Tomando como base a situação de Natal em fins da década de 70 e meados da década de 80, a estrutura do sistema não é absurda. Com pouco mais de 400 mil pessoas – a metade do que possui hoje – a capital potiguar tinha um único centro, onde se desenrolava a vida comercial e a administração pública, incluindo nisso todo o “centro burocrático”, como cartórios, tribunais, etc. É compreensível que o natalense da década de 80 queira passar necessariamente pelo centro. Mas não dá para imaginar o natalense do século XXI passar todos os dias pela avenida Rio Branco, se na verdade ele quer ir para a Zona Norte.
O professor da UFRN, Enilson Medeiros, principal especialista na área de transporte urbano da cidade, explica a distorção. “Natal perdeu a característica de ter um centro por onde tudo passa e para onde tudo flui e o sistema continuou respondendo da mesma forma”, aponta. E complementa: “A viagem mudou. A viagem não é mais somente na direção do centro, para o centro, mas para toda a rede urbana. A cidade tem vários “centros”. Hoje há um nível de resolutividade dentro dos bairros muito grande, com a escola nas proximidades, o posto de saúde nas proximidades. Antigamente, até pra comprar pão era preciso ir ao centro da cidade”.
O diagnóstico encomendado pela Semob à Fundação Coppetec mostra que, em 2008, havia pelo menos 13 “pólos” na cidade. São locais onde há trabalho e moradia e por conta disso os deslocamentos da população tendem para lá. Não se pode esquecer que as linhas de ônibus precisa atender ao desejo de viagem da população. Para onde as pessoas querem ir? Essa é a pergunta a ser respondida. E como identificar? Basta verificar onde estão concentradas as moradias, as vagas de trabalho, oportunidades de lazer, etc. Em Natal, isso não está mais concentrado no circuito Cidade Alta/Ribeira.
Por isso a proposição do estudo, que está sendo seguida no modelo de licitação, é criar eixos estruturantes de transporte. Essas linhas passariam nos principais corredores e atenderiam os principais bairros, de acordo com a pesquisa acerca dos destinos mais procurados presente no diagnóstico. O relatório ao qual a Tribuna do Norte teve acesso mostra várias linhas: Planalto-Lagoa Nova; Rocas-Campus; Cidade Satélite-Petrópolis; entre outras. Todavia, como faz questão de ressaltar o secretário de Mobilidade Urbana, Márcio Sá, o modelo da licitação não precisa seguir necessariamente o diagnóstico do estudo da Coppetec. “Temos um estudo específico para a licitação”, acrescenta.
A relação de linhas exata que serão licitadas ainda não foi divulgada pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana.
Além de estruturar os principais corredores, é preciso dotar a cidade de linhas vicinais. O sistema vicinal é constituídos por linhas com extensão média de cerca de 19 km. Estas linhas atendem às demandas internas dos bolsões de mobilidade considerados como regiões cujos deslocamentos internos por transporte público atinjam no mínimo 20% do total de viagens originadas na região. Ou seja: linhas menores, de bairro a bairro, que não necessariamente passam pelos principais corredores.
Esse sistema deve fazer o deslocamento das pessoas entre os próprios bairros, nas periferias. Além disso, deve fazer também a ligação para os corredores mais importantes da cidade. Nos termos do modelo de licitação apresentado até agora, esse trabalho deve ficar a cargo do sistema de transporte opcional.
BRT é defendido como solução para o sistema: Uma das possibilidades de solução para o transporte público utilizada em 120 cidades do mundo é o BRT (sigla para bus rapid transport). A sigla é em inglês, mas a idéia é brasileira, nascida em Curitiba sob a direção do urbanista e então prefeito Jaime Lerner. O BRT é hoje a tecnologia que conta com mais apoio entre empresários de ônibus e também entre alguns especialistas.
O diretor da Associação Nacional de Transportes Urbanos, Otávio Cunha, explica como funciona o BRT: “o BRT, que é um sistema de alta capacidade, comprável inclusive ao metrô, que tem capacidade de transporte para 45 mil passageiros por hora e por sentido. Trata-se de um verdadeiro transporte de massa. Há uma canaleta fechada, só os ônibus passam por ali, as paradas de ônibus são de nível e a passagem pré-paga, com acessibilidade universal e velocidade de embarque e desembarque considerável. Além disso, com muito conforto”.
O estudo para licitação de transporte urbano em Natal prevê em oito ou 10 anos a criação da estrutura para viabilizar o BRT na capital potiguar. “O BRT precisa de um terminal no começo e no fim da linha e por isso precisa de uma infraestrutura específica”, aponta Haroldo Maia, secretário-adjunto de Trânsito.
Um sistema que fica no meio termo entre o BRT e o procedimento atual é o BRS. O conceito também é de corredor exclusivo, mas sem a estrutura fechada do BRT. “Algumas cidades optam pelo BRT. Outras são o BRS. Isso é pura e simplesmente colocar uma faixa seletiva onde só trafega o ônibus. Faz-se um monitoramento em tempo real com câmera que impeça a invasão por veículos particulares. Os carros podem adentrar para fazer uma conversão à direita, mas nunca trafegar ali. São situações que melhoram muito a qualidade do transporte e reduz o tempo de viagem. Gasta-se muito tempo nos congestionamentos e esses corredores são uma saída inteligente”, analisa Otávio Cunha.
Frota é velha e não possui segurança jurídica: O transporte intermunicipal de passageiros vive com problemas semelhantes aos do transporte urbano em Natal: falta de segurança jurídica; funcionamento baseado unicamente em um decreto do Governo do Estado e frota envelhecendo sem que os empresários tenham segurança para investir apropriadamente.
Apenas um ônibus, no modelo mais utilizado hoje, custa entre R$ 350 mil e R$ 600 mil. Na avaliação da Fetronor, não existe segurança atualmente para se fazer um investimento dessa ordem, até porque a crise nas linhas municipais perdura há vários anos. São dois empecilhos principais: como investir se as linhas ainda podem ser licitadas passando a ser exploradas por outras empresas? Como investir se os clandestinos, na visão dos empresários, trafegam livremente sem fiscalização do poder público, praticando uma competição desleal.
A falta de investimentos é sentida pelos passageiros no cotidiano. O próprio Sindicato afirma que a frota está “velha”, com uma média de idade “acima de 12 anos”. A vida útil máxima de um veículo, com base em um decreto de 2006, é de 18 anos. No total, é proibido ter mais de 30% da frota com mais de 13 anos. Em outras palavras, os ônibus intermunicipais utilizados nas estradas potiguares estão no limite.
O Departamento de Estradas e rodagens conta com 35 fiscais para todo o Rio Grande do Norte. Esse efetivo trabalha sob regime de escala, de acordo com a necessidade do momento. Problemas com o ar condicionado, o desrespeito ao percurso fixado para a linha, excesso de velocidade, presença de clandestinos. Tudo isso precisa ser averiguado por esses fiscais. Por conta do número reduzido, não há pessoal suficiente para postar em todos os pontos de embarque e desembarque, para uma fiscalização efetiva na hora da saída.
Fonte: Tribuna do Norte