O recente anúncio do governo comunicando a intenção de desonerar a folha de pagamento de diversos setores da economia vem em muito boa hora contribuir para o barateamento das passagens de ônibus rodoviários que operam os segmentos interestadual, intermunicipal e internacional, além, é claro, dos urbanos.
Por trabalhar com preços tabelados pela agência governamental que regula a atividade, é certo que nas próximas revisões tarifárias isso será levado em conta. Como a área de transporte de passageiros emprega um grande número de colaboradores, essa redução será bastante sentida. Hoje, mais de 30% do faturamento bruto das companhias são relacionados ao custo da mão de obra. Trata-se de um peso muito grande de encargos e tributos dos mais variados.
Além da desoneração agora anunciada, existem alguns outros pontos que merecem reflexão e que se adotados contribuiriam para uma queda ainda maior nos preços das passagens de ônibus. Cito apenas um deles.
Por exemplo: há dez anos — desde 2002 — o Supremo Tribunal Federal isentou passageiro de avião do pagamento de ICMS nos voos. Mas manteve o tributo para passageiro de ônibus.
Com base em longos pareceres jurídicos, prevaleceu a tese de que a incidência do ICMS sobre a venda de passagens interestaduais é inconstitucional. Logo, o tributo não pode ser cobrado — nas passagens aéreas.
Não ficou claro para a sociedade por que a mais alta corte de justiça do país tratou de um benefício tributário para apenas um segmento da sociedade — os passageiros de avião — e excluiu a maioria dos viajantes: os passageiros de ônibus, os quais, nessa condição de passageiros, são titulares dos mesmos direitos. Por que só os passageiros de avião merecem isenção do pagamento do tributo, e não os cidadãos que viajam de ônibus?
Afinal, o que está em questão: a venda do serviço público de transporte ou o tipo de veículo usado para prestar o serviço? Parece evidente que é a venda do serviço. No entanto, de 1997 a 2001 a ação tramitou sem ninguém questionar seu caráter discriminatório, que só por isso já contraria o art. 5º da Carta Magna.
Com alguns votos contrários, mas com maioria a favor, o Supremo declarou a inconstitucionalidade da cobrança só para o transporte aéreo. Homologou-se a desigualdade e a carência de isonomia em dois tipos de transporte, onde só é mudado o tipo de veículo ou equipamento.
Com a finalidade de tentar corrigir a falha e equiparar os usuários do transporte rodoviário, a Confederação Nacional do Transporte impetrou em 2002 ação, na qual pediu ao STF a correção da injustiça, mediante a extensão, aos passageiros de ônibus, da mesma isenção que o Tribunal assegurara aos passageiros de avião, ante a inquestionável identidade de direitos de cidadãos que viajam de avião ou de ônibus.
Presumia-se que o acolhimento do pleito da Confederação Nacional do Transporte seria imediato e que os eminentes ministros do STF alterariam a decisão, acolhendo, entre os beneficiários da medida, a grande maioria dos brasileiros que viajam de ônibus e que têm uma renda menor que o passageiro de avião.
Com o acolhimento da ação da Confederação pelo Supremo, as passagens de ônibus teriam seus preços reduzidos em até 18% em alguns estados, pois o ICMS é pago diretamente pelo passageiro. E são 1 bilhão e 700 milhões de passageiros por ano que deixam, inexplicavelmente, de gozar de uma isenção fiscal hoje restrita aos passageiros aéreos.
São incoerências que não conseguem ser explicadas à luz da simples razão, gerando discriminações em cima de uma categoria de brasileiros de menor poder aquisitivo e que não entendem por que são menos iguais que os outros.
Por que só os passageiros de avião merecem isenção do pagamento ICMS, e não os cidadãos que viajam de ônibus?
Por Renan Chieppe (Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI)
Fonte: Jornal O Globo (RJ)