 1 bilhão, quase o dobro dos valores de 2011.
Mudança só deve ser tomada via decisão política: Para a economista e professora da Universidade de Caxias do Sul Carolina Gullo, a migração de empresas gaúchas para outros estados é difícil de ser contida em função das condições atuais do Estado, especialmente as de natureza financeira. Ela recorda que mais de 80% da arrecadação são usados para pagar o funcionalismo, outros 17% para o custeio da máquina e 18% para quitar as dívidas com a União. “Não há margem para negociar com as empresas”, enfatiza.
A economista destaca que a solução terá que vir a partir de mudanças na matriz da dívida, e reconhece que é uma decisão política que desgastará quem a fizer. “Mas não haverá outro jeito. Alguém terá de assumir este ônus para o Rio Grande se recuperar.”
O diretor de relações com investidores da Marcopolo e integrante do Conselho de Economia, Estatística e Finanças da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços, Carlos Zignani, reconhece que o Rio Grande do Sul perderá empregos com este movimento. Também vê que o governo está preocupado com a situação, mas não tem agido para resolver o problema. Por enquanto, são apenas medidas paliativas.
Foto: Portal Transporta Brasil